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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A corrida para o século XXI: No loop da montanha-russa
Para entender um pouco dessa vida louca dos dias de hoje

Capa-do-livro-Virando-Seculo

Você é uma daquelas pessoas que sente que a todo o momento está sendo esmagado pelas enormes pressões da vida? Pois você não está sozinho. Nesse exato momento milhões (ou, melhor dizendo, bilhões) de pessoas no mundo todo estão vivenciando experiências muito semelhantes a sua. E não há nacionalidade, religião, sexo, idade ou faixa de rendimentos que escape ileso a essa torrencial carga de responsabilidades, encargos e funções imposta a humanidade.

Temos que ser produtivos. Ou somos competitivos ou perecemos no mercado. Nossos empregos (e pescoços) estão a risco o tempo todo. O tempo, diga-se de passagem, parece artigo cada vez mais escasso no mundo. As vinte e quatro horas do dia parecem cada vez menos suficientes para que consigamos dar conta de todos os nossos compromissos.

E como somos parte de estruturas que, na maior parte dos casos, são gigantescas (o que nos impede de ter uma visão real do todo e que também não nos permite uma análise e uma reflexão sobre nossas próprias vidas), parecemos cada vez mais alienados e impotentes para mudar qualquer coisa, mesmo que se refira a nossa própria existência. Teríamos que nos reinventar e também repensar a tudo e a todos para realizar esse verdadeiro prodígio realizar-se

Não deixa de ser muito interessante que tudo isso esteja acontecendo justamente no século XXI, momento da história em que todos acreditavam que estaríamos vivendo de uma forma muito mais confortável, menos acelerada, mais racional. As projeções futuristas, pautadas na revolução tecnológica e científica pela qual o mundo estava passando desde o advento da Idade Contemporânea e da industrialização pareciam indicar que nesse amanhã idealizado estaríamos todos realmente “numa boa”.

Cena-do-filme-Matrix
Como em “Matrix Reloaded” parece que temos pela frente uma infindável quantidade de atribuições, responsabilidades e encargos... Nunca nos libertaremos... Será?

É bem possível que o conforto seja aquele que imaginamos. Temos casas equipadas com equipamentos da mais alta tecnologia. Vivemos uma realidade material nunca antes sonhada ou imaginada. Televisores, computadores, fogões, geladeiras, internet, freezers, telefones celulares, fornos elétricos, microondas, videogames e outros artefatos recentes fizeram com que o nosso cotidiano fosse ficando mais prático, técnico, hermético, protegido e, diria eu, emburrecedor...

Hoje já não sabemos mais fazer molho de tomate doméstico, artesanal, saboroso. Incorporamos as latas ou embalagens de papelão com os extratos “deliciosos” (com suas muitas variedades e temperos) ao nosso jeito de cozinhar. A culinária, que demanda tempo, paciência e prazer também foi “neurotizada” pela aceleração da vida.

Até mesmo as relações humanas parecem ter apertado o botão de avanço rápido (repetindo um pouco as hilárias situações vividas pelo personagem de Adam Sandler no filme “Click”). Fazemos até nossos encontros com a família, os amigos e os colegas de trabalho ser controlado a partir dos ponteiros do relógio. Não mais “curtimos” os acontecimentos, as pessoas, os bate-papos, os encontros casuais, o namoro, a brincadeira com as crianças,... Tudo tem que ser rápido e acaba, poranto, se pasteurizando...

Imagem-de-Montanha-Russa
Aonde vamos parar? Será possível oxigenar o cérebro e pensar nos rumos de nossa existência estando num carrinho de montanha-russa a 120 km por hora?

Pensando de forma ponderada, própria daquela dos intelectuais de outros tempos, que não eram atropelados pelos compromissos e levados também a escrever e pesquisar em ritmo de linha de produção de fábricas de automóveis robotizadas, o professor Nicolau Sevcenko, da Universidade de São Paulo (USP), produziu um belo livro, cujo título é “A corrida para o século XXI – No loop da montanha-russa”, da Coleção Virando Séculos, editada pela Companhia das Letras.

