A Semana - Opiniões
Próximos do apocalipse?
A irreversibilidade do aquecimento global
Quando eu era criança assisti um desenho na televisão em que os personagens principais, liderados pelo Zé Colméia e Catatau, lutavam contra um vilão que possuía uma máquina que sugava as matérias-primas do planeta e as transformava em produtos. O ritmo de exploração das entranhas da Terra era tão grande que os personagens lutavam contra o tempo numa desenfreada corrida para salvar o mundo da destruição.
Naquela época, nos anos 1970, o movimento ambiental ainda engatinhava, dando seus primeiros passos, e expressões como aquecimento global, efeito estufa e destruição da camada de ozônio ainda faziam parte do vocabulário restrito a cientistas e pesquisadores...
Não sei ao certo se os criadores daquele desenho animado tinham a intenção de esclarecer as crianças, desde aquele tempo, sobre essa temática que nos é tão cara hoje em dia, a questão ambiental. A recordação para mim permaneceu até os dias de hoje, apesar de não ter assistido a nenhuma reprise daquela produção desde então.
E o mais interessante é que aquela preocupação pareceu se instalar no meu inconsciente e me acompanhou até o momento em que, uma década depois, comecei a ler os primeiros livros de minha biblioteca que trabalhavam o assunto. A destruição das florestas tropicais; a extinção de espécies animais e vegetais; a queimada dos campos para o estabelecimento de novas áreas de produção industrial; o lançamento de dejetos das áreas urbanas e industriais em grande escala no ar, na água e no solo; o degelo lento e progressivo das calotas polares ou de cadeias de montanhas em regiões frias dos vários continentes; enfim, os indícios dos rumos que estávamos dando para a Terra já estavam se tornando manchetes de jornais e eram mais e mais objetos de pesquisa de estudiosos do mundo todo.
Queimadas destroem as florestas tropicais e contribuem para o efeito estufa.
Líamos os artigos e livros, assistíamos aos noticiários da televisão, escutávamos pelo rádio as novidades e os fatos mais recentes, ficávamos assustados com a ação dos primeiros manifestantes radicais ligados a onda ecológica e, apesar de tudo, as indústrias aumentavam ainda mais o ritmo de suas realizações, a agricultura despejava mais agrotóxicos na combalida terra, as cidades continuavam a crescer de forma desordenada e avassaladora, as matas ardiam em chamas cada vez mais freqüentes e poderosas,...
O vilão do desenho animado, voraz em seu apetite por lucros e sequioso em sua luta pelo domínio do mundo estava ali, diante de nossos olhos (éramos nós mesmos), mas diferentemente da animação, os poucos heróis que se dispunham a manifestar-se pela sobrevivência do planeta eram tachados de radicais e eram considerados retrógrados que se opunham ao desenvolvimento e ao progresso.
Na semana passada, aproximadamente 15 anos depois da Rio-92, a conferência internacional na qual se assinaram os primeiros documentos em que se estabeleciam metas de diminuição da emissão de poluentes na atmosfera terrestre (entre outras importantes medidas), foi divulgado um novo documento, dessa vez assinado por um grandioso grupo de cientistas do mundo todo.
Nesse novo levantamento, realizado com o apoio da Organização das Nações Unidas, levando-se em conta variáveis e condições relativas a todos os continentes e também aos oceanos e a atmosfera terrestre, concluiu-se que os efeitos da devastação ambiental em ritmo acelerado promovida pela humanidade desde o advento da Revolução Industrial (entre os séculos XVIII e XIX) são praticamente irreversíveis pelo período de aproximadamente cem anos...
Cidades que cresceram desordenadamente, trânsito saturado, devastação do solo,
emissão de gases poluentes em grandes quantidades na atmosfera...
Isso quer dizer, na prática, que mesmo que conseguíssemos, através de uma imaginária chave de liga e desliga que acionasse todo o setor produtivo humano, desativar todas as indústrias, zonas agrícolas, consumo de energia elétrica, usinas termoelétricas, hidroelétricas ou atômicas e demais segmentos de trabalho existentes em todos os países desse mundo em que vivemos, o estrago na camada de ozônio não sofreria reversões a não ser daqui a um século...
