Planeta Educação

Diário de Classe

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Aula Aberta de Biologia
Em contato com o mundo

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A sala de aula não deve ser o único lugar de aprendizagem,
devemos estender a nossa busca pelo conhecimento para fora
dos limites da escola, o mundo lá fora é nossa principal
referência para entendermos o que está ao nosso redor.

As paredes da escola a resguardam do mundo. Atrás delas os alunos estão em ambiente privativo e contam com o necessário e fundamental silêncio para que consigam desenvolver suas atividades escolares. São os blocos ou tijolos que inclusive servem para tornar aos olhos de todos (pais, professores, comunidade em geral, os próprios alunos) a escola um local teoricamente mais seguro.

Por outro lado, se pensarmos com mais calma, são essas mesmas paredes que muitas vezes sufocam nossa criatividade e nos impedem de crescer. Não as paredes por si só. Afinal de contas elas não passam de construções humanas. O passar do tempo e o cotidiano muitas vezes enfadonho da educação é que nos faz pensar que o aprendizado só pode ocorrer nesses espaços “sagrados”...

Ficamos protegidos, mas ao mesmo tempo estamos hermeticamente fechados ao contato com o mundo exterior. Nossa sensibilidade deveria ser construída a partir do contato constante entre o que está em nossos livros, sites, filmes, músicas e obras de arte – objetos e produções que utilizamos no sacro espaço internalizado de nossas escolas – e o convívio com o mundo externo.

Derrubemos então as paredes, ao menos metaforicamente, propondo atividades que nos permitam migrar para fora da escola e, talvez, quem sabe, num futuro próximo, imigrar para outras terras onde também poderíamos aprender muitas e muitas coisas...

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Que tal aprender indo com os alunos a reservas florestais
que existam em sua cidade? Não há nada mais marcante
para a aprendizagem do que o contato...

Levemos nossos estudantes ao mercado municipal, a praça central de nossas cidades, a perambular pelos ônibus visitando bairros que não conhecem, a algum hospital para que descubram a realidade de nosso sistema de saúde, a outras escolas para que entrem em contato com alunos que vivem em realidades distintas, aos órgãos públicos para ter contato com a burocracia dos três poderes, a fazendas para que saibam como são produzidos nossos alimentos, a fábricas para que entendam realmente o que é uma linha de produção,...

Temos que lutar por nossa emancipação enquanto professores e alunos. Pesquisa de campo é fundamental para a maturação de nosso pensamento e para uma compreensão mais apurada da realidade e do mundo em que vivemos.

Fiz isso algumas vezes enquanto professor de história com turmas do ensino fundamental e médio. Propus visitas à prefeitura e a câmara municipal de nossa cidade; fiz com que os estudantes fossem conversar com feirantes e compradores no mercado; pedi que visitassem assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra; visitei fábricas com estudantes; fomos a museus e universidades; teatros e cinemas também constituíram parte de nosso itinerário; por fim convenci os estudantes a conhecer projetos sociais.

Fiz mais do que deveria? Não, em absoluto, acho que poderia ter feito mais. Gostaria de tê-los levado a fazendas, usinas, hospitais, vilas de pescadores, centros de tratamento de aidéticos, sets de produção de filmes, locais de recuperação de drogados, balés, apresentações de orquestras sinfônicas, ao congresso nacional,...

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Aprendemos lendo, assistindo filmes, ouvindo músicas, assistindo as
aulas ou fazendo as tarefas da escola, mas ao quebrar as paredes que
tantas vezes nos prendem ao ambiente escolar, nos humanizamos,
desenvolvemos nossos sentidos e aprendemos a partir do contato...

Há empecilhos que não nos permitem fazer mais. Barreiras como o próprio planejamento educacional que muitas vezes nos encarcera dentro das paredes da escola para cumprir carga horária ou conteúdos previstos; a direção das escolas e toda a burocracia relativa a autorizações para sair do espaço escolar; os pais com medo do mundo em que vivemos são um tanto quanto reticentes no que se refere a viagens e excursões (mesmo locais); e, em alguns casos, há o temor (algumas vezes justificado) dos próprios professores quanto ao comportamento dos alunos fora da escola.

O que fazer?

Continuar lutando contra todos esses impedimentos ou barreiras e tentar criar brechas que nos permitam conhecer o mundo externo, extra-escolar. Afinal de contas é sobre esse mundo que falamos em nossas aulas de todas as disciplinas. Nesse sentido me aproprio da expressão Aula Aberta para propor atividades de campo em que os alunos possam entrar em contato com o mundo sensível.

