De Olho na História
O Oeste e as bases da democracia nos Estados Unidos
O surgimento da maior potência do mundo
A agricultura e a criação de gado foram as
principais bases econômicas do Velho Oeste.
John Wayne e Clint Eastwood são os arquétipos dos típicos cowboys do século XIX para a grande maioria de habitantes dos Estados Unidos e do mundo. Seus personagens de filmes de “bang-bang” (como costumavam ser chamadas tais produções cinematográficas até bem recentemente) sempre apresentaram características tais quais a virilidade, pouca ou nenhuma sociabilidade, rudeza e pioneirismo. Será, no entanto, que eles realmente personificam com a devida competência a história daquele período?
Para responder essa pergunta temos que voltar ao século XIX e a expansão territorial norte-americana rumo ao Oeste antes mesmo de seu início. Temos que nos lembrar que a Independência das 13 colônias britânicas, ocorrida entre 1776 e 1781, motivou o surgimento de uma nação que carregava consigo as bandeiras da liberdade, do liberalismo e da prosperidade. Essas metas eram reconhecidas como propósitos e objetivos até mesmo em sua constituição (documento vigente até os dias de hoje), criada por seu patrono e primeiro presidente George Washington.
Nesse sentido grandes levas de imigrantes europeus adentraram o país durante a segunda metade do século XIX em busca da realização do sonho de emancipação econômica, liberdade individual (superando o ostracismo e a pobreza que viviam no campo ou nas nascentes cidades industriais européias) e terra.
Eram ingleses, italianos, irlandeses, franceses, galeses, escoceses e europeus de tantas outras nacionalidades que tinham em comum não apenas os seus sonhos, mas também as origens humildes, pouca ou nenhuma instrução, a rudeza e que chegavam nos Estados Unidos com pouco mais que as roupas do corpo e a família a tiracolo.
Os pioneiros que foram para o Oeste eram pessoas que pouco ou nada
tinham a perder, descendiam de europeus que vinham em busca do
sonho de liberdade e prosperidade da nova nação e carregavam
suas famílias, mantimentos e armas em seus carroções.
Foram incorporados ao cotidiano da estreita faixa de terras que originou a mais poderosa nação do mundo nos séculos vindouros e se atiraram numa corrida desenfreada rumo as terras recentemente compradas pelos americanos na região da Louisiana junto a França. Enquanto permaneceram nas 13 colônias originais foram pouco mais do que mão de obra abundante que barateou o mercado local e permitiu a prosperidade das manufaturas e da agricultura.
Homens e mulheres calejados pelas duras experiências vividas na lavoura e nas primeiras fases da industrialização européia, esses imigrantes sabiam que o futuro para eles não estava na continuação de sua existência enquanto trabalhadores urbanos ou rurais. Imaginavam tais pessoas que a liberdade e o progresso relacionavam-se a posse de propriedades e negócios. A fronteira que se delineava a oeste do território do recém-libertado país era o que realmente lhes daria a possibilidade de consecução de seus sonhos...
A eles se juntaram todas as pessoas que pouco ou nada tinham a perder em trocar o pouco que haviam consolidado nas cidades e campos do leste pela aventuresca e pioneira expedição rumo ao Oeste. Sabiam que teriam que enfrentar o inóspito território local, a natureza ainda selvagem e principalmente os nativos. Tinham consciência que teriam que construir suas vidas em regiões sem qualquer estrutura e que a eles cabia o importante papel de “agentes civilizadores”.
Eram descendentes de colonizadores que haviam chegado nas 13 colônias ao longo dos dois séculos iniciais do empreendimento britânico e que ainda não haviam logrado sucesso em realizar o sonho de “fazer a América”. Constituíam a parcela mais pobre e mão de obra menos qualificada que havia sido relegada as funções braçais e aos trabalhos pesados e embrutecedores.
Foram justamente os imigrantes e a população mais pobre e desprovida dos estados do leste que se mobilizaram em direção as novas terras da fronteira oeste dos Estados Unidos. Esse grande contingente populacional teve a árdua tarefa de desalojar os índios de suas terras e de, nos dizeres dos nativos, violentar a terra com a qual tinham relações fraternas que se perdiam no tempo de tão antigas.
Dodge City (em 1883) foi uma das mais importantes cidades
do Velho Oeste. Apresentava todas as características mais
marcantes das poeirentas e violentas cidades do
florescente
oeste
norte-americano.
