Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O cotidiano que nos consome
É preciso saber viver!

Cena do Filme

Harold Lloyd em cena do clássico filme
“O homem-mosca” (Safety Last), de 1923

Quanto tempo você tem ao longo do seu dia para pensar a respeito de sua vida? Ou ainda, quantas oportunidades durante a semana surgem para refletir a respeito de sua prática profissional? E os seus relacionamentos pessoais (família, amigos, colegas de trabalho ou estudos), ao longo do mês, você dedica alguma parte do seu tempo para refletir sobre os laços que os unem a você?

Tenho escutado com regularidade os posicionamentos de profissionais da educação, de amigos próximos ou de colegas de trabalho que expressam a preocupação dos mesmos em relação a essa falta de espaço na agenda pessoal para melhorar a vida em seus vários aspectos.

Nem mesmo temos controle sobre o tempo que precisamos para realizar uma boa refeição. Comemos com enorme rapidez sem que respeitemos as orientações triviais dos médicos e nutricionistas que nos dizem a todo o momento que temos que mastigar bem os alimentos, selecionar criteriosamente o nosso cardápio diário, apreciar o momento da refeição desligando-se dos problemas do cotidiano,...

Mas o que vemos é justamente o contrário de tudo isso... Parece até que ao invés de nos alimentarmos, estamos servindo de alimento para o cotidiano, cada vez mais sedento e faminto por mais e mais almas sacrificadas em seu benefício... E até onde permitiremos esse descalabro?

Ao escrever esse assunto me lembro imediatamente da seqüência inicial do clássico filme de Charles Chaplin, “Tempos Modernos”, em que trabalhadores em ritmo frenético encaminham-se para seus serviços e, em seguida, numa sutil jogada de mestre, o cineasta os transforma em um grande agrupamento de ovelhas seguindo numa mesma direção...

Carlitos

Será que aprendemos as lições de Carlitos em “Tempos Modernos”?

O que Chaplin queria nos dizer ao editar o seu filme dessa forma? Será que não conseguimos aprender as lições de Carlitos depois de todos esses anos? Ou isso só confirma aquilo que estou pensando já há algum tempo, ou seja, que vivemos como autômatos, repetindo-nos no cotidiano, fazendo com que a vida seja monótona, sem brilho, desprovida de conquistas, realizações e revoluções pessoais e coletivas?

Ao abastecer meu carro hoje de manhã e pagar pelos serviços para uma atendente instalada numa pequena cabine de cobrança do posto pertencente a uma grande rede de supermercados fiquei pensando como seria o dia daquela moça... Alojada num pequeno espaço, a sua frente apenas um computador que orienta a cobrança, tendo contato com os clientes a partir de uma portinhola através da qual efetuamos o pagamento daquilo que compramos com nossos cartões de crédito, cheques ou dinheiro...

Conclui que entre o que acontecia com aquela atendente (e as demais que trabalham no mesmo posto ou na mesma função em tantos estabelecimentos que possuem semelhante sistema de cobrança) não é muito diferente de tudo o que ocorre nos escritórios em que milhões de pessoas trabalham todos os dias, entre os quais me incluo...

Tendo a minha frente apenas uma máquina, que utilizo para depositar idéias, esperando que as pessoas reajam a elas, enviando sugestões, críticas ou ponderações a respeito, percebo que de certa forma vivo da mesma forma que a atendente do posto... E como eu, também os meus colegas, e tantas outras pessoas que foram escravizadas dentro dos padrões éticos, estéticos e impermeáveis da tecnologia e da contemporaneidade...

Desenho de uma casa acorrentada

Presos ao cotidiano, sem espaço para refletir, sem tempo
para criar, sufocados e consumidos, morremos aos
poucos. Como acabar com esse descalabro?

Também não me sinto muito diferente das ovelhas que abrem o filme “Tempos Modernos”... De segunda a sexta o cotidiano das manhãs é sempre o mesmo... Acordamos apressadamente, orientados pelos ponteiros do relógio... E de repente estamos todos sentados na mesa, engolindo o pão, engasgando-se com o café com leite, averiguando os materiais das aulas do dia... Beijos e despedidas aceleradas para ninguém atrasar-se... E lá se vão os meus familiares para um lado e eu para o outro...

O tempo está passando e o que guardaremos de tudo isso? O que ficará?

