Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

 

Reflexão sobre Softwares
Teófilo Galvão Filho

Foto de Teófilo Galvão Filho, autor do artigo RedeSACI

Teófilo Galvão fala sobre os motivos pelos quais considera que não existam softwares específicos para pessoas com Síndrome de Down.

Teófilo Galvão recebeu, recentemente, o seguinte e-mail:

Olá, Professor Teófilo, sou estudante e estou cursando uma disciplina de Informática Educativa na Educação Especial. Nesta disciplina teremos que modelar um software que atenda às necessidades de crianças especiais.

Meu grupo optou em construir algo para portadores da Síndrome de Down. Para isto, estamos fazendo pesquisas em livros e sites para conhecermos melhor estas crianças.

Gostaríamos, se possível, de contar com sua colaboração, visto sua experiência nesta área. Na construção de um software para estas crianças, o que devemos priorizar?

Quais características devemos levar em consideração?

Enfim, gostaríamos que você pudesse nos dar algumas dicas, para que tenhamos condições de construir um software que auxilie o desenvolvimento cognitivo destas crianças.

No texto abaixo, ele discorre sobre os motivos pelos quais considera que não existam softwares específicos para pessoas com Síndrome de Down, respondendo ao e-mail enviado pelo estudante.

Não creio que exista, ou seja, possível criar um software para o desenvolvimento cognitivo específico de pessoas com síndrome de Down ou, especificamente, para qualquer outro tipo de deficiência (excetuando-se, portanto, os softwares de acessibilidade, simuladores de teclado, de mouse etc., que obviamente são muito úteis). E isso por diversas razões.

Primeiramente, por que falar do desenvolvimento cognitivo de pessoas com Síndrome de Down é falar de um horizonte muito amplo, é falar de uma população muito heterogênea, é falar de perspectivas, necessidades e potencialidades muito diferenciadas dentro da mesma população.

O desconhecimento desse fato leva ao risco de que se caia em generalizações ou padronizações simplistas e irreais, quando se faz referência ao trabalho com pessoas com uma determinada deficiência.

Sendo assim, essa constatação deve levar a diferentes perguntas: deseja-se construir um software para pessoas com Síndrome de Down com que idade cronológica, ou com que outro "tipo" de idade, ou com que potencial de concentração e abstração, ou com que capacidade de interação e comunicação verbal, ou com que conhecimentos anteriores, ou com que... etc. ?

Em segundo lugar, creio que o fato de uma pessoa ser portadora de Síndrome de Down não faz com que essa pessoa possua características de desenvolvimento cognitivo únicas e particulares a sua deficiência.

Ela não tem um cérebro e uma forma de pensar diferente das outras pessoas. Sua estrutura mental, sua forma de aprender, é a mesma de qualquer outra pessoa.

Obviamente, que não estou negando aqui as limitações intrínsecas à deficiência.

Sabe-se que uma pessoa com Síndrome de Down tem limitações, possivelmente em sua capacidade de abstração e certamente na velocidade com que aprende, principalmente se comparada com outras pessoas de sua idade.

Mas isso não faz com que essa pessoa possua uma estrutura mental diferente, nem que aprenda a partir de um processo diferenciado em relação a outras pessoas.

Portanto, sendo isso verdadeiro, qual deveria ser a diferença entre um software educacional ("aberto" ou "fechado") utilizado por uma criança sem Síndrome de Down, na Educação Infantil, por exemplo, e um software educacional utilizado por uma pessoa com Síndrome de Down que estivesse em seu processo de desenvolvimento cognitivo nessa mesma etapa, com essas mesmas necessidades da criança na Educação Infantil?...

A meu ver, não haveria nenhuma diferença entre esses softwares...

Então, creio que os softwares que devem ser utilizados por pessoas com Síndrome de Down são os mesmos softwares utilizados por qualquer outra pessoa.

Obviamente que se avaliando, anteriormente e durante o processo, também como qualquer pessoa, as suas características e necessidades específicas: capacidade de concentração, abstração, motivação, conhecimentos anteriores etc. e utilizando para isso os diferentes Referenciais Teóricos disponíveis - Vygotsky, Piaget, Paulo Freire, etc.

Portanto, penso que um software que você desenvolva para uma criança com Síndrome de Down, vai servir igualmente para outra criança sem Síndrome de Down, que esteja na mesma etapa em seu processo de desenvolvimento cognitivo, ou vice-versa.

Teófilo Alves Galvão Filho é Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, Especialista em Informática na Educação pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL e Graduado em Engenharia pela Universidade Católica de Pelotas – UCPel. É professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (PPGE/FACED/UFBA), ministrando a disciplina "Educação e Tecnologia Assistiva" e orientando alunos do Programa.  É pesquisador do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq "Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais" (GEINE/PPGE/UFBA). Atualmente realiza o Pós-Doutorado na Universidade Federal da Bahia com o apoio da CAPES (Programa Nacional de Pós-Doutorado - PNPD/CAPES) e compõe a equipe do NAPE - Núcleo de Apoio ao Aluno com Necessidades Educacionais Especiais da UFBA. Tem atuado como consultor nas áreas de Tecnologia Assistiva, Educação Inclusiva e Políticas de Inclusão Social. É membro do Comitê de Ajudas Técnicas da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. 

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