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Marion e o Grande Circo Onírico
O circo dos sonhos e os sonhos do circo...
Os últimos meses foram de grande agitação no mundo cultural brasileiro. Acostumados nos últimos anos a receber grandes espetáculos e renomados artistas, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, o país mostrou-se deveras entusiasmado em virtude da chegada daquele que é considerado atualmente como o maior circo do mundo, a companhia canadense Cirque de Soleil.
O circo, que andava tão desacreditado e desestimulado em nossa nação, de repente se viu revigorado. Projetos de escolas circenses ganharam destaque na mídia. Outros importantes grupos de renome internacional, como o Circo de Pequim, também programaram e realizaram excursões em terras brasileiras. Jornais destacaram essas visitas e a televisão, com o auxílio de um grande apoio promocional têm dado ao circo um destaque que há muitos e muitos anos não acontecia...
Espetáculos nacionais que visitam regularmente cidades do interior também viram o interesse das comunidades em que chegavam aumentar. Depois de um período de ocaso e, em muitos casos, de morte anunciada (que em muitos casos resultou em um real e definitivo fechamento das cortinas e desmonte do picadeiro), o público parece ter se dado conta do valor e da arte envolvidos numa produção circense.
Palhaços, malabaristas, mágicos, domadores de feras, equilibristas, atiradores de facas e tantos outros artistas ganharam novamente o público com seus feitos fantásticos. Há, definitivamente, uma magia no ar que está permitindo o ressurgimento dos circos. E tudo isso não se deve a um sentimento nostálgico por parte de adultos que tiveram o privilégio de freqüentar os espetáculos. A curiosidade maior é proveniente das crianças, sedentas por novidades, mesmo que tais inovações não sejam tão frescas assim...
Respire fundo com os equilibristas e malabaristas...
O sentimento que estamos vivendo hoje é parecido com aquele que nos é relatado no livro de Fabiano dos Santos e ilustrado rica e vivamente pelas mãos de Descartes Gadelha. Marion e o Grande Circo Onírico é uma obra que resgata a saudável relação que se estabelecia entre uma comunidade e o circo que a visitava.
A gostosa sensação surgia desde o momento em que pelas ruas do município circulavam os carros de som anunciando que num determinado terreno baldio ou local disponibilizado pela prefeitura estava sendo erguida a lona principal. Debaixo da lona e dentro da cabeça das crianças e adolescentes a leveza dos equilibristas, a destreza dos acrobatas e a valentia dos domadores mesclava-se com o riso alegre, solto e desprendido do contato com os palhaços ou com o encanto diante das mais maravilhosas ilusões criadas pelos mágicos de plantão...
Cada cidadezinha do interior do Brasil é como Pangolar, a vila perdida no mapa por onde um dia circulou o Grande Circo Onírico. O tempo passou, a estadia do circo, breve como todas as visitas agradáveis que temos, foi sendo esquecida a ponto de se tornar fantasia ou lenda para os mais novos. As imagens fantásticas e fantasiosas daquele encontro fabuloso estavam se tornando apenas histórias de pai para filhos quando, como num passe de mágica, a caravana do circo adentrou novamente as ruas daquela localidade...
Os mais velhos sentiram o coração pulsar, como se um velho amor de repente tivesse ressurgido diante de seus olhos. Para os mais novos, que não haviam ainda experimentado essa ardente paixão, todo o brilho do espetáculo já parecia seduzi-los e levá-los a crer que também acabariam se tornando amantes eternos daquela experiência única.
Cada artista e seu número são admirados por todos e particularmente mais por uns do que por outros. Os fã-clubes se estabelecem nutridos pela agilidade, arte, perícia e fantasia que despertam os shows pelos quais se apaixonaram. Há também o platônico romance com a perfeição distante dos artistas circenses, alimentada pela aura de seu destemor ou de seu desapego pelo mundo dos reles mortais, presos em suas vidas e endereços definitivos...
Dê gargalhadas com o show dos palhaços...