É claro que a diminuição na emissão dos poluentes e na destruição dos ambientes planetários da Terra (através de queimadas, alterações do relevo, devastação das florestas, extermínio de espécies animais ou vegetais,...) pode ajudar a diminuir os drásticos efeitos que serão sentidos ano a ano em todas as regiões do planeta. O que não pode mais ser revertido é o aquecimento global, pelo menos ao longo desse século inteiro...
E os estragos que serão provocados por esse aquecimento já estão sendo sentidos e vivenciados por populações de todos os continentes e países. Nunca tivemos verões tão quentes, degelo tão acelerado nos pólos e regiões geladas, crescimento tão acentuado do nível dos oceanos (que ameaçam a integridade de diversas cidades costeiras, como o Rio de Janeiro ou Nova Iorque), desaparecimento cada vez mais acelerado de animais ou plantas, tsunamis, furacões e tornados em profusão nunca antes vista, chuvas tão intensas e devastadoras,...
A água potável irá escassear e tornar-se-á motivo de conflitos internacionais; o calor intenso irá promover quebras consideráveis nas safras agrícolas e isso redundará em ciclos de fome e doenças em várias regiões; pessoas morrerão em virtude do calor excessivo; crises se estabelecerão no setor de fornecimento de energia pelo mundo afora; o crescimento das economias não mais acontecerá e teremos problemas ainda mais sérios de desemprego e subemprego; essas são apenas algumas das conseqüências desse desequilíbrio ambiental que estão sendo previstas pelos cientistas envolvidos nessa importantíssima pesquisa divulgada há alguns dias.
A produção de energia através de usinas termoelétricas ou nucleares polui
o ambiente com a emissão de gases tóxicos na atmosfera ou com o surgimento
de resíduos que podem contaminar com gravidade o solo.
E o que estamos fazendo em relação a esse cenário apocalíptico que está cada vez mais iminente?
Os Estados Unidos, o maior poluidor e destruidor do ambiente terrestre (responde por aproximadamente 25% de toda a produção humana), que nem assinou a carta de intenções da Rio-92 ou o Protocolo de Kyoto, documentos através dos quais os países se comprometiam a diminuir a intensidade e o ritmo de produção para amenizar a destruição do planeta e tentar reverter os prejuízos já causados, promove conflitos no Oriente Médio e prevê em orçamento anual que poderá destinar até 20% de seu erário nacional para armamentos e guerras...
Países em rápida ascensão como a China e a Índia, a África do Sul e o México, o Brasil e a Argentina, preocupados em manter ou acelerar o crescimento não parecem dispostos a criar políticas de preservação ambiental que sejam verdadeiramente efetivas. Na mesma semana em que esses dados foram divulgados o governo brasileiro, por exemplo, apresentou planos de ampliação da produção de energia dentro do país tendo como principal força motriz desse crescimento a construção de mais usinas termoelétricas, consideradas altamente poluidoras...
Se não bastasse isso, há um embate evidente dentro do próprio governo Lula entre os partidários do desenvolvimentismo, ligados a área econômica, e aqueles relacionados ao crescimento sustentável que prevê e requer cuidados com a questão ambiental antes da aplicação de qualquer investimento em território nacional, ligados a ministra Marina Silva, do Meio-Ambiente.
E nós, simples mortais, o que estamos fazendo?
Continuamos acordando todos os dias, batendo cartão, indo para o serviço de automóvel ou de ônibus (que ao queimar combustíveis fósseis poluem muito o meio-ambiente), gastamos irrefletidamente a água potável em nossas casas (em banhos longos, lavagem de carros e quintais,...), gastamos mais energia elétrica do que realmente necessitamos, produzimos lixo em abundância e não realizamos os processos de seleção que podem reconduzir vários materiais a reutilização, desperdiçamos alimentos,...
Está na hora de refletir com maior profundidade sobre o que podemos fazer para diminuir os impactos de nossa insaciável fome que está destruindo o planeta. Está na hora de pressionar os governos, sair às ruas, cobrar medidas efetivas dos políticos, unir-se a movimentos ambientalistas, caso contrário o apocalipse no horizonte não será apenas vislumbrado nos estudos dos cientistas, nos filmes ou em desenhos animados... Os efeitos para as próximas gerações já estão listados e acontecendo com maior intensidade a cada novo dia... A sobrevivência do planeta e da própria humanidade estão em jogo...