Constituíram caravanas e dotaram-se de recursos que lhes permitiam não apenas enfrentar as adversidades, mas também iniciar a prospecção das possibilidades das terras para as quais estavam se destinando. Foram aos poucos realizando a “maior reforma agrária” do mundo (conforme alguns especialistas e pesquisadores) ao delimitar as propriedades que originaram ranchos, depois vilas que vieram a se tornar cidades.
Ao trilhar os rumos daquelas terras também estipularam as rotas, construíram as estradas e permitiram o mapeamento local. Estimularam o surgimento das grandes ferrovias que viriam a ligar o leste e o oeste num contínuo movimento de massas e produtos que muito contribuíram para o firmamento de uma poderosa e riquíssima nação.
Foram os responsáveis pelo estabelecimento de centros de produção agrícola e produção pecuária que celebrizaram a história local e povoaram o imaginário de escritores e roteiristas que, por sua vez, retransmitiram essa leitura dos acontecimentos para as novas gerações de americanos através da literatura, dos quadrinhos, do cinema e da televisão.
Entretanto, a despeito de todo o romantismo e prosperidade associados a conquista do oeste, há também o lado belicoso e violento que levou ao desaparecimento de grupamentos indígenas inteiros e também a anexação de territórios que até então pertenciam aos mexicanos. Arregimentados pelo governo dos Estados Unidos, os pioneiros compuseram forças armadas que se confrontaram com as tropas do país vizinho e que levaram a melhor na disputa pelas ricas terras de estados como a Califórnia, o Novo México ou o Texas (entre outros).
As regiões conquistadas revelaram-se de fundamental importância para promover o desenvolvimento da pátria do Tio Sam. Possuíam ricas jazidas de minerais (entre os quais o petróleo) e que se tornaram no século XX centros de desenvolvimento tecnológico onde estão algumas das mais importantes metrópoles daquele país, como Los Angeles, Dallas e São Francisco.
O revólver Colt calibre 45 foi uma das armas mais populares
da
conquista do Oeste e rivalizava na preferência dos
cowboys
com as armas da marca Winchester.
Aplicavam-se nessas disputas territoriais com indígenas e mexicanos alguns conceitos que posteriormente se tornariam políticas de estado do governo norte-americano. Antecipavam-se em alguns anos a “big stick policy” (a política do porrete) e a “democrática” idéia de que a “América pertencia aos americanos”. Os americanos ainda se sentiam compelidos a enfrentar todas as dificuldades que se colocavam em seu caminho acreditando que isso fazia parte de seu “destino manifesto” de se tornar a maior potência mundial.
No caso da “big stick policy” e da idéia de que a “América aos americanos pertencia” o que teoricamente se pretendia era que os países da América recém libertados do jugo das metrópoles européias ou que ainda estivessem lutando por sua emancipação teriam o apoio dos “ianques” em caso de novas ameaças das antigas potências coloniais que os haviam dominado.
O que não se esclarecia totalmente é que o “porrete” era acionado sempre em benefício maior de seu articulador do que em favor dos parceiros que por ele deveriam obter ganhos. Também não se explicava com a devida competência que a América deveria pertencer aos “norte”-americanos...
Nesse ponto revela-se também que os conceitos de democracia estão submetidos a lógica liberal e a seus claros propósitos de consolidar a economia de mercado e expandir as possibilidades de lucro dos americanos e, principalmente, de seu governo. O enriquecimento não é consequência da expansão e do militarismo necessários a sua consecução, mas o principal mote de toda a expedição pioneira que levou ao surgimento da poderosa nação que conhecemos atualmente.
Deve-se ainda ressaltar que o caráter intervencionista e beligerante dos Estados Unidos (que o levou ao Vietnã e também a ações militares em praticamente todos os continentes, com especial destaque para as operações no Oriente Médio) também foi, de certa forma, moldado nas experiências da conquista do Oeste.
Não é outro o motivo que levou tanto Clint Eastwood quanto John Wayne a celebrizarem-se como astros do cinema (que ironicamente tem suas principais bases de produção na região Oeste) não apenas como durões cowboys que enfrentavam com poucas palavras e muita coragem e determinação os contratempos do Velho Oeste, mas também como militares rígidos e decididos que comandavam tropas em preparação ou ação em batalhas do século XX...