Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

 

Construir casas acessíveis
Gabriela Lota

Ao tornar as habitações de interesse social mais acessíveis para garantir os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência, a Prefeitura melhora a qualidade de vida de todos.

As dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência agravam-se com a ausência de políticas públicas que diminuam os obstáculos.

A legislação brasileira contempla em geral a acessibilidade no espaço público, mas não define normas para o interior das habitações, ainda que tenham sido construídas sob responsabilidade do poder público, como é o caso das habitações de interesse social.

Assim, a arquitetura interna às residências, como a presença de portas estreitas ou escadas, não oferece a estas pessoas autonomia para sair de casa ou mesmo, dentro de casa, realizar ações simples como lavar mãos, tomar banho, transferir-se de um cômodo a outro.

Como os programas habitacionais públicos significam, em geral, produção em massa de habitações padronizadas para permitir economia de escala, as famílias com pessoas com deficiência precisam investir recursos para garantir um mínimo de adaptações que viabilizem a ocupação destas moradias.

Muitas vezes, as pessoas nem sabem quais adaptações podem ser feitas. Estas habitações, portanto, além de não garantirem os direitos, a autonomia e a dignidade das pessoas com deficiência, também sobrecarregam seus familiares.

Por outro lado, diversos estudos vêm apontando para o fato de que o custo da unidade habitacional eleva-se muito pouco se, já na elaboração do projeto, forem incorporados elementos de desenho universal, ou seja, que permitam conceber as habitações de tal forma que possam ser utilizadas por todas as pessoas, o maior tempo possível, sem a necessidade de adaptação, beneficiando pessoas de todas as idades e capacidades.

As casas construídas nesta lógica de acessibilidade aumentam a qualidade de vida também da população idosa, por exemplo.

Uma opção bem mais restrita, mas que permite iniciar a discussão em torno da acessibilidade nas habitações de interesse social, é construir parte das habitações com as adaptações necessárias, localizando-as em pontos com mais afluência como andares térreos em prédios ou próximo às vias de circulação, no caso de conjuntos habitacionais.

Esta foi a alternativa encontrada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre-RS ao desenvolver o programa Unidade Habitacional Acessível a Pessoas Portadoras de Deficiência em Loteamentos de Habitação de Interesse Social.

O objetivo era estabelecer uma política habitacional inclusiva do ponto de vista socioeconômico e que contemplasse as famílias com pessoas com deficiência.

HISTÓRICO

O programa, coordenado pelo Departamento Municipal de Habitação, surgiu em 2001 a partir de um seminário sobre acessibilidade plena, promovido pela Comissão Permanente de Acessibilidade, criada pela prefeitura de Porto Alegre, reunindo representantes da administração municipal, de entidades representativas das pessoas com deficiência, arquitetos e engenheiros.

A partir do seminário, técnicos da DEMHAB começaram a pensar alternativas de como incorporar critérios de acessibilidade plena nos projetos desenvolvidos. Um primeiro passo foi conhecer as orientações já existentes.

O principal apoio técnico para o projeto de construção das Unidades Habitacionais que fosse compatível com a mobilidade de uma cadeira de rodas foi a Norma número 9050 da ABNT, “Acessibilidade de Pessoas com Deficiência a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamento Urbano”.

Além disso, a Comissão Permanente de Acessibilidade foi consultada ao longo da elaboração do projeto.

Os diversos estudos e discussões levaram a uma alternativa para a implantação de casas com acessibilidade no Programa Integrado Entrada da Cidade (PIEC), iniciativa do governo municipal que incorpora diversas políticas de reassentamento, inclusão social e geração de renda, assumindo também a construção de unidades habitacionais paralelamente a estas políticas.

Para saber quantas famílias necessitariam de unidades adaptadas, a prefeitura contou com a ajuda de técnicos do PIEC, que passaram a marcar informalmente nas fichas cadastrais as residências em que havia pessoas com deficiência.

Conhecendo a demanda, foram elaborados os projetos habitacionais.

CARACTERÍSTICAS DAS HABITAÇÕES

As moradias têm 49,50 metros quadrados, 10% maiores que as demais, com uma sala, dois dormitórios, cozinha, sanitário e lavanderia.
Os acessos à unidade são feitos por rampa com corrimão e as unidades ficaram em locais com mais acessibilidade.

As casas adaptadas estão perto de avenidas e linhas de ônibus também adaptados para pessoas com deficiência. Além disso, há rampas junto ao meio fio das calçadas próximas e vagas para estacionamento exclusivas para pessoas com deficiência.
Internamente, as dimensões dos cômodos são compatíveis com o giro de uma cadeira de rodas e o piso cerâmico permite deslocamento mais fácil.

As torneiras são de alavanca, permitindo que mesmo uma pessoa com limitações nas mãos possa operá-las.

As pias não têm colunas nem gabinete na parte inferior. O vaso sanitário está sobre uma base de concreto para torná-lo mais alto e cômodo para uma pessoa que não tem mobilidade nos membros inferiores.

Todas as portas têm 80 centímetros de largura para dar acesso à cadeira de rodas e as maçanetas e interruptores são instalados na altura adequada para o alcance de uma pessoa sentada.

Nas portas e ao lado de todos os equipamentos há barras de apoio para permitir que a própria pessoa com deficiência acesse qualquer coisa de que necessite. O local do chuveiro, com banco metálico engastado na alvenaria e torneira baixa, permite plena autonomia para o banho do usuário.

O projeto previa janelas de correr, mas a construtora instalou janelas tipo guilhotina, que foram adaptadas com um sistema de cordinhas e roldanas, de modo a facilitar a abertura e fechamento por uma pessoa com deficiência.

RECURSOS

Essas alterações nas especificações do projeto padrão da unidade habitacional resultaram em um acréscimo no custo da unidade de cerca de 20% em relação à construção de uma unidade comum.

A casa comum tem 45 metros quadrados e as unidades que buscam se adaptar ao desenho universal têm 10% a mais de área construída.

No entanto, as famílias que ocupam as unidades adaptadas pagam a mesma prestação que as outras famílias, residentes em casas de tipo padrão.

O município pode buscar recursos no Fundo Nacional para Habitação de Interesse Social, contanto que se constitua um Conselho Municipal de Habitação e se elabore um Plano Municipal de Habitação de Interesse Social. Neste plano, que deve especificar as diretrizes a serem adotadas, deve-se contemplar a questão das pessoas com deficiência, bem como de idosos e mulheres.

DIFICULDADES

Uma das maiores dificuldades enfrentadas em Porto Alegre foi convencer a equipe técnica da necessidade de adaptar algumas habitações, uma vez que o critério anterior baseava-se apenas no ganho de escala. Para tanto, foram realizadas diversas reuniões para sensibilizar a equipe da importância e da grandeza da questão.

Além disso, é preciso que a equipe que faz os levantamentos e diagnósticos tenha sensibilidade e informações para compreender e sistematizar as diferentes necessidades e direitos das famílias que têm pessoas com deficiência.

Para que esta sensibilização se efetive e haja um bom diagnóstico do município, é fundamental envolver as organizações de pessoas com deficiência, além de promover um trabalho conjunto entre a secretaria responsável pela construção das habitações de interesse social e as outras secretarias.

A diferenciação de algumas unidades habitacionais, embora as torne mais confortáveis para todos, pode estigmatizá-las, inclusive desvalorizando o imóvel.

Considerando que o número de famílias com pessoas com deficiência cresce, em decorrência da pobreza e da violência, e que todos envelhecem, o melhor caminho é garantir que todos os projetos da prefeitura considerem o desenho universal para todos os cidadãos, no maior número possível de espaços.

PARCERIAS

O lema mais recente do movimento internacional das pessoas com deficiência é "Nada sobre nós sem nós".

É fundamental, portanto, que a prefeitura busque comitês de acessibilidade e organizações de pessoas com deficiência como seus principais interlocutores, como ocorreu em Porto Alegre.

Os Conselhos Estaduais e Municipais de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência em todos os municípios e regiões do País, devem ser os principais interlocutores. Em muitas cidades, embora não haja Conselhos, há grupos de CVI - Centro de Vida Independente, que também são muito atuantes.

Os conjuntos habitacionais construídos pelo poder público em parceria com os movimentos sociais têm avançado na implementação de projetos que considerem as necessidades de famílias que têm pessoas com deficiência. Quanto mais se incentivar a autogestão, mais as famílias que ocuparão as residências poderão pleitear, já nos projetos, o atendimento às suas inúmeras necessidades, respeitando a diversidade presente em todos os grupos humanos.

RESULTADOS

Em Porto Alegre foram construídas mais de 61 residências adaptadas, facilitando a vida para as famílias que têm pessoas com deficiência e residem em habitações de interesse social.

Diversos estudos demonstram que há uma estreita correlação entre pobreza e deficiência.

As pessoas com deficiência demandam maior volume de recursos para sua manutenção. Na medida em que estas famílias não precisam pagar a mais por ocuparem moradias adaptadas, nem precisam investir tempo e recursos para adaptar a moradia, a prefeitura busca garantir o princípio da equiparação de oportunidades.

Avançar na elaboração dos projetos de habitação de interesse social, buscando garantir que todas as casas sejam construídas seguindo o chamado desenho universal, permitirá residências melhores para todos, não só para as pessoas com deficiência.

Considerando que há um aumento na perspectiva de vida da população brasileira e que os idosos também têm limitação motora crescente, se a prefeitura investir na construção de casas de acordo com o desenho universal, permitirá que as famílias não precisem se mudar na medida em que seus membros envelhecerem. Famílias com crianças também estarão mais confortavelmente instaladas nesta nova concepção de projeto.

NORMA BRASILEIRA DE ACESSIBILIDADE

Mais do que adaptar algumas casas ou incluir algumas modificações no espaço público, a prefeitura pode avançar na instauração de normas que, ao tornarem a cidade acessível para as pessoas com deficiência, idosos, gestantes e obesos, melhorarão a vida de todos. É o chamado desenho universal.

A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas – apresenta várias especificações para melhorar a acessibilidade, as quais foram elaboradas por comitê que reúne pessoas com deficiência, arquitetos, engenheiros, urbanistas, que atuam voluntariamente.

As decisões são tomadas por consenso. A Norma número 9050, que trata especificamente de acessibilidade, “Acessibilidade de Pessoas com Deficiência a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamento Urbano”, foi elaborada em 1994 e atualizada em 2004, buscando aplicações do desenho universal.

Depois de elaborado o projeto, ele foi submetido a uma verificação quanto ao cumprimento de normas internacionais já existentes que, embora não sejam obrigatórias, são uma referência importante para que a sociedade estabeleça e cobre os requisitos mínimos de acordo com critérios técnicos. Pode-se incluir, por exemplo, algumas especificações destas normas em legislações federais, estaduais e municipais, onde os códigos de obras e posturas exigem seu cumprimento, tornando a cidade mais acessível.

Para mais informações, pode-se acessar o sítio da Rede SACI: www.saci.org.br.

Artigo publicado no Boletim Dicas número 232 – Idéias para a Ação Municipal – Instituto Pólis.

Boletim Dicas - Voltado para dirigentes municipais: prefeitos, secretários, vereadores e lideranças sociais.

Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.

Instituto Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais é uma Organização-Não-Governamental de atuação nacional, constituída como associação civil sem fins lucrativos, apartidária, pluralista e reconhecida como entidade de utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal.

Fundado em 1987, a cidade e a atuação no campo das políticas públicas e do desenvolvimento local definem a sua identidade.

A cidadania, como conquista democrática, é o eixo articulador de sua intervenção dirigida à construção de cidades justas, sustentáveis e democráticas.

www.polis.org.br

Autoras: Veronika Paulics e Gabriela Lotta, a partir de relatório de visita de campo de Guilherme Henrique de Paula e Silva, realizada no âmbito do Programa Gestão Pública e Cidadania.

Consultora: Marta Gil.
Revisor: Renato Fabriga.

Veronika Paulics - Coordenadora do Boletim DICAS - Idéias para ação municipal e do Projeto Disseminação de Inovações em Gestão Local. Formada em Comunicação Social – Jornalismo pela ECA-USP e Mestre em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP.

Áreas de atuação: sistematização de experiências de gestão local, disseminação de experiências inovadoras, inovação em políticas públicas, avaliação de políticas públicas.

Gabriela Lotta - Administradora Pública e Mestre em Administração Pública e Governo pela EAESP/FGV. Integra a Equipe Técnica do Instituto Polis nos trabalhos da Rede Logolink.

Membro do Comitê de Seleção do Programa Gestão Pública e Cidadania pela FGV e Fundação Ford.

Co-organizadora do livro "20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania - Ciclo de Premiação 2002", Programa Gestão Pública e Cidadania, 2002 e autora do caderno Gestão Pública "Estudo da continuidade dos projetos educacionais do município de Icapuí" - Programa Gestão Pública e Cidadania, 2003.

Elaborou pesquisas em diversas áreas municipais: recursos humanos, teoria institucional, educação, participação popular, redes e capital social, focando a iniciação científica na área de cooperação intermunicipal e o mestrado na discussão de saberes locais.

Também atua em alguns projetos nas áreas de Políticas Públicas de Cultura e é docente de cursos focados em gestão pública.

Áreas de atuação: desenvolvimento local, avaliação e disseminação de experiências, políticas públicas de cultura, saberes locais e territorialização de políticas.

Avaliação deste Artigo: 5 estrelas