Planeta Educação

Carpe Diem

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A Caverna e o Cosmos do Futuro
Prof. Dr. Fernando José de Almeida

Em maio de 2006 visitei a versão atual da casa do futuro apresentada pela Microsoft, em Redmond/WA, sua sede. Todos os cômodos, com absoluta programação para facilitar as relações de trabalho, conforto, segurança e de convívio da família; lazer, serviços de lavanderia, organização de festas, convites emitidos solicitando confirmação, receitas balanceadas de acordo com as necessidades de cada membro da família, além naturalmente, de todas as sincronizações dos aparelhos de som e imagem, até retratos falantes das avós nas paredes...
Presenciei a entrada na caverna do futuro, mas sem nenhuma organização de um homem imitando os deuses do lar, mas de um deus que não dá espaço ao homem para imitá-lo. Nesse sentido não é ético. Os deuses se adiantam às necessidades humanas e ditam seus caminhos quase tragicamente, não havendo espaço para o drama – a dimensão histórico-teatral da vida.  O ser humanizado perde completamente seu espaço deixando a um demiurgo exterior a si definir-lhes as necessidades e seu destino. Não se arruma mais nada, não se harmoniza o mundo porque ele já está planejado dentro de um princípio de cosmos expropriado e alienado do ser humano. Finda-se, assim, o projeto autônomo de felicidade, de bem comum, de superação da solidão pela construção coletiva da vida. Mas não é a casa do futuro que nos espanta. É o cosmos do futuro! Numa comparação mais elementar podemos dizer que se dá o mesmo com a transferência para a indústria de enorme parte das tarefas culinárias, domésticas ou profissionais. Tudo se deve à “evolução” dos ideais alimentares, tanto gastronômicos como dietéticos, gerando o que Fischier chama de “cozinha sem trabalho e sabor sem substância”.

Prof. Dr. Fernando José de Almeida - (PUC-SP)
Em seu texto “A ética plugada nas redes”

 

A tecnologia nos espreita. A cada novo dia ela se coloca em nossos caminhos e parece impor uma lógica que poucos ou ninguém se atreve a desafiar, a de que o mundo as máquinas pertence... Não deveria ser aos homens? As máquinas não devem ser apenas ferramentas que nos auxiliam em nossa trajetória ou em nossos percursos? Será que nos tornaremos escravos de todo o complexo de redes tecnológicas que estamos imputando ao futuro da humanidade?

Nossas cozinhas se ressentem da falta não só do trabalho e da substância que fez parte da infância de algumas das pessoas que podem estar lendo esse texto... Carecemos do contato humano, do prato compartilhado em sua produção, do corte tranqüilo e cadenciado dos ingredientes que irão compor nossas receitas particulares, do ritual que nos une em nossas copas e cozinhas a nos irmanar e nos fazer mais e mais humanos...

E não são só nossas cozinhas que pedem essa humanização dos ambientes, assim como não são apenas nossas casas que clamam por nossa presença de corpo e alma... A sociedade como um todo parece ter se esquecido o quanto é importante o contato, o diálogo, a troca permanente de opiniões, afagos, carinhos e até mesmo o embate de opiniões...

Hoje tudo parece tão ajustado e em conformidade... A comodidade parece ditar o ritmo, perdeu-se a paixão que nos mobiliza rumo as necessárias revisões e transformações quanto aos nossos rumos... Temo o mundo do amanhã em que as pessoas dirão apenas “amém” e serão incapazes de demonstrar com clareza seus sentimentos e também seus ressentimentos...

Vivemos cada vez mais em casas do futuro. Nessas cavernas do amanhã em que estamos morando há cada vez mais aparelhos que deveriam nos auxiliar no cotidiano e nos permitir maior conforto e tranqüilidade. Ao invés disso, o ritmo parece se tornar cada vez mais alucinante e a insegurança nos assola por todos os lados...

A pasteurização que atinge a produção de nossos alimentos também se traduz no cotidiano das relações humanas. Parecemos nos amar menos a cada novo dia. Estamos nos esquecendo dos pequenos e preciosos detalhes que realmente fazem a vida valer a pena e que nos fazem felizes. Nos escondemos no consumismo e deixamos de valorizar um afago ou um abraço, um incentivo ou uma palavra que nos ajude a encontrar o caminho que tanto perseguimos...

Os filhos não parecem tão dispostos a escutar seus pais. Os amigos se enclausuraram em suas “tocas” tecnologicamente impecáveis e estão mais preocupados em se mostrar modernos e atualizados do que em compartilhar uma existência de carinho, solidariedade e amizade. Aqueles que contrariam essa ordem caracterizada pela vil e fria sentença de um mundo materialista são incompreendidos e até mesmo perseguidos...

Quando li o texto do professor Fernando José de Almeida compreendi que merecia uma reflexão e também as devidas considerações. Fernando é uma pessoa pela qual nutro sentimentos de respeito pessoal e intelectual. Trata-se de um homem que vê além daquilo que é evidente aos nossos olhos e que tem um sério compromisso com a educação, com seu país e também com o mundo em que vivemos...

Somente alguém com tanta sensibilidade iria sentir-se tão incomodado na casa do futuro, onde tantas e tantas pessoas conseguem apenas embasbacar-se diante de tanta tecnologia. Pra que tanta tecnologia se quem ali vive nada sente, nada vê ou ouve e não ama a ninguém a não ser um adorado deus que nem lhes dá a possibilidade de andar com as próprias pernas, escolher o que mais lhe convier, ter opiniões próprias, produzir e saborear um delicioso prato de comida ou simplesmente curtir o pôr-do-sol e as artes de seus filhos...

 

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