A proposta é aplicável a todos os campos do conhecimento. Nesse texto dedico-me a pensar especificamente em práticas relacionadas às ciências biológicas.

O que me vem à cabeça, até pelo fato de não ser um profissional dedicado a essa nobre área do conhecimento, é a imagem do filme A Língua das Mariposas, com o velho professor passeando por um bosque em companhia de seus alunos a examinar atentamente cada metro quadrado daquele espaço em busca de exemplares da flora e da fauna estudadas em sala de aula.

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Ao visitar um hospital podemos aprender ao mesmo tempo em que
somos solidários. Há uma dupla lição, de biologia e de humanidade.
Nenhum livro pode nos dar tanto, não filmes ou outras referências
que nos façam aprender mais...

Outra forte reminiscência para um trabalho na área é a experiência relatada no filme Patch Addams, estrelado por Robin Williams, em que vemos estudantes de medicina circulando pelo hospital ao lado de um professor. A idéia não é original já que essa prática é comum entre universitários, no entanto, se pudéssemos expandir essa ação para o ensino fundamental e médio, orientando o olhar para especificidades dos programas escolares dessas turmas, estou certo de que seria enriquecedor...

Em qualquer uma dessas propostas é de fundamental importância que o professor realize um planejamento prevendo quando, como, onde e por que essa visita deveria se realizar.

Ao se perguntar quando, o professor deve concatenar a visita com os conteúdos escolares, prevendo aulas em que irá abordar os temas pesquisados através de recursos como textos, filmes, músicas, obras de arte ou aulas expositivas. Nessa prévia deve ser criada uma expectativa em relação ao que será visto na visita ao local programado.

Antes mesmo disso tudo acontecer o professor já deverá ter conversado com a coordenação e direção da escola, ido ao local onde se pretende fazer a visita, conversado com as pessoas que ali trabalham para verificar a possibilidade de um grupo de estudantes adentrar aquele recinto. Essa ação do professor lhe permitirá perceber seu funcionamento, interagir com as pessoas e constatar o cotidiano e a rotina daquela localidade para então programar a visita.

Tendo realizado essas etapas iniciais, o professor também deverá estar com a visita agendada e ter providenciado transporte para o grupo de alunos que o acompanhará. Sempre são necessárias orientações aos alunos quanto ao tratamento a ser dado as pessoas que ali trabalham ou vivem. Educação e cordialidade, respeito e boa vontade para com os outros são elementos básicos em projetos dessa natureza.

Desenho-de-jovem-entrevistando-idoso-de-oculos
Oriente os estudantes para que façam registros de tudo aquilo que
vivenciarem. As aulas abertas devem ser experiências que realmente
os façam aprender a partir do contato direto com as pessoas,
ambientes e demais recursos com os quais não estão habituados.

Durante as visitas, os alunos devem saber de antemão qual é o tipo de informação que procuram. Devem portar blocos de anotação, gravadores, câmeras fotográficas, filmadoras e, desde que tenham autorização, registrar tudo aquilo que estão vendo e vivendo. Para tanto seria importantíssimo que se fizesse um roteiro antes da pesquisa de campo acontecer.

Diferentemente do que se pensa quanto à ciência e sua pretensa neutralidade, atualmente se advoga que deve existir proximidade e comprometimento por parte dos pesquisadores em relação às pessoas com as quais estão interagindo, por esse motivo, diga a seus alunos para agirem com naturalidade diante das pessoas e situações que estão conhecendo.

Tendo obtido informações e finalizado a pesquisa, nessa autêntica aula aberta, é hora de finalizar as atividades. Nesse sentido cabe ao professor orientar como deve ser a produção final que surgirá em decorrência da pesquisa de campo.

Relatórios em formato tradicional não são recomendados. O ideal é que os estudantes sejam desafiados com a proposição de formatos alternativos como diários, jornais, reportagens para a televisão ou para rádios, dramatizações, criação de sites ou blogs, produção de grandes murais, fotonovelas,...

Depois dessa iniciativa abra espaço para que as produções sejam apresentadas aos demais alunos da escola. Estimule conversas entre os estudantes e seus familiares. Peça à turma que socialize a experiência a partir da Internet. Promova comparações entre o que foi vivenciado e aquilo que está nos livros e demais recursos didáticos utilizados nas aulas.

Faça dessa prática uma realidade em seu planejamento. Organize-se para que pelo menos uma vez por mês atividades assim aconteçam. Descubra o mundo maravilhoso que há lá fora e permita que seus alunos também derrubem as paredes que tantas vezes os sufocam e não lhes permitem um crescimento mais integral...

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