A Semana - Opiniões
Censura prévia
Por uma nova relação entre as crianças e a televisão
O que nossas crianças estão assistindo?
Ao conversar com crianças na faixa etária de meus filhos (9-10 anos) sempre me espanto ao saber da liberalidade dos pais em relação à televisão em suas casas. E isso não se restringe especificamente a crianças nessa idade, aplica-se também a menores abaixo dessa linha divisória e também àqueles que estão um pouco acima. Há casos e mais casos de infantes que assistem as novelas do período noturno, a programas que abordam a violência, a minisséries com altas doses de sexualidade ou a filmes não indicados para menores.
Por conta dessa constatação de campo com crianças do ensino fundamental, fiquei sabendo que há algumas delas que assistem a filmes de terror como “Jogos Mortais” e suas seqüências ou a programas televisivos como “Linha Direta”, violentos e agressivos até mesmo para adultos, o que dirá então para crianças, ainda em processo de formação?
Como conseqüência dessa liberalidade por parte de outros pais eu e minha esposa somos sempre questionados em nossa própria casa, por nossos filhos, sobre os motivos que nos levam a orientar a programação que eles devem assistir na televisão se entre os seus amigos há tão grande liberdade de escolha.
Vetamos novelas. Selecionamos os filmes sempre de olho na faixa etária a qual tal produção é indicada. Restringimos horários nos quais nossas crianças podem assistir televisão. Controlamos até mesmo a Internet para evitar que sites inapropriados possam ser visitados por nossos filhos. Não tenho receio nenhum em afirmar que fazemos censura prévia. Acreditamos, enquanto educadores e pais, que se não fizermos a filtragem daquilo que pode ou não ser visto por nossos filhos, estaremos expondo os mesmos a informações que ainda não são condizentes com sua formação, universo e perspectivas educacionais/morais.
Filmes violentos como “Jogos Mortais” não podem
ser assistidos por menores de idade!
Prezamos a solidez de valores que trabalhamos profissionalmente não apenas nas escolas ou empresas em que atuamos, pensamos que em nosso lar essa filosofia e forma de agir também têm que prevalecer. Seria incoerente de nossa parte preparar dentro desses princípios os nossos alunos e não aplicar tal pensamento dentro de nossa própria casa, com os nossos filhos, que tanto prezamos e por quem temos tão imenso carinho e amor.
Traduzo a experiência vivida em meu lar para esse editorial tendo em vista a grande preocupação que passei a ter ao me deparar com casos como os exemplos mencionados acima. Essa preocupação torna-se ainda maior se levarmos em consideração o conteúdo dos programas veiculados pela televisão aberta sem qualquer tipo de preocupação por parte das redes que os veiculam.
O que importa é somente a audiência. Se a desgraça do “mundo cão” garante pontos do Ibope, lá investirão as redes de televisão. Se a sexualidade a flor da pele atrai os espectadores, isso também se tornará um filão para a TV. Se os filmes violentos são garantia de anunciantes e verbas, eles constarão da programação. Isso não é regra somente válida entre as empresas do ramo estabelecidas no Brasil. Há inúmeros casos em outras nações. Assim como, evidentemente, existem países tentando regulamentar a ação das emissoras e delimitar sua ação ou orientar sua programação.
Aqui no Brasil existem projetos que têm como objetivo a criação de classificações indicativas em andamento para aplicação obrigatória a partir de dezembro desse ano de 2006. A responsabilidade pela elaboração de um manual que orienta essa classificação indicativa é do Ministério da Justiça e levará as emissoras a veicular símbolos informativos do conteúdo dos programas que estão sendo apresentados. Isso não está sendo bem aceito e digerido pelas principais redes de televisão de nosso país, sendo objeto de oposição pela maior delas, a TV Globo.
Folhetins noturnos exibidos em rede nacional por algumas emissoras
não são indicados para crianças ou mesmo adolescentes.
Independentemente disso, é sempre válido lembrar que mesmo com a criação desses instrumentos orientadores quanto ao conteúdo e teor dos programas, o controle real sobre o que assistem as crianças em suas casas cabe aos pais.
Sei, evidentemente, que a palavra censura tem sido alvo de cerceamento, policiamento e, ironicamente, de censura, em nosso país em virtude da história recente da nação. Os anos de chumbo da ditadura militar, que durante aproximadamente 20 anos procuraram silenciar as manifestações políticas, sociais e culturais dos brasileiros acenderam um impressionante movimento popular contra toda e qualquer censura.
A partir dessa dolorosa experiência vivida entre os anos 1960 e 1980, quando os opositores do regime foram silenciados nos porões e nem mesmo os jornais, as rádios e a televisão tinham autonomia para abertamente falar sobre as questões nacionais mais prementes, passamos a considerar ofensiva qualquer tentativa de orientação de nosso olhar, de nossos pensamentos ou das palavras que proferimos.
Nesse sentido traduzimos através de nossas ações, práticas e pensamentos, em todos os ambientes que freqüentamos, a censura como um ato intolerável sem que nos preocupemos realmente em saber se em todas as situações ela é realmente dispensável. Não estou propondo aqui que contrariemos o que dita nossa Constituição Federal, que nos outorga plenos direitos sobre a livre expressão de nossos pensamentos. Sou mais um de seus ardorosos defensores e, enquanto editorialista e articulista, estaria cerceando meus próprios instrumentos de atuação profissional se assim o fizesse.
Não queremos, desejamos ou defendemos qualquer retrocesso nessa área, apenas pensamos que a censura não configura uma ação que deva sempre ser refutada e renegada. Especialmente no que se refere às futuras gerações de nosso país, desorientadas pelo excesso de liberdade em que estão vivendo, sem as devidas orientações dos timoneiros que deveriam estar conduzindo suas embarcações pelos revoltosos mares do mundo em que vivemos.
Censura virou sinônimo da ditadura militar vivida entre os
anos
1960 e 1980 no Brasil.
Não devemos deixar que isso nos impeça de selecionar,
orientar e definir a programação que nossos filhos podem ou devem ver na televisão...
E os timoneiros são justamente os pais. Os professores podem também auxiliar e fomentar uma relação mais saudável entre as crianças e a televisão, mas não é da competência dos mesmos dar a devida assistência aos menores nesse quesito. Eles podem dar um valioso suporte ao sugerir programas, filmes e canais mais adequados a seus estudantes, no entanto não são os educadores que irão acompanhar o cotidiano dessa relação entre as crianças (e os adolescentes) e a televisão.
Só para exemplificar a gravidade da questão trago a tona uma seqüência de uma das novelas do horário nobre da televisão, apresentada há alguns dias, assistida certamente por um grande número de espectadores com menos de 14 anos, acerca de valores e como isso pode influenciar a formação dessas crianças e adolescentes.
Duas mulheres de meia idade, casadas, mães de filhos adolescentes/jovens, conversavam sobre assuntos relativos à trama em que estão envolvidas quando uma delas, desviando-se da tônica principal, comenta com a outra que já teve casos extra-conjugais e que seu marido também já havia “pulado a cerca” algumas vezes. Ao verificar o espanto da outra, reage com indignação a seu puritanismo e a incentiva a agir da mesma forma. Diz ela que isso é somente diversão e que, consequentemente, há por parte dela e do marido, uma tolerância quanto ao fato deles possuírem outras relações íntimas...
Que modelo de sociedade está sendo promovida a partir desse “exemplo” de comportamento? O que irá acontecer com as relações familiares tendo por base aconselhamentos como o que foi dado nessa novela? Isso não irá repercutir entre as crianças e adolescentes ainda em formação? Você concorda com esse pensamento e admite que seus filhos assistam programas que advogam tal prática?
Esse é apenas um exemplo. Há muitos que podem ser retirados de outros programas. É claro que também podemos destacar fatores positivos de alguns desses shows televisivos. Campanhas em favor da doação de sangue ou de órgãos, luta contra o preconceito ou, mais recentemente, histórias que têm como objetivo promover a inclusão de pessoas com necessidades especiais são temas importantes abordados por folhetins televisivos. Certamente essas campanhas constituem uma contribuição válida para que esses temas ganhem mais evidência e também para que debates sejam fomentados acerca do mesmo com ganhos para essas causas.
Mesmo assim não podemos deixar de salientar que aos pais compete a necessária supervisão e acompanhamento da programação de televisão de seus filhos para que abusos contra a formação dos mesmos não sejam cometidos. Não adianta dizer que não há tempo disponível para acompanhar os filhos mais de perto pelo excesso de trabalho e responsabilidades ou que a criança ou o adolescente tem condições de escolher com a necessária maturidade o que deve ou não assistir. Não advogue a responsabilidade que é sua a outras pessoas e oriente quem fica com seus filhos durante seu expediente de trabalho para que suas regras sejam respeitadas. E acima de tudo, não tenha receio de censurar quando achar necessário. Seus filhos lhe agradecerão no futuro por sua preocupação...