Cinema na Educação
Entreatos
Como o operário virou presidente...
Documento histórico de grandiosa importância, “Entreatos”, do diretor João Moreira Salles, nos ajuda a entender os motivos das duas vitórias eleitorais de Lula contra seus opositores tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin, nos pleitos de 2002 e 2006. Ao apresentar os bastidores da primeira campanha vitoriosa do candidato petista a presidência do Brasil, Salles nos coloca ao lado de Lula e nos permite perceber a aura que se estabeleceu em relação ao ex-líder sindical que de forma impressionante conseguiu superar todas as dificuldades de sua vida pobre, de migrante e operário até atingir o cargo máximo da república brasileira.
Seu carisma e conseqüente grande aceitação popular decorrem não apenas de uma trajetória de vida pessoal singular, mas também de uma personalidade marcada por lutas históricas de grande repercussão, de inegável apelo popular e de credibilidade inquestionável. Ao assumir o comando do maior sindicato de trabalhadores na rica e explosiva região do ABC paulista, durante a ditadura militar que a todos silenciava e que negava os direitos políticos essenciais a aqueles que ousavam levantar-se contra suas arbitrariedades, Lula ganhou um lugar de destaque na história nacional.
Mas como ele mesmo diz ao longo da intensa, desgastante e envolvente campanha eleitoral de 2002, não era apenas isso que ele e seus companheiros de partido desejavam e pensavam como sendo suficiente para mudar o país. Por esse motivo ocorre o surgimento do Partido dos Trabalhadores, em 1980, sob a liderança daquele jovem líder sindical originário de Garanhuns, no estado de Pernambuco.
Respaldado pelas demais lideranças sindicais, por intelectuais esquerdistas oriundos das principais universidades e academias nacionais, por estudantes ligados a UNE e também pela ala progressista da Igreja Católica (ligada a Teologia da Libertação), Lula criou um partido de bases operárias, de evidentes características socialistas, relacionado ao sonho libertário e igualitarista do marxismo. Muito consciente quanto a isso, durante o documentário de Salles, o atual presidente da república esclarece que se sabe representante de toda essa história, dos movimentos a ela associados, da esperança de milhões de pessoas simples que nele depositam o sonho da superação da pobreza e que, como conseqüência disso, tem um enorme respaldo que lhe garante a condição de liderança única em nosso país e também em nível mundial.
Lula deixa claro que também compreende que, por conta de todo o apoio popular que possui, passou a ter enormes responsabilidades e que será muito cobrado por isso. Mais do que isso, sabe que será ainda mais cobrado que qualquer outro presidente da história da nação.
O documentário é ainda rico por permitir aos espectadores notar que o sucesso de Lula também está diretamente relacionado às suas características pessoais e origens populares, que o aproximam dos eleitores a partir de um discurso de fácil compreensão, digerível por pessoas de todas as camadas sociais, faixas etárias, regiões e níveis de escolaridade. Ao apresentar suas idéias, Luís Inácio Lula da Silva usa palavras simples, fala olhando nos olhos de seus interlocutores, demonstra estar muito atualizado em relação à realidade do país, produz metáforas que agilizam a compreensão por aproximarem-se da realidade de quem está escutando e sempre evidencia sinceridade em suas colocações.
Ao emocionar-se nos comícios, abraçar as pessoas nas ruas, falar com a voz embargada, ter lágrimas nos olhos ao relembrar sua trajetória de vida e ainda referir-se ao seu partido ou aos companheiros de suas lutas políticas, Lula não está apenas fazendo jogo de cena, tentando criar manchetes ou encenando para que as redes nacionais de televisão vendam uma imagem sua que não condiz com a realidade. Sua autenticidade não é representação. O que se vê é o que realmente representa o cidadão humilde que acabou se tornando presidente do Brasil.
Enquanto Lula fala sobre sua vida, conta casos e histórias de seu cotidiano pessoal e político, esclarece seus posicionamentos políticos e ideológicos, participa da campanha de forma intensa (deslocando-se diariamente de um extremo a outro do país), encontra-se com lideranças dos mais diversos segmentos do país, as câmeras também nos colocam em contato com os membros da cúpula do Partido dos Trabalhadores e com os bastidores da campanha comandada pelo marketeiro do PT, Duda Mendonça.
Ao público que assiste o documentário “Entreatos” é dado o direito de perceber as negociações, os conchavos, os apoios, o discurso milimetricamente elaborado para atender as demandas dos públicos aos quais se destina, a gravação dos programas que irão ao ar na propaganda política gratuita e até mesmo todos os acertos e ajustes necessários antes, durante e depois dos debates televisivos com os demais candidatos.