Nesse livro, Sevcenko nos faz perceber que embarcamos numa viagem de ida, sem direito a bilhete de volta, tendo um destino conhecido, mas conscientes de que teríamos pela frente uma porção de subidas e descidas íngremes que exigiriam de nós muito mais do que realmente somos capazes de dar...

Por que, percebam, por mais que nos dediquemos com o máximo empenho a tudo aquilo que nos é proposto em nossas jornadas diárias nesse louco, louco mundo em que vivemos, não conseguimos nunca terminar de forma plenamente satisfatória ou total aquilo em que estamos empenhados... Sempre há algo mais a fazer ou, quando aparentemente terminamos, lançam-se novas atribuições, ainda mais complicadas e trabalhosas que as anteriores...

É como se, fazendo um paralelo, os doze trabalhos de Hércules nunca terminassem e que, para piorar, ao final de cada dúzia de embates daquele mitológico herói fossem apresentados a ele outros desafios ainda piores do que os anteriores...
As hidras que enfrentamos parecem não apenas ter uma quantidade infinita de cabeças que devemos cortar, mas também devem estar reforçadas por poções que deram a elas a imortalidade. Enquanto isso, do nosso lado, por mais que nos dotemos com o máximo de inventos, recursos, remédios e vitaminas ao nosso alcance, estamos cientes do fato de que nossas energias e vidas são finitas...

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Não somos Hércules, mas a Hidra de incontáveis cabeças está diante de nós... O que devemos fazer? Como derrotá-la?

E esgotados continuamos nossas caminhadas rumo a um inferno na terra ao qual já estamos condenados de antemão... Não pensem que as lamúrias ou que esse lacrimoso discurso é meu, pessoal, ou seja, do articulista que lança essas linhas de reflexão sobre o texto primoroso do historiador Nicolau Sevcenko... Assim como o livro de Sevcenko não deve ser encarado pelos leitores como fruto de uma experiência pessoal, solitária e descabida do autor...

Sevcenko e esse modesto escriba que lhes dirige essas letras falam dos rumos da humanidade que nem se dá conta daquilo que acontece com ela já que está encarcerado no tempo e no espaço aos grilhões de um sistema sábio, que o devora, o comanda, o direciona e que deles suga as energias. Parece mesmo que estou a reproduzir o roteiro de um recente sucesso estrondoso do cinema, não parece? Mas os irmãos Wachowsky e seu Matrix apenas reproduziam um pouco daquilo que vivemos, seu mérito reside justamente em perceber e tentar nos alertar...

Se “A corrida para o século XXI”, por se tratar de um livro, não tem o mesmo alcance e repercussão de um blockbuster da indústria cinematográfica norte-americana, essa obra, por sua vez, nos permite uma visão mais analítica, histórica, reflexiva e completa do quadro que nos trouxe a essa vida complexa, alucinante e enlouquecedora que temos...

E Sevcenko, como as pessoas que ainda estão imunes ou além das barreiras que são impostas a imensa maioria dos indivíduos que sobrevivem nesse sistema, pensa a crise que se apresenta e que não tem data para ser superada. Crise de valores, destruição dos laços familiares, estagnação da educação, falta de criatividade e o império da mesmice (onde somos cada vez mais parecidos uns com os outros, no agir, no vestir, no corte de cabelo, nos gostos,...) são descritos e analisados de forma elegante, crítica e com grande propriedade pelo professor e pesquisador da USP.

Estamos na montanha-russa a toda velocidade e termos que pular fora do carrinho para poder entender a engenharia do sistema, analisar a velocidade dos fatos e acontecimentos, a curva ascendente e descendente que percorremos, o que pensamos e fazemos com os outros passageiros dessa viagem tão intensa e desagradável para o nosso organismo. Será que teremos coragem de fazer isso? Quem se aventura a desafiar a altura, os nervos, a velocidade do carrinho? Precisamos de ousadia e é isso que essa obra de Nicolau Sevcenko quer despertar em cada leitor... Eu estou disposto, e você? Vai encarar?

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas