A Semana - Opiniões
O Capitalismo “Social”
O Banqueiro que ganhou o Nobel da Paz
Muhammad Yunus
É pouco provável que você já tenha ouvido falar de Muhammad Yunus. Nem mesmo sua lucrativa instituição financeira, o Grameen Bank. Yunus e seu Grameen Bank foram agraciados nesse ano de 2006 com o Nobel da Paz. Fato muito inusitado por se tratar de um banqueiro. Normalmente associamos os donos das grandes empresas do ramo financeiro a um grande apetite por lucros cada vez maiores, principalmente a partir da cobrança de taxas e mais taxas sobre os serviços prestados à comunidade que atende. Essa é, em grande parte, a realidade a qual estamos habituados a partir de nosso país. Realidade esta que não é tão diferente daquela que se observa em praticamente todos os continentes e países, principalmente em Bangladesh, terra de Muhammad Yunus...
Mas Yunus, diferentemente dos demais banqueiros do planeta, vislumbrou horizontes diferentes para seus negócios. Não pretendia, é claro, arruinar-se fazendo caridade às custas de seu erário particular. Também não tinha a intenção de vilipendiar, atacar e destruir o sistema capitalista. Tinha, no entanto, a clara noção do que significa a pobreza.
Bangladesh, seu país de origem, que ainda vive grandes dilemas sócio-econômicos, em quea renda per capita anual é de míseros 250 dólares, é um dos maiores aglomerados humanos da Terra, e carrega um histórico de enormes dificuldades materiais para seus cidadãos. A fome é um flagelo que ainda cerceia as possibilidades e mata milhares de seus habitantes todos os anos.
Com a onipresença da miséria muito próxima aos olhos de todos os habitantes locais, era de se esperar que surgissem idéias e projetos governamentais e/ou privados com a necessária disposição de alterar a triste sina de tantos milhares de indianos. Enquanto o governo local, com o apoio da ONU e de outras instituições internacionais, procura mobilizar-se tentando atrair investidores, melhorando a educação e a saúde ou lutando para fomentar empregos e infra-estrutura para que iniciativas do setor privado floresçam e gerem maior riqueza, Yunus e seu Grameen Bank resolveram olhar para os mais desfavorecidos, praticamente esquecidos e virtualmente ignorados até mesmo por seu próprio governo.
A pobreza e a fome são realidades fortes presentes em Bangladesh e
em muitos países asiáticos, africanos e latino-americanos.
E o que tem feito o Grameen Bank e o seu proprietário desde 1976? Criaram linhas de crédito que atendem preferencialmente essa população excluída. Através desse instrumento passaram a emprestar dinheiro para pessoas que nem mesmo poderiam entrar pela porta de frente de inúmeras outras instituições financeiras a fim de pleitear qualquer crédito, por menores que fossem suas pretensões. Cidadãos de Bangladesh que não têm nem ao menos como lhes dar contrapartidas, como garantias, pelos empréstimos que lhes foram concedidos pelo Grameen...
Algumas pessoas no Brasil logo se apressaram no sentido de comparar a iniciativa pioneira de Yunus com o que por aqui fazem os chamados “Bancos do Povo”. Empreendimentos de caráter eminentemente governamental, criados a partir da ação de administrações estaduais e do próprio governo federal. Nisso, por si só, já percebemos uma distinção notável, o estímulo no Brasil é originário de órgãos públicos enquanto em Bangladesh, o Grameen Bank é uma organização de capital privado.
Não bastasse isso, as ações empreendidas pelos Bancos do Povo no Brasil são bastante recentes. Em Bangladesh esses procedimentos adotados pelo Grameen Bank iniciaram-se ainda na segunda metade da década de 1970. Isto mesmo, trinta anos atrás. Naquela época ainda estávamos pelejando com a ditadura militar, com os ciclos inflacionários que destruíam o poder de compra dos brasileiros e estávamos prestes a ingressar num dos piores momentos da história econômica nacional, com a estagnação vivida ao longo dos anos 1980.
Outro aspecto diferenciado é que a ação de Yunus tinha como objetivo ativar a economia e dar chances reais de melhoria de vida para as pessoas mais pobres e desfavorecidas do entorno bangladeshiano. O crédito concedido era de pequena monta para os padrões assumidos pelas grandes instituições bancárias do planeta. Os juros cobrados sempre muito abaixo das tabelas que norteiam o apetite insaciável dos grupos financeiros mais ricos e poderosos do mundo (inclusive do Brasil). Almejava-se ganhar algum dinheiro com essa forma de financiamento dada aos mais pobres?
A concessão de microcrédito cria possibilidades reais de superação
de pobreza como atesta a experiência desenvolvida pelo
Grameen Bank e liderada por Mohammad Yunus.
Como toda instituição financeira respeitável e de assumidas convicções capitalistas, inserida num contexto selvagem e de competição acirradíssima, a resposta só pode ser afirmativa. É claro que os executivos e acionistas do Grameen queriam ganhar dinheiro. E que mal há nisso? Yunus financiou ações populares através de seus empréstimos a essa população tão carente sabendo que iria ganhar algum dinheiro com isso.
Entretanto, diferenciando-se dos capitalistas mais convencionais, emburrecidos por sua sagrada busca pelo “Graal” do sistema, o lucro exorbitante, Yunus queria também combater a pobreza e permitir que as parcelas da população de Bangladesh atendidas por seu banco pudessem realmente superar as mazelas e dores próprias da fome, das doenças, da miséria e da exclusão.
Ao dar-lhes microcrédito, o Grameen Bank queria estimular a criação de microscópicas redes de crescimento econômico que auxiliassem pessoas e famílias, bairros e vilas. O pouco dinheiro que chegasse às mãos de artesãos, pequenos comerciantes, arrendatários de terras, prestadores de serviços ou donos de micro- propriedades poderia auxiliá-los a comprar matéria-prima, estabelecer as bases operacionais mais imediatas e lançar-se nos mercados locais. Não existia a intenção de criar um assistencialismo ao qual ficassem para sempre atrelados e dependentes. A intenção era fazer deles pequenos dínamos a movimentar a economia nos arredores de suas vidas e trabalhos...
Yunus procurou pensar nos detalhes para lançar seu projeto. Por isso mesmo resolveu que os empréstimos seriam concedidos quase que exclusivamente às mulheres (elas respondem por 98% dos créditos concedidos pelo Grameen Bank). Apesar das restrições religiosas e embaraços pelos quais ainda passam as mulheres na maioria dos países, inclusive em Bangladesh, o banqueiro estava informado da maior responsabilidade e comprometimento do sexo feminino com a família e com a sobrevivência daqueles que lhes são próximos.
As iniciativas individuais estimuladas pelos empréstimos de
Yunus criam
redes de crescimento sócio-econômico a nível local
que permitem
a superação da pobreza por parte de milhões de pessoas.
Para tornar ainda mais provável e bem-sucedida sua ação, Yunus pensou também em conceder os empréstimos a grupos de cinco mulheres, cabendo a cada uma delas, duas por vez, o direito e o acesso ao capital necessário ao seu empreendimento particular. Dessa forma, o que se pretendia criar era o comprometimento das que recebiam inicialmente em saldar os seus compromissos com o banco para que as outras, logo depois, também pudessem ter acesso ao dinheiro que precisavam. O resultado disso? O nível de inadimplência é baixíssimo (aproximadamente 3%) - bem menor do que o problema vivido pela maioria esmagadora dos bancos do resto do mundo...
O Banco de Yunus já concedera empréstimos a mais de 6 milhões e meio de pessoas até o mês de agosto de 2006. O montante repassado aos seus clientes através dessa linha de crédito já atingiu mais de 5,7 bilhões de dólares. Sua ação levou mais de 12 milhões de pessoas a ultrapassarem a linha de pobreza em seu país, Bangladesh. Para entendermos a representatividade do microcrédito no combate a pobreza e na inclusão sócio-econômica nesse país asiático, devemos ressaltar que a quantidade de pessoas beneficiadas equivale a mais de 10% da população do país.
Os economistas concordam que é pouco provável que o sonho de Yunus de erradicar a pobreza através do microcrédito, ao menos em seu próprio país, é improvável. Há, inclusive, aqueles que criticam a iniciativa, dizendo que ela não atinge aos mais pobres entre os pobres de Bangladesh. O que ninguém pode negar, mesmo os mais céticos críticos das ações do Grameen Bank e de seu mentor Yunus, é que os resultados obtidos são fabulosos e representam uma das maiores contribuições já dadas por alguém ou por alguma instituição às pessoas mais pobres e desfavorecidas de nosso planeta. Quem dera outras pessoas e organizações aprendessem com o exemplo que vem de Bangladesh... Certamente ficaria um pouco mais fácil vencer a desgraça social que abate tantas e tantas pessoas diariamente no mundo em que vivemos. Dá até para acreditar que surgiria um “capitalismo social”...
Obs.: Em tempo, o dinheiro do prêmio Nobel deve ser utilizado para novos projetos de Yunus e do Grameen no combate a pobreza em Bangladesh. Não poderia ser de outra maneira, não acham?