A Semana - Opiniões
“Estudar pra quê?”
Ser ou não ser, eis a questão...
Parafraseando Shakespeare inicio esse artigo que tem como principal motivação uma dúvida que atormenta tantos estudantes brasileiros e também de outras nacionalidades, ou seja: “Estudar pra quê?” Por que devo ir à escola? Aonde irei chegar com os conhecimentos que me são legados através da educação? Todo o esforço que realizamos ao longo de vários anos de nossas vidas tem quais objetivos e resultados para nossas vidas futuras?
Essa é uma questão que está na cabeça de nove em cada dez alunos que entram nas escolas brasileiras, principalmente a partir da 5ª série (ou 6º ano) do Ensino Fundamental. Coincidentemente é a partir desse momento que esses alunos começam a perceber que a escola é sempre a mesma desde o momento em que nela entraram, ainda na Educação Infantil...
E é muito provável que essa dúvida surja em associação com o próprio descrédito que a instituição escolar passa a ter perante esses estudantes em virtude de seu imobilismo, pouca ou nenhuma propensão a inovação, falta de criatividade em seus procedimentos internos, desconexão com os acontecimentos do mundo e ausência de vibração, de vigor e de maior interesse pela vida.
Acho, portanto, que essa questão feita pelos estudantes direciona-se não só a eles mesmos, como parte de um explosivo processo biológico e hormonal pelo qual passam quando atingem a pré-adolescência e a adolescência, como podem pensar alguns pais e professores. A pergunta também, e principalmente, é direcionada aos próprios progenitores e aos educadores com os quais esses educandos se relacionam ao longo de sua permanência nas escolas...
O que quero ser? Aonde pretendo chegar? Por que tenho que ir a escola?
Para que serve a educação? Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas que
enchem as cabeças de nossas crianças e jovens...
Penso ainda que é uma pergunta de inestimável valor, tanto para os estudantes quanto para os educadores e a comunidade em geral. O que pretendemos fazer com nossas crianças, adolescentes e jovens ao colocarmos os mesmos nos bancos escolares durante períodos de 12 ou 15 anos? Precisamos nos colocar a par de nossos objetivos quanto à educação para que ela possa ser reformulada na medida do necessário, aperfeiçoada nos pontos fortes que já existem e repensada quanto aos procedimentos desgastados e desatualizados.
E para responder inicialmente a questão que dá origem ao presente texto gostaria de me imaginar na pele de um menino ou de uma menina de 12 anos ou, quem sabe, até mesmo no auge da adolescência, aos 15 ou 16 anos... É claro que minha resposta ficará diferente daquela que nos seria dada por um estudante nessa faixa etária, mas mesmo assim irei tentar realizar esse exercício de imaginação.
Influenciado pelos pais ou pelos professores, a resposta desse aluno(a) seria mais ou menos essa... “Estudo para que no futuro tenha condições de ter uma profissão e de me destacar dentro do ramo de trabalho que escolher”. Essa resposta, de caráter mais utilitarista, muito comum entre as ponderações dos estudantes, que é dada pelas crianças e adolescentes com base em comentários, influências e sugestões de pais e professores, pode nos dar algumas indicações sobre os caminhos da educação.
Serei apenas mais uma peça nas engrenagens que movimentam o tecido social?
Ou terei autonomia, criatividade, segurança e felicidade?
O que o futuro me reserva? Como a escola pode me ajudar ou prejudicar?
Como frisei, seu caráter utilitarista indica uma tendência associada a própria lógica e dinâmica do mundo em que vivemos e do sistema sócio-econômico dominante, ou seja, o capitalismo. Longe de mim utilizar o espaço para analisar as engrenagens e estruturas desse modo de produção (o que exigiria muitos estudos e artigos dedicados apenas a isso), o que vale é a constatação de como há uma verdadeira camisa de força que nos indica os caminhos das escolhas profissionais desde a mais tenra idade.
Conheço casos de pais que desde as séries iniciais do Ensino Fundamental escolhem as escolas de seus filhos pensando na aprovação nos concorridos vestibulares das melhores universidades brasileiras para os cursos mais disputados, como medicina, direito, engenharia, administração,...
Não há nenhuma preocupação com a felicidade e a formação integral desses estudantes. E o que quero dizer com isso? Que carecemos de uma maior atenção aos aspectos humanizadores, aqueles que irão assentar as nossas relações com as outras pessoas e que, também, nos darão sustentação emocional e intelectual para compreender o mundo em que estamos inseridos.
Afinal de contas, de que adianta formar médicos, advogados ou engenheiros que conhecem muito de suas áreas específicas de trabalho e que tecnicamente são impecáveis se esses profissionais não são capazes de comunicar-se, interagir, conectar-se, respeitar e legar ao próximo (e a si mesmos) o valor, a dignidade, a simpatia e a felicidade que a todos cabe?
As escolas devem então dar total ênfase a esses critérios humanizadores? Não apenas a eles, devem também trabalhar as competências técnicas e os conhecimentos de uso geral que permitem a todos compreender as engrenagens que movimentam o cotidiano.
De que adianta a vida sem sensibilidade? Onde reside a felicidade senão nas relações que
estabelecemos com o mundo e com as pessoas? Não adianta apenas o domínio da técnica se
não falamos ao coração, se não atingimos a alma...
Há um distanciamento entre a sala de aula e as ruas, a vida, as pessoas, os acontecimentos do dia-a-dia. Matemática que ensina tendo por base os mercados ou supermercados onde as famílias fazem suas compras; história ensinada nas praças públicas, no contato com as pessoas de mais idade, no exame do nome dado a ruas ou ainda de correspondências; português aprendido com o auxílio da música, do teatro ou de jornais diários; ciência realizada nos laboratórios mas tendo o apoio e a perspicácia da obtenção de temas e dados nas ruas; geografia entendida pelo passeio e observação dos processos produtivos ou das características naturais de um ambiente a partir de visitações ou expedições; em suma, a escola precisa do mundo para se mostrar viva, atraente, envolvente e significativa para os estudantes (e também para todas as pessoas que nela atuam).
Estaríamos então dando aos estudantes motivação, entusiasmo, conexão com o mundo real. Criar-se-ia um sentido que, acredito, tornaria a existência da escola mais compreensível aos olhos dos alunos e que daria aos mesmos suficiente clareza quanto aos motivos que levam seus pais e a sociedade em geral a mandá-los para as escolas por tantos e tantos anos.
Pensar tão adiante no tempo, projetando-se num futuro que irá acontecer daqui a 6, 8 ou 10 anos dificulta a compreensão que uma criança ou um adolescente é capaz de ter quanto aos motivos que o levam a sala de aula. Isso quem lhes diz não é apenas o presente escriba que lhes traz esse texto, mas os estudiosos especializados no comportamento humano. A noção de amanhã ou de futuro, próximo ou distante é um tanto quanto complexa e dissociada da realidade das crianças e dos adolescentes (e também de muitos adultos).
Nesse sentido o retorno da escola e da educação tem que ser percebido num contexto mais imediato e associado aos fatos da vida do próprio estudante, de sua família, de seus relacionamentos, da cidade em que vive, de seu país e do próprio mundo.
É por isso que a escola deve dar ênfase a formação humanística contextualizada e significativa aos olhos de seus estudantes ao mesmo tempo em que lhes fornece conhecimentos que os auxiliem nas tarefas do dia-a-dia e que os tornem tecnicamente hábeis a execução de realizações que irão lhe encaminhar para sua escolha profissional.
Tornar a escola um espaço em que há uma preocupação demasiada com a formação profissional, o mercado de trabalho, o conforto futuro que todos desejam ter e a possibilidade de ter uma conta bancária polpuda não pode nunca ser o principal objetivo da sociedade e da educação. E, em muitos casos é isso exatamente que está acontecendo. Trata-se de uma enorme irresponsabilidade de todos aqueles que são artífices e cúmplices desses acontecimentos.
A escola deve emancipar. A educação deve dar asas. Os professores têm que incentivar o espírito científico. Nas salas de aula temos que ensinar ética, respeito, civilidade. O ser humano íntegro, seguro, confiante e feliz deve ser o objetivo maior de todo e qualquer processo e realização educacional. Desse modo teríamos então respondido de um modo mais do que satisfatório a pergunta que inicia essa reflexão...