Planeta Educação

Carpe Diem

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Para que reinventar a vida?
Não quero ser virtual...

HOBBY

Criar um ser artificial tem sido o sonho da humanidade desde o nascimento da ciência. Não apenas o começo da época moderna, quando nossos ancestrais surpreenderam o mundo com as primeiras máquinas pensantes: monstros primitivos que podiam jogar xadrez. Como chegamos longe. O ser artificial é uma realidade de simulacro perfeito, com membros articulados, fala articulada, e sem deixar de responder como seres humanos...

SHEILA
Ahhh!!

HOBBY
... e até mesmo respondem por memória como se tivessem dor. Como isso a fez sentir-se? Nervosa? Chocada?

SHEILA
Eu não entendo.

HOBBY
O que eu fiz para os seus sentimentos?

SHEILA
Você fez para a minha mão.

HOBBY
Vejam. Aí está o problema. Não há direcionamento. Na Cybertronics de New Jersey, o ser artificial atingiu sua forma mais aperfeiçoada. Os Mecas são adotados universalmente, base para centenas de modelos, servindo a humanidade na correria e na multiplicidade de seus compromissos diários. Isso é um grande avanço. Mas nós não temos razões para nos congratularmos. Nós estamos, certamente, orgulhosos do que fizemos, mas aonde isso nos leva? Sheila, abra.

Um brinquedo sensorial, com circuitos inteligentes de comportamento, usando seqüências tecnológicas de neurônios tão velhas quanto eu. Eu acredito que o meu trabalho no mapeamento de padrões em um único neurônio podem nos ajudar a construir um Meca de diferenciada qualidade. Eu proponho que nós elaboremos um robô que pode amar...

(Trecho do roteiro original do filme “A.I. – Inteligência Artificial”, dirigido por Steven Spielberg e escrito por Ian Watson e Brian Aldiss).

A ficção científica tem tentado nos alertar desde o final do século XIX e, principalmente, a partir da produção de seus grandes autores do século XX, quanto aos limites da ciência e da tecnologia. Limites que pensamos hoje, envolvidos por um turbilhão de descobertas que a cada novo dia transformam mais e mais nossas existências, não existirem.

E estamos tão envolvidos com os avanços da ciência e o surgimento de equipamentos e máquinas tão fabulosos que nos esquecemos de viver. Na verdade estamos tentando reinventar a vida a partir das próteses eletrônicas, mecânicas, biotecnológicas e virtuais e deixando de lado a existência que realmente importa, aquela do mundo real, físico, composto a partir de nossas ações, idéias, realizações, práticas e relações...

Ao resgatar o trecho inicial do roteiro do filme “A.I. – Inteligência Artificial”, dirigido por Steven Spielberg, o que nos chama atenção é que o que ali se propõe é o surgimento não apenas de uma nova forma de produção de conhecimento a partir de uma mente artificialmente composta, mas sobretudo a pretensão de legar a esses mecanismos a compreensão e a possibilidade de vivenciar os sentimentos...

Isso já havia sido trabalhado com relativa maestria em “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, de Ridley Scott. A implantação de memórias íntimas, que realçam os laços afetivos entre pais e filhos, irmãos, amigos, amantes ou mesmo inimigos seriam passíveis de aplicação em HDs computadorizadas e dariam aos replicantes (ou andróides, como mais comumente os chamamos) a possibilidade de humanização.

A transposição de características genéticas, a partir da pesquisa aprofundada do DNA humano, também seria utilizada para a composição de recursos eletrônicos que reproduziriam entre os mecas, replicantes, andróides ou robôs a reprodução do amor, do ódio, da paixão, da amizade sincera, da indiferença, da dor, do choro,...

O problema é que além de estarmos brincando de Deuses nessa inglória jornada pela criação da inteligência artificial também temos uma contrapartida que já se faz presente de forma assustadora no mundo em que vivemos... Ao mesmo tempo em que tentamos criar essa vida (e que nos esquecemos das que realmente temos) estamos presenciando a tentativa do homem de se tornar virtual em tempo integral... É, é isso mesmo. Há pessoas que estão assumindo outras vidas e gastando mais tempo com elas através da Web do que gastam com o pouco tempo que dispõe para experimentar o mundo real. Já ouvi pessoas afirmarem que não há mais qualquer distinção entre o real e o virtual... E não eram pessoas desinformadas, pelo contrário, eram estudiosos desse fenômeno tecnológico que estamos vivendo...

Não dá para amar pela Internet, fazer amigos sem compartilhar a presença, conhecer lugares apenas pela tela do computador, aprender a cozinhar sem estar numa cozinha e manipular os alimentos, perceber odores e cores sem vislumbrar os padrões do mundo natural, sentir dor ou felicidade sem que a presença de outros seres humanos compartilhe isso conosco,... Não quero ser virtual. Sou real. De carne e osso. Meus sentimentos derivam da minha existência em um país, um estado, uma cidade. Minhas relações pessoais e profissionais se constituíram a partir de intercâmbios com pessoas que, como eu, têm um coração batendo de forma ritmada em seus peitos... Ciência e tecnologia são ferramentas apenas. Não as torne a sua razão de viver. O que realmente faz a vida valer a pena é o sol que está brilhando lá fora, o vento que nos alisa o rosto sem que o vejamos, o abraço apertado da pessoa amada, um delicioso prato de comida preparado por sua mãe,... Para que reinventar a vida?

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