Percebemos com o filme que as lideranças petistas vivem tão intensamente a questão política que não conseguem nem ao menos relaxar ou desligar-se momentaneamente do debate. Nesse sentido, Lula diferencia-se de seus pares, pois consegue alternar a política com a história, o futebol, as aspirações pessoais, a família,...
José Dirceu, Aloísio Mercadante, Marco Aurélio Cunha, Luís Gushiken, Marta Suplicy ou Antônio Palocci são casos exemplares de personagens desse cenário político marcadamente tenso, que não permite relaxamento e que vislumbra os adversários políticos como oponentes a serem não apenas derrubados e vencidos no momento da luta, mas a todo instante. Falta à cúpula petista a humanidade que Lula consegue fazer transparecer a todo o momento, seja no encontro com as massas, no contato íntimo com a família, no tratamento que dispensa aos partidários políticos ou mesmo no respeito que demonstra por seus adversários políticos.
Isso também nos auxilia a compreender os motivos que levaram quase todas essas lideranças a cair ao longo do caminho entre o primeiro e o segundo mandatos de Lula, vitimados por denúncias, descaminhos, erros e, principalmente, por sua empáfia e orgulho incontidos...
“Entreatos” é filme que deve ser assistido com o máximo de atenção várias vezes. Deve se tornar material a ser pesquisado e estudado por especialistas e também nas escolas de todo o Brasil. O propósito não deve ser o de enaltecer ou endeusar Lula, condenar dirigentes políticos de seu partido, sepultar o PT ou apenas de contar a história daquele pleito eleitoral. O filme deve ensejar debates que nos permitam compreender e participar mais ativamente da política nacional com o objetivo de exigir mais ética, dignidade, respeito e, evidentemente, atitudes lícitas que melhorem a qualidade de vida de nosso país e de todas as pessoas que aqui vivem.
“Entreatos” é obrigatório e imperdível! Assista já!
Para Refletir
1 - Para entender o fenômeno Lula é preciso analisar a história de vida desse importante personagem da história brasileira. Uma viagem no tempo rumo à infância pobre, a trajetória profissional do torneiro mecânico, a sua ascensão à liderança do sindicato dos metalúrgicos no ABC paulista, as perseguições do governo militar aos sindicalistas, a fundação do PT e as campanhas eleitorais da vida de Lula (principalmente aos momentos em que ele foi derrotado) são elementos essenciais para um exame mais claro e minucioso de seu sucesso político atual. Nesse sentido seria interessante a proposição de produção de projetos diferenciados como linhas do tempo, textos biográficos, artigos para jornais ou revistas escolares, gravação de áudios ou filmes (e para tanto a produção de roteiros),...
2 - Outro projeto interessante seria relacionar o filme “Entreatos” aos livros escritos sobre a administração de Lula em seu primeiro mandato. Há aproximadamente 50 títulos disponíveis no mercado que abordam diferentes aspectos da história do governo Lula ou de sua trajetória de vida. Poderíamos destacar obras como “Por dentro do governo Lula”, da analista política Lúcia Hippólito, e “Do golpe ao Planalto”, de Ricardo Kotscho.
3 - Além do filme de João Moreira Salles, também foi disponibilizada uma outra produção de grande interesse sobre o assunto, trata-se de “Peões”, do diretor Eduardo Coutinho. A abordagem é diferente pois o enfoque é relacionado à trajetória sindical de Lula e as greves no ABC paulista nos anos de 1979 e 1980. No entanto, a visão dos companheiros de luta sindical sobre Lula é de grande interesse para uma melhor análise da trajetória do operário que se tornou presidente.
4 - O debate político nacional depende de uma clara compreensão do que representam os candidatos, os partidos, seus programas, suas ideologias e suas histórias. Se carecemos de mais ética, transparência e participação popular isso acontece porque estamos omitindo nossas opiniões quanto as questões nacionais mais relevantes da saúde, da educação, da economia, do saneamento,... Temos que entender a história para poder participar da política. Temos que participar da política para almejar um país mais justo, digno e decente para todos. Precisamos de mais engajamento e politização e esse trabalho começa nas escolas... É nosso dever enquanto professores e cidadãos fomentar o debate e a busca por ética e justiça social.
Ficha Técnica
Entreatos
País/Ano de produção: Brasil, 2004
Duração/Gênero: 117 min., Documentário
Direção de João Moreira Salles
Edição de Felipe Lacerda
Elenco: Luís Inácio Lula da Silva, Marisa Lula da Silva, Duda Mendonça, José Alencar, José Dirceu, Aloísio Mercadante, Luís Gushiken, Antônio Palloci.
Links
http://www.adorocinema.com/filmes/entreatos/entreatos.asp
http://cineclick.uol.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=8900
http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=9939