O circo, que um dia foi a escola maior dos artistas que vieram a brilhar nos palcos, no cinema e na televisão, revive hoje e reabre suas lonas para recepcionar um novo público. Pangolar é apenas uma metáfora que espelha o que temos no mundo real. O Grande Circo Onírico representa a necessidade dos sonhos, da fantasia e da utopia que o cotidiano nos nega a todo instante, fazendo-nos cair a todo o momento no compromisso com a dureza, a velocidade dos compromissos, o ritmo alucinado do capital que nos cerceia a vida...
Os personagens que despertam nossa grande atenção e curiosidade ao longo do texto agradável e bem escrito de Fabiano dos Santos se parecem com artistas da vida real. Distantes apenas alguns metros dos nossos olhos, mas presentes em nossa imaginação e nos sonhos que nutrimos durante o dia e também quando dormimos.
Queremos decifrar os mistérios que envolvem o desaparecimento da ajudante do mágico. Entender como conseguem se equilibrar tantos homens e mulheres naquela imensa pirâmide humana. Repetir o malabarismo com pratos ou bolas incontáveis sem que nenhuma peça se quebre. Andar em cima da corda sem que sintamos medo mesmo sem as redes de segurança...
Aprender as lições dos palhaços que nos fazem rir descontroladamente das piadas mais ingênuas e doces. Recuperar a ternura perdida ao longo do caminho por termos sido atropelados pela esperteza ou pela ambição. O apresentador do espetáculo em seu impecável terno de cores vivas quebra o silêncio e também a insensatez da neutralidade que nos sufoca em nossas roupas pretas, brancas ou cinzas...
Há um pouco de Pangolar em cada cidade que conheço. Existe saudade do circo em todas as pessoas que já tiveram a felicidade de vibrar com seus artistas e espetáculos. Abundam sonhos de liberdade em cada cabeça aprisionada pelo cotidiano emburrecedor que nos sufoca no dia-a-dia. O Grande Circo Onírico pintado com maestria por Descartes Gadelha a partir das letras de Fabiano dos Santos convida nossas crianças a partilhar da atmosfera inigualável dos ambientes circenses.
Tire o coelho da cartola com os mágicos...
Ao refletir sobre o vôo dos acrobatas e o equilíbrio das bailarinas, a história nos mostra que a habilidade e o treinamento dos artistas não vive sem que em suas próprias imaginações os mesmos se vejam como homens e mulheres que conseguem burlar as leis da gravidade. A confiança que carregam em si depois de tantos passeios pelo ar foi burilada aos poucos, às custas de horas e horas de ensaios e de tombos, muitos tombos...
Nesses treinos não havia orquestra a dar o tom. O público também não estava por lá para apupar e aplaudir. As dores nas mãos, braços, pernas, costas ou pés por vezes os faziam pensar em parar. Por isso mesmo sua criatividade os fazia pensar que os espectadores estavam ali e que a música soava em alto e bom som para todos bailarem juntamente com eles.
O circo é uma das mais tradicionais formas de entretenimento criados pela humanidade. Como os próprios criadores parece se esgotar em determinados momentos de sua existência e a morte se anuncia no horizonte como algo premente para depois de todo esse suspense, renovar-se a arte e ressurgir com maior força o espetáculo.
Ao trazer nesse bonito livro a história de Marion e o Grande Circo Onírico, a Cortez Editora ajuda a consolidar a recuperação desse bastião das artes e espetáculos num momento dos mais fortuitos. O destino do livro é permitir que as crianças, que andam sem imaginação, cegadas pela força dos jogos eletrônicos, da internet ou da televisão, possam vislumbrar um novo cenário.
A vontade que temos ao ler o livro é a de que um novo espetáculo circense se estabeleça em nossa cidade o mais brevemente possível. Queremos reviver os números que encantaram nossas infâncias e adolescências e, ao mesmo tempo, conceder as nossas crianças o direito de flutuar junto com os equilibristas, tirar o coelho da cartola como os mágicos, enfrentar leões e tigres com grande bravura como os domadores ou, simplesmente, rir sem parar com os palhaços...