Diário de Classe
O Poder do Estudante
Está faltando mais atitude!
No início da tarde de ontem, uma segunda-feira aparentemente normal desse mês de março de 2007, entrei em sala de aula para trabalhar algumas novas idéias com um grupo de alunos que está prestes a concluir a graduação. Trata-se de uma turma respeitável, que possui um bom histórico escolar, com aproveitamento sempre superior a média e que é considerada pelo conjunto dos professores como um grupo de onde profissionais muito competentes sairão para o mercado.
Sinto-me tranqüilo nas aulas em que estou com eles. Depois de quase 20 anos como professor que realmente aprecia o ramo em que atua e que se preocupa com a educação e o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem tenho suficiente segurança para trabalhar os temas propostos com desenvoltura e eloqüência. Mas no dia de ontem... E também em algumas de nossas aulas anteriores desse início de ano... Detectei desinteresse de um grupo de bons alunos, falta de aplicação, conversas fora de hora e até mesmo certa desconsideração pelo curso que estou desenvolvendo nesse momento com eles...
Já havia escutado de alguns professores do semestre anterior (e do atual) considerações acerca dessa demonstração de pouco caso e de mínimo esforço nas aulas por parte desse grupo. E o mais interessante é que a temática que estávamos abordando na aula em questão era justamente a respeito da necessidade de mudanças na universidade e nas fases anteriores da educação para que pudéssemos implementar nas escolas brasileiras a capacidade real de pesquisa que o nosso país precisa para superar o eterno estágio de país do futuro...
Que estudantes estão sendo formados em nossas escolas?
Depois da introdução ao tema (interrompida algumas vezes para que os alunos se dessem conta da necessidade de um tempo mínimo de concentração e silêncio para a reflexão) e das primeiras ponderações (travadas algumas vezes por conversas paralelas ou pela dispersão de alguns estudantes que se ocupavam com outras atividades) me vi diante de uma situação que em outras ocasiões exigiram apartes e considerações para que a aula e o curso realmente tivessem o resultado e a eficácia que se esperam do mesmo.
Iniciei uma conversa com o grupo em que questionava justamente esse desinteresse e descaso no curso. Disse-lhes que estava a disposição para que as eventuais críticas aos caminhos e alternativas escolhidos para o curso que estou trabalhando com eles fossem a mim direcionadas. Expliquei que me considerava preparado, que estava dando realmente o melhor que podia, que preparava o andamento das aulas com a necessária antecedência e esmero, que acreditava no potencial do grupo e, mais importante, que naquele momento não me sentia devedor da turma quanto ao trabalho que estava realizando. Minha autocrítica (que por vezes é realmente cruel para comigo mesmo) me dizia que as aulas, idéias, conceitos, recursos e práticas adequadas estavam sendo adotadas.
Isso não quer dizer que não esteja preparado para receber as necessárias críticas, desde que embasadas em argumentos fortes e pautadas em fatos e acontecimentos percebidos no desenrolar das aulas. Acredito que não apenas a consciência que devemos desenvolver acerca de nosso trabalho e existência deve nos guiar nos passos presentes e futuros. A orientação pode e muitas vezes vêm de terceiros, que percebem certas coisas que nossos sentidos não conseguem detectar.
Estudantes e professores tem responsabilidades no processo de construção do conhecimento.
Mas naquele momento sentia que o problema maior não residia nas aulas ou mesmo na minha pessoa. Percebi que eles estavam cabisbaixos e desanimados com o curso. E escutei palavras de alguns que certamente confirmavam o meu prognóstico. A dificuldade residia, conforme palavras dos estudantes, na cobrança pouco rigorosa, na falta de orientação mais clara para os cursos, na ausência de ousadia nas aulas (sempre as mesmas, repetitivas, escravas de uma metodologia tradicional), em avaliações que pouco ou nada exigiam de esforço, na não concatenação da teoria ou da prática com a pesquisa que podia lhes dar mais autonomia,...
Enfim... Tudo o que estava acontecendo era mais uma vez culpa do sistema em que vivemos... E a reação dos estudantes a essa situação era o “cruzar de braços”, o “desocupar-se da realidade”, o “isolamento” do cotidiano educacional em que estavam inseridos...