No dia de ontem realizei um trabalho em sala de aula com alguns alunos do Senac (do último semestre do curso de gastronomia) em que usei um filme. Minha preocupação em relação aos mesmos, ao utilizar-me dessa produção cinematográfica, levando-se em conta que dou as orientações para a produção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que fecha a graduação que estão fazendo, era a de alertar os mesmos quanto à forma como utilizamos o nosso tempo.

O foco, nesse caso, relacionado à produção de um trabalho com fins educacionais, para a conclusão de um curso universitário, tinha o intuito de despertar-lhes a consciência quanto ao uso racional e otimizado do tempo de produção, pesquisa, reflexão e elaboração do material escrito. Como os prazos finais de entrega do projeto estão se exaurindo e alguns estudantes ainda estão visivelmente entorpecidos e em ritmo de “baladas”, jogos e diversão, pensei tal atividade como necessária.

Escolhi então o filme “Feitiço do Tempo”, de Harold Ramis, estrelado por Bill Murray e Andie McDowell (a respeito do qual já produzi um texto para a coluna Cinema na Escola, disponível no link http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=48). O filme tem como um de seus principais méritos o desenvolvimento de um tema rico e interessante como a nossa relação com o tempo a partir de uma comédia, ou seja, nos leva a pensar um assunto sério e importante com humor e inteligência.

Imagem do Filme

Como nos relacionar de forma saudável com o tempo? Será que
escolheremos a mesmice ou que tentaremos rever nossos conceitos?
(Acima, imagem do filme “Feitiço do Tempo”, de Harold Ramis).

O mote principal da história está relacionado ao personagem Phil Connors (Bill Murray), que se considera uma estrela em ascensão no mundo do jornalismo televisivo e que, por conta disso, trata as demais pessoas com desdém, sempre com muito cinismo e hipocrisia. Até que por conta de um fenômeno inexplicável ele se vê preso no tempo, para ser mais exato, vivendo por inúmeras oportunidades o mesmo dia, justamente aquele que o personagem mais parece detestar, ou seja, o dia da marmota. O que Phil poderia fazer para não enlouquecer ao se ver encarcerado nesse dia? Continuar a vivê-lo odiosamente como fizera até então? Ou rever seus conceitos e reescrever sua história e seu cotidiano?

A lição para os alunos nesse sentido era muito clara, ou seja, o que nos leva a deixar para a última hora os nossos esforços para a realização de nossos projetos e trabalhos se temos a nossa disposição tempo suficiente para compor os mesmos com calma, discernimento, atenção e esmero? Qual a qualidade da produção que teremos se utilizarmos o tempo com mais sabedoria e parcimônia? O que acontecerá com os nossos projetos se sempre os fizermos com os ponteiros do relógio a nos espreitar?

E as lições do filme, são também aplicáveis a vida?

Com certeza! O que nos impede de utilizar melhor o nosso tempo para que melhoremos a qualidade de nossas vidas e não nos vejamos consumidos pelo cotidiano? Precisamos apenas nos organizar melhor, repensar as situações da vida pessoal e profissional para que nos sintamos melhor.

Exemplo? Acorde mais cedo, dê uma boa caminhada, respire o ar fresco das manhãs. Prepare o café tendo ao lado sua família. Deixe a mesa pronta antecipadamente e também os materiais que irá precisar no trabalho. Sente-se com calma para degustar a primeira refeição do dia por pelo menos 20 minutos, quem sabe até meia hora. Mastigue tranquilamente os alimentos para que seu estômago não reclame...

Antecipe-se aos problemas. Planeje o trabalho. Deixe disponível algum tempo no dia para pensar a sua vida. Reflita por pelo menos meia hora sobre as realizações do dia. Converse regularmente com seus colegas sobre os rumos da produção coletiva. Divirta-se lendo, ouvindo música, assistindo seus programas favoritos na televisão, levando seu cachorro para passear no bairro, praticando esportes, visitando amigos e parentes,...

E, justamente no momento em que estou fechando esse editorial, nada melhor que ouvir uma música tão especial e apropriada ao tema desse texto como “É preciso saber viver” e de sua simplicidade e riqueza recordar versos singelos que tanto nos ensinam como “Toda pedra do caminho, Você deve retirar, Numa flor que tem espinhos, Você pode se arranhar, Se o bem e o mal existem, Você pode escolher, É preciso saber viver”. Valeu Roberto!

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas