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Aprender com as Diferenças

Alex Garcia Alex Garcia Pessoa Surdocega; Formação em Educação Especial com Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria-RS; Curso de Especialização em Educação Especial; Presidente da Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes - AGAPASM; Membro da World Federation of Deafblind - WFDB; Autor da obra Surdocegueira: empírica e científica; Vencedor II Prêmio Sentidos; Rotariano Honorário - Rotary Club de São Luiz Gonzaga-RS. Líder Internacional para o Emprego de Pessoas com Deficiência - Professional Program on International Leadership, Employment, and Disability (I-LEAD) graduado poela Mobility International USA / MIUSA; Ministrante de Palestras, Cursos, Seminários, Conferências sobre Surdocegueira e Múltideficiência em Congressos Nacionais e Internacionais; Publicação de Artigos sobre o Tema em Revistas Científicas, Jornais e Sites; Participação em Pesquisas na Universidade Federal de Santa Maria; Santa Maria-RS.

Surdocegueira / Aspectos Legais de Apoio à Surdocegueira
Alex Garcia

Surdocegueira: Conceitos e Classificações para a Ruptura Dogmática

A fim de se definir a Surdocegueira e consequentemente o Surdocego, foram muitos os argumentos tendo como parâmetros desde características etiológicas e técnicas até as funcionais e empíricas.

Não seria convincente de nossa parte estruturar neste trabalho várias definições, vários conceitos simplesmente pelo fato de citá-los.

É conveniente procedermos à análise daquela definição que também nós, como educadores e portadores de Surdocegueira, consideramos potencializadora de compreensão.

Desta forma, consideramos pertinentes, tanto do ponto de vista analítico quanto sintético, a definição adotada pela 1° Conferência Mundial Helen Keller.
Assim:

“Surdocegos são os indivíduos que tem uma perda substancial de audição e visão, de tal modo que a combinação das suas deficiências causa extrema dificuldade na conquista de habilidades educacionais, vocacionais, de lazer e social”. (Kinney, 1977, p. 21).

Através da análise desta definição, podemos identificar o quão significativo se propõem a palavra combinação neste tópico.

“Uma pessoa com perda substancial de visão pode, ainda assim, escutar e ouvir. Outra pessoa com substancial perda de audição pode, ainda assim, ver e observar. Mas uma pessoa com perdas substanciais em ambos os sentidos, experimenta uma gama de privacidade que pode causar extremas dificuldades”. (Kinney 1977, p. 22)

Logo após a argumentação conceitual de Surdocegueira, surge a necessidade de classificar a grande variedade de características que produzem um indivíduo Surdocego principalmente sobre a ótica funcional, ou seja, ótica mais comportamental do que técnica.

Dessa forma, a Surdocegueira pode ser classificada em dois grupos: Surdocegueira pré-simbólica e Surdocegueira pós-simbólica.

Na primeira, enquadram-se aqueles que são congenitamente Surdocegos ou aqueles que adquiriram a Surdocegueira antes da estruturação da linguagem1.

Apesar do pré-simbolismo ser característica fundamental nesta classificação, isso não significa que, ao nascer, um indivíduo Surdocego não apresente resíduos audiovisuais, mesmo que rudimentares.

Na segunda classificação, enquadra-se a Surdocegueira adquirida; Surdocegueira após a estruturação da linguagem; surdez congênita2 com posterior cegueira; cegueira congênita com posterior surdez em indivíduos que apresentam perdas substanciais de audição e visão. É enorme a variedade de pessoas abrangidas sob estas amplas classificações.

“Há relativamente poucas pessoas que são totalmente Surdacegas e, destas, somente uma pequena fração não possui audição e visão desde o nascimento”. (Waterhouse, 1977, p. 27).

1. Significado simbólico pelo qual organizamos pensamentos e os compartimos com outros.

2. Que está presente ao nascer.

Aspectos Legais de Apoio à Surdocegueira

Existem, atualmente, em nosso contexto legal mundial, várias leis e diretrizes que podem e são analisadas de forma coerente a fim de se estabelecer critérios que amparem a Surdocegueira em suas especificidade.
Entre estas leis e diretrizes podemos citar:

- A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
- A Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência de 1975.
- A Promulgação Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência de 2001.
- As Normas Uniformes das Nações Unidas para a Participação e Igualdade das Pessoas com Deficiência de 1993.

As Normas Uniformes são umas conjuntas de 22 disposições favoráveis que contemplam praticamente toda a vida de um Portador de Deficiência.

Foram aprovadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua 48º sessão, mediante Resolução 48/93 de 20 de dezembro de 1993. É importante destacar que todo país signatário das Nações Unidas deve respeitar e colocar em prática estas Normas.

Praticá-las significa melhorar a qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência. Em seus 22 artigos, contemplam-se todos os aspectos importantes da vida, como: família e integridade pessoal, seguridade social, educação, reabilitação, emprego, esporte e recreação.

As Normas Uniformes, por nortearem as necessidades dos portadores de deficiência com bastante profundidade e clareza, também são altamente consideradas pela cultura Surdacega no mundo.

Porém, nenhuma destas diretrizes legais assinaladas destaca tão precisamente a Surdocegueira e os Surdocegos quanto à Declaração de Salamanca de 1994, que destina seu artigo 21 às Políticas Educacionais de Surdos e de Surdocegos.

Já no contexto nacional legal, podemos destacar as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, aprovada em 3 de julho de 2001, pois em alguns de seus artigos estão explícitas diretrizes que amparam a questão da Surdocegueira.

Primeiramente, destacamos o Artigo. 8º, VIII, que destaca a flexibilidade temporal do ano letivo, assim determinando:

“Temporalidade flexível do ano letivo para atender as necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência mental ou com graves deficiências múltiplas, de forma que possam concluir em tempo maior o currículo previsto para a série/etapa escolar, principalmente nos anos finais do ensino fundamental, conforme estabelecido por normas dos sistemas de ensino, procurando-se evitar grandes defasagens idade/série”.

Neste pressuposto, pode-se enquadrar a Surdocegueira tanto pré-lingüística quanto pós-lingüística quando se refere às graves deficiências múltiplas.

O importante, porém, é não confundirmos ou simplificarmos deficiência múltipla, que sabemos se tratar de duas ou mais deficiências em um indivíduo com “soma” de deficiências, ou seja, o Surdocego legalmente é sim considerado um deficiente múltiplo, porém funcionalmente deve ser entendido como um deficiente único, indivisível e a condição de que é portador, específica, com abordagens e metodologias próprias.

Então, vistas estas características, a flexibilidade temporal escolar de que trata o pressuposto possui maiores chances de serem efetivas para os Surdocegos que possuem as condições primárias para serem incluídos em escolas regulares.

O Artigo 10 da mesma lei também merece atenção, pois, destaca que:

“Os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais e requeiram atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social, ajudas e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações curriculares tão significativas que a escola comum não consiga promover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse complementado, sempre que necessário e de maneira articulada por serviços de saúde, trabalho e assistência social”.

Analisando este artigo, é inegável a grandiosa assistência que dispensa aqueles portadores de deficiência que necessitam de apoio individualizado, intensos e contínuos, como é o caso dos portadores de Surdocegueira pré-lingüística.

Para o Surdocego pré-lingüístico, existe a necessidade do trabalho individualizado, com intensidade e continuidade variadas, respeitando as diferenças de cada um. Com estes indivíduos Surdocegos, o trabalho desenvolve-se de “um para um” (um professor para cada um educando) tornando-se praticamente impossível do ponto de vista prático-metodológico o contrário.

O Artigo 12, inciso 2ºdescreve que:

“Deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais educandos, a acessibilidade aos conteúdos curriculares, mediante a utilização de linguagens e códigos aplicáveis, como o sistema Braille e a língua de sinais, sem prejuízo do aprendizado da língua portuguesa, facultando-lhes e as suas famílias a opção pela abordagem pedagógica que julgarem adequada, ouvidos os profissionais especializados em cada caso.”

Nesse artigo, fica assegurado ao portador de Surdocegueira, principalmente a pós-linguística, acesso aos conteúdos curriculares mediante utilização de recursos e adaptações comunicativas que lhes assegurem funcionalidade acadêmica.

Neste sentido, podemos destacar que, além dos métodos comumente conhecidos, como Braille e Língua de Sinais, seriam aceitos e respeitados outros métodos e adaptações próprias à Surdocegueira, como o alfabeto digital, língua de sinais adaptada, Braille táctil, escritas na mão etc.

Além disso, é claro, o acesso a um guia-intérprete compreendido como recurso comunicativo, pois se tratando de Surdocegos, por mais que a intelectualidade esteja preservada e sendo este lingüisticamente apto a várias formas de comunicação, é imprescindível o acompanhamento de um profissional habilitado em guia-interpretação para que o processo ensino-aprendizagem se efetive.

Em síntese a estes pressupostos legais, gostaríamos de deixar claro que toda a legislação destinada às deficiências, independente de serem nacionais ou internacionais, buscam derrubar barreiras e preconceitos acerca das diferenças que são explicitadas nas várias condições.

Porém, acreditamos ser de fundamental importância dedicar uma atenção especial à Surdocegueira do ponto de vista da interpretação e ajuste legal.

Compreender a Surdocegueira como uma deficiência, tanto em seu nível pré-lingüistico quanto pós-lingüístico, tanto em suas intensidade severas e profundas quanto leves e moderadas, de caráter degenerativo ou não, é imprescindível para a organização, interpretação e realização de qualquer diretriz legal.

Referências Bibliográficas

Kinney, R. A Definição, Responsabilidades e Direitos dos Surdocegos. In: Anais I Seminário Brasileiro de Educação do deficiente Audiovisual – ABEDEV. São Paulo, 1977.

Waterhouse, E. J. Definições, Responsabilidades e Direitos dos Surdocegos. In: Anais I Seminário Brasileiro de Educação do Deficiente Audiovisual – ABEDEV. São Paulo, 1977.

Declaração de Salamanca e Linha de Ação. 2º ED. Brasília, 1997

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Projeto de Resolução CNE/CEB Nº. 17/2001. Brasília, Julho, 2001.

Resumen de Las Normas Uniformes de Las Naciones Unidas Acerca de La Participacion e Igualdade de Las Personas com Discapacidad. Onu, New York, 1993.

Alex Garcia: Portador de Surdocegueira. Formação em Educação Especial com Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação, Universidade Federal de Santa Maria; Santa Maria-RS. Curso de Especialização em Educação Especial. Presidente da Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes - AGAPASM. Membro da Associação Brasileira de Surdocegos - ABRASC. Membro da Federação Latino-Americana de Surdocegos - FLASC. Membro da World Federation of Deafblind - WFDB. Servidor Público, no período de junho de 2002 à julho de 2004, atuando como Assessor Técnico da FADERS – Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PPDs e PPAHs no RS. Ministrante de Palestras, Cursos, Seminários, Conferências sobre Surdocegueira e Múltipla Deficiência Sensorial em Congressos Nacionais e Internacionais. Publicação de Artigos sobre o Tema em Revistas Científicas, Jornais e Sites. Participação em Pesquisas na Universidade Federal de Santa Maria; Santa Maria-RS.

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas