De Olho na História
A epidemia do fim dos tempos
A Peste Negra
Médico (usando máscara) que cuidava de doentes com a peste negra.
No início do século XIV a China vivenciou uma epidemia mortal de peste bubônica. A peste ocorre em virtude de um bacilo, ou seja, um organismo presente no organismo dos ratos e que é repassado aos homens pelas pulgas que neles se hospedam. As pulgas em contato com o corpo humano regurgitam o sangue dos roedores e dessa forma a doença chega aos seres humanos. Assim que as primeiras pessoas são atingidas pela peste, a enfermidade se dissemina com grande rapidez.
Os sintomas dessa doença são a febre alta, a inflamação das glândulas linfáticas (chamadas popularmente de bubões), manchas na pele (vermelhas inicialmente e que depois se tornam negras). O nome da doença, Peste Bubônica, tem relação direta com a inflamação dos gânglios linfáticos e o seu nome deriva justamente da expressão Bubão.
Situações de subnutrição e desnutrição ou de qualquer outra doença no organismo de uma pessoa infectada tornam a possibilidade de sobrevivência a peste praticamente impossível. Há duas variações da enfermidade que os historiadores acreditam ter coexistido com a versão predominante naquele período, são elas: a praga que se estabelece no sangue e aquela que ataca os pulmões. São violentíssimas e as chances reais de uma pessoa resistir a essas variações da peste bubônica eram praticamente nulas.
Imagem extraída de Bíblia (Toggenburg Bible, 1411) que retrata os efeitos da Peste na população européia do período medieval.
Ao longo do século XIV, como resultado da peste na China, a população local decresceu consideravelmente, passando de 125 milhões de pessoas para uma quantidade estimada em 90 milhões. Como a China era uma das mais importantes e grandiosas nações comerciais do mundo naquela época, a doença acabou migrando através de seus navios mercantes para o restante do continente asiático e também para a Europa.
O canal de acesso para a doença entre os europeus foram alguns navios de cidades italianas que voltavam da Ásia pelo Mar Negro, uma das principais rotas de comércio que ligavam o Velho Mundo as especiarias e produtos oriundos dos principais pólos produtores da Índia, China, Arábia,...
Quando os navios atracaram na Sicília muitos dos tripulantes já estavam em avançado estágio de contaminação pela peste bubônica. Estavam morrendo ou infectados. Não demorou muito para que a doença trazida pelos marinheiros dos mercantes italianos se espalhasse pelas cidades da região e também na zona rural.
De acordo com relatos da época, apavorados muitos habitantes das regiões infectadas fugiram de suas cidades, vilas, aldeias e feudos. Mas a doença não ficou para trás. Não sabiam tais pessoas que a contaminação de um único ser entre todos eles fazia com que a peste os acompanhasse por onde fossem.
A situação ficou tão desesperadora que muitos pais estavam deixando para trás seus filhos. Religiosos que ficavam encarregados de cuidar dos enfermos também abandonavam seus postos largando os moribundos a sua própria sorte. Seus mosteiros, abadias e conventos eram abandonados depois do surgimento dos primeiros sinais de que também eles, representantes de Deus na Terra estavam com a peste. Nem mesmo advogados, responsáveis pela criação de testamentos dos doentes se atreviam a permanecer por perto para realizar o trabalho que deles era esperado.
A morte espreitava a todos, em qualquer lugar do continente europeu, não adiantava tentar fugir, ela estava no encalço de cada um daqueles que migravam...
Os corpos se avolumavam nas casas abandonadas e não lhes era dada nem mesmo a possibilidade de um enterro cristão. O resultado da epidemia era tão devastador que um comentarista célebre daquele período, o escritor italiano Boccaccio chegou a dizer que as vítimas frequentemente “almoçavam com os amigos e jantavam com seus ancestrais”.
Apenas alguns meses foram suficientes para que a peste bubônica chegasse à Inglaterra, no norte da Europa. Ao atingir essa região do continente, a doença passou a ser chamada de Peste Negra, em alusão as manchas dessa cor que apareciam na pele dos enfermos. Para piorar, a atrasada medicina do período medieval não tinha instrumentos e remédios adequados para realizar um eficiente combate contra a praga que devastava todas as localidades por onde passava.
No inverno a doença parecia estar desaparecendo. O que estava acontecendo é que nessa estação do ano, as principais propagadoras da peste bubônica, ou sejam as pulgas dos ratos, estavam em seu período de dormência. Quando chegava a primavera, novamente começavam os ciclos de infestação e propagação das chagas promovidas pela Peste Negra.
Depois de apenas 5 anos, calcula-se que aproximadamente 25 milhões de pessoas haviam perecido. Isso equivalia, à época, a um terço da população européia. A morte de contingente tão grandioso de pessoas na Europa provocou conseqüências sérias que afetaram a vida local por alguns séculos. Faltavam trabalhadores para a realização da labuta no campo. Isso motivou os camponeses a exigir dos senhores feudais a diminuição dos encargos feudais e um aumento de seus ganhos. A recusa dos proprietários das terras em aceitar essas exigências levou os servos a violentas revoltas que aconteceram em vários países, como a Itália, a França, a Inglaterra e os Países Baixos.
Algumas localidades ainda tentaram se organizar para combater a praga e enterrar seus mortos, mas na maior parte das cidades, vilas e também na zona rural acumulavam-se os corpos e o que se via era o abandono das propriedades.
Nas cidades faltavam pessoas para trabalhar no comércio e nas oficinas de artesãos especializados. O comércio declinava. Os trabalhadores que haviam sobrevivido exigiam melhores salários e condições de trabalho. Seus patrões, que haviam perdido muito dinheiro com o fechamento temporário de seus estabelecimentos não tinham como atender essa demanda.
Também a Igreja Católica perdeu credibilidade junto aos fiéis por conta das perdas da Peste Negra. As orações e celebrações em que se pedia o fim da epidemia no continente não foram atendidas pelos céus e, como resultado dessa resposta divina que nunca chegou, as pessoas foram estimuladas a aderir aos movimentos que começavam a questionar a Igreja Católica em suas bases, dogmas, saberes e proposições.
Contrariando o que muitas pessoas pensam a respeito daquele período, as autoridades públicas de algumas localidades não agiram como se a Peste Negra fosse um castigo divino contra a humanidade e encararam o problema como uma questão de saúde pública. Não possuíam muitos recursos para combater o problema, mas tentaram se organizar para debelar a epidemia.
Em Milão, por exemplo, os representantes do poder público lacraram residências de pessoas que estavam contaminadas para evitar o contato das mesmas com pessoas saudáveis. Dessa forma pretendiam que o contágio da enfermidade não acontecesse. Em Veneza foram adotadas medidas como a quarentena e o isolamento das embarcações que chegavam à cidade em uma ilha para evitar que novos focos da peste bubônica pudessem surgir. Apesar de não conseguirem evitar as mortes em seus municípios, tais medidas tornaram a quantidade de vítimas inferior ao de outras cidades da Europa que não haviam tomado qualquer providência para combater a doença.
O ímpeto da Peste Negra diminuiu com o passar do tempo, mas ciclos esporádicos e isolados continuavam a ocorrer de tempos em tempos. Isso ainda se repetiria ao longo de mais alguns séculos e o desaparecimento da enfermidade do mapa da Europa só aconteceu mesmo no século XVII.