E era isso mesmo o que eles deviam estar fazendo? Essa seria a reação esperada por parte dos estudantes de um curso de 3º grau?
Nesse momento participei para o grupo que a questão não se restringia a essa turma, ao curso em questão, a universidade em que estamos lotados ou mesmo ao ensino universitário... Trata-se de um problema nacional, que afeta a educação em todos os seus níveis, que se encontra presente até mesmo nas instituições mais credenciadas e gabaritadas da nação e que afeta a vida de milhões de estudantes brasileiros...
Que fique claro que com isso não pretendia isentar o grupo das responsabilidades que lhes são inerentes e juntar-me ao coro que apregoa as dificuldades como sendo originárias de um grandioso e incorrigível “sistema”... Eles também são responsáveis (assim como os estudantes de todas as outras instituições que vivem o mesmo dilema), assim como nós professores (em todos os níveis, da educação infantil ao 3º grau) temos igualmente grande responsabilidade nessa questão...
Manifestar-se por seus direitos, com argumento e consciência, é de fundamental importância.
Nesse sentido deve ficar claro que o estudante que está insatisfeito, que acha suas aulas enfadonhas e pouco produtivas, aquele aluno que só está indo à escola para “cumprir tabela” (literalmente para “bater o ponto” e chegar ao fim do ano para ser promovido ou obter o necessário “canudo”), ou ainda o educando que considera o curso que está fazendo abaixo das expectativas gerais deve “gritar”, “espernear”, ou seja, reclamar providências, cobrar os professores, direcionar suas críticas aos coordenadores e, eventualmente, quando necessário, reclamar diretamente para os próprios diretores e mantenedores da instituição (e se não der certo que vá ao “bispo”, ao MEC, ao governador, a diretoria de educação,...).
O poder do estudante ao qual me refiro reside justamente em assumir um posicionamento crítico e consciente do processo educacional em que está inserido, sabendo da importância que a escola pode e deve ter em sua vida, munido dos argumentos e da racionalidade necessária para encaminhar suas queixas, críticas e posicionamentos a quem realmente pode resolver os problemas.
Reitero, no entanto, que qualquer situação a ser revista, corrigida e repensada quanto ao trabalho em sala de aula deve seguir necessariamente uma tramitação elementar, iniciando-se a partir de conversas com os próprios professores para depois, caso não sejam tomadas as medidas necessárias para otimizar a educação, buscar o apoio e o auxílio das instâncias superiores do universo escolar.
Penso apenas que antes de fazer valer o que lhes compete enquanto poder e direito, os estudantes devem refletir sobre sua própria prática, realizar um “mea-culpa”, pensar sobre a atitude que estão tendo na escola, avaliar se o seu esforço e dedicação nos cursos são os esperados. Se eles estão sendo pontuais e freqüentes nas aulas; se as leituras e tarefas pedidas estão em dia e sendo realizadas com atenção e reflexão; se a participação em aula, com a apresentação de dúvidas, socialização de experiências, ponderação sobre os conceitos ou mesmo se a feitura dos exercícios e trabalhos propostos acontece.
Somente a partir do momento em que todos tiverem consciência do processo em sua totalidade, na qual professores, estudantes e demais componentes do processo educacional têm responsabilidades e direitos ou ainda que atuam em prol de um objetivo comum, que é a efetivação de uma educação de qualidade que ajude a formar com a melhor retaguarda possível os estudantes para a consecução de uma sociedade mais justa, ética, digna e fraterna é que estaremos vivendo a escola que desejamos.
Disse aos estudantes com os quais trabalho e repito nesse artigo uma idéia que considero de fundamental importância, apesar de sua simplicidade, a escola é um local onde devemos nos perceber como aliados e não como inimigos... Estamos todos em busca de um mesmo objetivo (a formação plena, integral, crítica e cidadã de nossos alunos), meta que nos conduza ao mundo em que desejamos viver, sem guerras, violência, corrupção, abandono, ódio,...