A Semana - Opiniões
Ensinar valores
Atribuição essencial das escolas
Matemática ou português? História ou biologia? Inglês ou física? Geografia ou artes? Educação física ou química? Qual é a mais importante disciplina trabalhada em uma escola? E na sua escola, qual é a área de mais destaque: humanas, exatas ou biológicas? É certo que cada escola e seus professores trabalham com afinco para que os resultados obtidos em suas matérias específicas resultem em sucesso.
Avaliações realizadas pelo governo, vestibulares, torneios envolvendo estudantes e mesmo provas internacionais orientam e direcionam as escolas em relação aos pontos fortes de seus currículos escolares. Quando o êxito maior é obtido em matemática ou biologia, a tendência é incentivar ainda mais os profissionais da área e até mesmo dar-lhes mais subsídios para que o brilho no segmento continue.
Se há, por outro lado, falhas evidentes no ensino de física ou história, com resultados ruins no ENEM ou nos exames vestibulares, as escolas passam a se organizar para remediar a situação e reverter os gráficos em queda para que seus alunos possam ter um rendimento superior ao anteriormente conquistado.
Não há dúvidas quanto à importância de cada uma dessas áreas do conhecimento. Assim como não devemos atribuir mais relevância a uma determinada disciplina em detrimento das outras, como aliás é praxe em escolas brasileiras, em que há uma supervalorização da matemática e do português comparativamente com as outras matérias...
Quais os valores que nos levam a felicidade?
Existe, no entanto, uma série de conhecimentos que não fazem parte dos currículos elaborados para nenhuma de nossas escolas. Não há um trabalho específico sobre esses saberes na educação infantil nem, tampouco, no ensino fundamental; a preocupação sobre essa temática no ensino médio até existe, mas não se configura numa programação ou num projeto perene, situação que se repete no ensino superior...
Os planos de ensino preparados pelos professores não vislumbram a área. Os projetos e estudos governamentais mais recentes (aqueles que vêm sendo produzidos e realizados desde o governo de Fernando Henrique Cardoso e que tiveram continuidade com o presidente Lula) referem-se à mesma, cobram ações quanto a ela, destacam sua importância, mas não indicam caminhos claros e nem mesmo ações efetivas...
A discussão sobre o ensino de valores na escola não é uma das prioridades estabelecidas pelos diretores, mantenedores particulares, professores ou ainda pelo estado. A preocupação maior continua sendo a obtenção de resultados melhores nas disciplinas. E, diga-se de passagem, o ensino de cada uma das matérias escolares continua totalmente estanque, ou seja, totalmente dissociado.
Eventualmente uma ou outra escola, ou ainda alguns professores por iniciativa pessoal, se empenham em realizar projetos de caráter interdisciplinar. Mesmo esses anônimos heróis e seus grupos de trabalho têm grandes dificuldades em atingir os objetivos desejados, nunca por falta de disposição ou empenho, na maior parte dos casos por falta de incentivo ou da necessária informação sobre essa forma de atuação e realização.
A interdisciplinaridade pede o trabalho conjunto, compartilhado, sem fronteiras entre as disciplinas, respeitando e valorizando as diferenças, e que antevê, considera e preconiza também a questão dos valores.
É notória, por exemplo, a falta de esclarecimento quanto à multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Precisamos de mais estudo para entender melhor cada uma delas e verificar como podemos ou devemos encaminhar os projetos que desenvolvemos em nossas escolas. Nesse sentido, uma mais que necessária reflexão sobre os textos e livros produzidos por Ivani Fazenda, a mais importante pesquisadora sobre o tema em nosso país, é de fundamental importância...
Quanto aos valores, por mais que teimemos em continuar fazendo “vista grossa” relativamente aos mesmos, não há como negar que eles estão presentes em todas as disciplinas e em praticamente todas as atividades que se desenvolvem numa escola. Mais do que isso, os valores também são trabalhados indiretamente quando estamos no ambiente educacional...
No que tange as matérias escolares, por exemplo, temos que destacar que a prática investigativa, a disciplina para o estudo, a curiosidade científica ou mesmo o hábito da leitura ou da escrita somente podem ser repassados para os estudantes a partir do exemplo dado pelo professor e da organização das aulas para que tais práticas e realizações nelas estejam inseridas.
Estender as mãos, preocupar-se com o próximo, zelar pelo planeta em que vivemos, agir dentro de princípios de solidariedade ou lutar pelos direitos humanos são ações derivadas do ensino de valores que também compete a escola.
Aulas em que há apenas a preocupação de reproduzir os saberes de uma área do conhecimento como a geografia ou a química não ensejam o aluno a afeiçoar-se ou a desejar aprender. E aqui não nos referimos apenas a um trabalho de ordem prática, previamente estipulado em suas bases pelos professores, como parte de um currículo e de um planejamento (também isso), mas principalmente a consciência de que essas atitudes e realizações devem se tornar valores.
E para que isso aconteça professores, diretores, coordenadores e orientadores devem acreditar que esse trabalho não apenas permeia os conteúdos, mas que a questão dos valores estabelece as bases para que o aprendizado aconteça e, principalmente, para que a formação integral do aluno se concretize.
Quando afirmei que até indiretamente se trabalham valores em sala de aula ou em qualquer ambiente de uma escola o que queria dizer era que a postura dos educadores, seu comprometimento com a área de trabalho que escolheram, a forma como esses profissionais se vestem, o modo como se comunicam, seus hábitos ou sua organização pessoal são também indicativos preciosos dos valores que consideram importantes para suas vidas e, por analogia, também para a de todas as outras pessoas...
Algumas vezes essa influência dos valores pessoais de um determinado professor sobre seus alunos fica mais evidente e nos permite compreender com mais clareza o quanto esse trabalho deve nos preocupar. Conheço casos de profissionais que tinham envolvimento com causas sociais ou ambientais e que, direta ou indiretamente, em suas aulas, acabavam demonstrando o quanto essa sua atuação em ONGs aumentava o seu conhecimento, ajudava a melhorar o mundo ao seu redor e, consequentemente, os fazia se sentir muito melhor como pessoas.
Há, também, os contra-exemplos. Casos exemplares são aqueles de professores desleixados com seus materiais, desmazelados em seu figurino, despreocupados com a sua saúde (o que se revela, por exemplo, em sua alimentação) ou ainda desinteressados em estudar mais e aperfeiçoar-se profissionalmente. Estudantes atentos (ou nem tanto) percebem claramente todo esse descaso pessoal e profissional e passam mesmo a utilizar tal professor como referência para justificar o seu próprio desinteresse pessoal com a escola ou outras instâncias de suas vidas.
O que se deseja ao abordar tal temática é que ela não seja marginalizada como tem sido no tocante aos planos de trabalho e projetos educacionais. Mais do que isso, que se torne parte integrante das discussões e reuniões do corpo docente e que leve as escolas a organizar-se para que o ensino de valores aconteça como parte integrante do currículo escolar (não como mais uma disciplina escolar, mas como uma parte do trabalho realizado em cada uma das matérias) e também das ações dos educadores que estão em constante contato com os alunos, que dessa forma teriam que ser muito mais conscientes...
Para que isso aconteça é importante que as escolas estudem a questão com maior profundidade e que organizem seus professores para que, conjuntamente, possa ser criado um plano geral, de orientação para todos os membros do corpo docente, quanto aos valores prezados por todos ali presentes. Sendo assim, fica a proposta para que isso seja logo estudado e colocado em prática...