Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

 

Luz, Câmera, Ilusão, Alienação!
Emílio Figueira

Passando por uma banca de jornal e revistas, parei um pouco e dei uma olhada panorâmica. Achei muito interessante como multiplicou consideradamente o número de revistas sobre vida de artistas e personalidades. Não só o número como a qualidade visual delas. A vida de famosos desperta interesse cada vez mais de pessoas simples. Tanto é verdade que programas de televisão com esse conteúdo também se multiplicam e se aperfeiçoam na disputa de audiência. Mas o que move tanto interesse pelo glamour alheio?

É um interesse que já vem de longe. Assistindo a telenovelas e a filmes de épocas, reparamos em mocinhas folheando revistas que trazem matérias e fotos em preto e branco de artistas famosos dos filmes de Hollywood. Artistas estes que habitavam as grandes telas dos luxuosos cinemas, lugares considerados o ponto alto para se freqüentar, não só a sala de projeção, mas também o hall de entrada, as antessalas com tapetes, lustres, café, bomboniere e tantos outros detalhes que minha geração não teve oportunidade de conhecer. Tanto é verdade que meu pai contava que não se entrava num cinema sem gravata. À minha geração restou assistir só ao sucateamento desses locais, sendo que muitos hoje são reles salas de exibição de filmes pornôs no centro velho da cidade.

Mas voltando às mocinhas da época, muitas nutriam amores fantasiosos pelos galãs da grande tela. Beijos, o gesto mais atrevido para aquele momento, faziam-lhes suspirar, projetar-se para o lugar da atriz da cena. Os vestidos e assessórios das fitas passaram a ditar moda. Moças recorriam às suas modelistas para ter uma roupa igual que seria usada na próxima sessão de cinema ou em imponentes bailes orquestrados. Mas imagino que pelos altos custos, falta de maquinário gráfico adequado, profissionais especializados e altos custos, essas revistas eram de tiragem limitada e só atingiam uma pequena parte da sociedade – aquelas moças de classe média ou alta que eram preparadas para serem exímias donas de casa. A classe baixa e operária não tinha condição de comprar tais publicações, freqüentar cinemas ou bailes com orquestras.

Mas hoje, segundo pesquisas do mercado editorial, há um inverso, pois quem está consumindo essas publicações tem sido as classes média e baixa. E a televisão, que substituiu o cinema, tem uma grande parcela nisso, uma vez que, nas últimas décadas, ela se fez presente em grande parte dos lares brasileiros, popularizando a imagem de inúmeros atores e atrizes. Imagens também de glamour, de pessoas que são idolatradas por fãs, como se fossem seres de um outro mundo, como se artista fosse uma pessoa sem nenhum problema, tendo uma vida só de maravilhas!

Atuais ídolos, que na antiguidade eram um objeto de adoração, representavam materialmente uma entidade espiritual ou divina, associados a eles poderes sobrenaturais ou a propriedade de permitir uma comunicação entre os mortais e o outro mundo. Hoje, após os avanços tecnológicos do século XX que permitiram maior acesso da pessoa comum a trabalhos de artistas, políticos e personalidades importantes, o termo “ídolo” expandiu-se da esfera divina para a esfera humana. É lugar comum a menção de pessoas famosas ou de destaque em sua área de atuação profissional, tais como “ídolos”, ou seja, personalidades que se tornam, através da aclamação popular espontânea ou pela atuação direta da própria mídia, objetos de adoração e devoção não religiosa.

Muitos dos enredos das telenovelas representam a vida que as pessoas gostariam de viver, sem problemas como aqui no mundo real. Se houver problemas na trama, há também soluções que se apresentam como num passe de mágica. Surgem a fantasia como um mecanismo de defesa, o qual proporciona uma satisfação ilusória para os desejos que não se podem realizar, por exemplo, viver o enredo daqueles personagens.

O inconsciente cria uma satisfação-substituta que fica no lugar da realidade. É um mecanismo defensivo que alivia a tensão, permitindo, por momentos, uma liberação ilusória da realidade não-satisfeita ou, então, uma satisfação imaginária dos desejos, cuja satisfação real está fora de seu alcance ou tenha sido proibida pela repressão e dificuldade de ser alcançada. A fantasia é uma síntese integrada de idéias, sentimentos, interpretações e memória, predominando elementos instintivos e afetivos. Por meio da satisfação-substituta e omitindo a realidade, a fantasia pode ajudar a resolver os conflitos e prevenir a progressão da angústia. Freud demonstrou que os sonhos e as fantasias são processos que visam a avaliar as angústias.

Lembro-me que, no primeiro ano de faculdade, estudamos um texto de um psicanalista, o qual dizia que programas e telenovelas que abordam temas da vida real (violência, miséria, rotina diária...) são sinônimos de fracasso na audiência. As pessoas ao ligar a televisão, depois de um dia exaustivo, encontram ali uma fuga, um descanso mental que muitos no passado – antes da televisão e do cinema – encontravam nos livros de romance e nos contos de fadas. E esse é mesmo um dos papéis da arte, ou seja, levar o indivíduo para mundos imaginários, pois sonhar também é uma necessidade humana. Falamos, assim, sobre a alienação momentânea da vida.

Sair do real e passear um pouco pelo “mundo do faz de conta” é saudável à saúde mental, mas desde que em doses adequadas. Quando em doses moderadas, a fantasia pode contribuir para a adaptação da pessoa, já que proporciona a eliminação da angústia, permitindo-lhe enfrentar novamente o problema respectivo. Entretanto, uma dose constante e profunda de fantasia e devaneio pode fazer com que a pessoa se desvie da realidade, acostumando-se a um mundo irreal, sendo que, ao “acordar para a vida”, ela sentirá mais dificuldades para enfrentar os problemas concretos.

Isso se pode notar em muitas pessoas que acreditam que o mundo artístico é uma maravilha e querem adentrá-lo para se tornar um artista e ter reconhecimento, ser ídolo, viver num mundo em que tudo é perfeito e feliz. Temos vários relatos de pessoas que fazem tudo por isso, abandonam todo o seu cotidiano, obrigações, estudos e famílias. E as publicações e os meios artísticos sabem disso quando vendem a idéia de um mundo belo e fácil. Mas o que eles não divulgam é que os mesmos artistas, sejam iniciantes ou consagrados, chegam ao lugar de destaque depois de muitos anos de trabalho, estudo, além de muita insistência em acreditar em seu objetivo. Como se não bastasse, tiveram que ouvir muito "não". A carreira artística, como outra qualquer, é a soma de muito esforço, sangue, suor e lágrimas!

Esse mundo das fofocas também abre espaço para a inveja inconsciente. Muitas pessoas gostam de ver artistas em situação difícil ou de humilhação! Isso tem uma explicação. O ator ou a atriz está num lugar de destaque na sociedade que a pessoa gostaria de conquistar. Mas, como não está lá, ao vê-los se dar mal e sendo motivos de escândalos, é como uma vingança inconsciente alimentada pelo tradicional “Benfeito!”.

Escrevi tudo isso porque, ao passar pela banca de jornal e revista, lembrei-me que no começo do ano uma amiga pediu-me dicas para pegar o hábito de ler. Sugeri que ela começasse lendo coisas simples, como revistas de fofocas e outras. Não pelo conteúdo, mas sim por serem textos curtos, fluentes e de fácil compreensão. Depois, já com necessidade de ler freqüentemente, ela passaria para leituras maiores e complexas. Respondeu-me taxativa: “Sinceramente, não consigo me ver lendo revistas de fofocas”! Acredito que ela, mais uma vez, demonstrou-me ser uma mulher resolvida e prática.

Fonte: Blog do Emílio Figueira (http://blog.emiliofigueira.com/2008/08/27/luz-camera-iluzao-alienacao/#more-46)

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