Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

 

Informática para as pessoas cegas e com baixa visão
Elizabet Dias Sá

 Belo Horizonte, 27 de março de 2006.

Introdução

Os meios informáticos ampliam as possibilidades de comunicação e de autonomia pessoal, minimizam ou compensam as restrições decorrentes da falta da visão.

Sem essas ferramentas, o meu desempenho intelectual e profissional estaria seriamente comprometido e circunscrito a um contexto de limitações e impossibilidades.

A apropriação de recursos tecnológicos modifica significativamente o estilo de vida, as interações e as condutas sociais ao inovar hábitos e atitudes em relação à educação, ao lazer e ao trabalho, à vida familiar e comunitária.

Nesta perspectiva, um estudante de 26 anos faz as provas e outros trabalhos escolares por meio do computador.

Ele utiliza o correio eletrônico, o "skype" e o "msn" para enviar e receber arquivos, tirar dúvidas e resolver questões de português e de matemática com seus professores em uma escola de ensino regular noturno.

Além disso, utiliza o computador como ferramenta de trabalho para transmissão de telemensagens.

Esse aluno é cego e, por esta razão, havia desistido de estudar a partir da quinta ou sexta série.

Ele retomou os estudos em 2005, a partir de sua experiência como usuário do Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual de Belo Horizonte - CAP-BH que mantém uma Escola de Informática e Cidadania - EIC.

Outros jovens e adultos cegos ou com baixa visão usam os computadores da EIC para ler jornais, realizar pesquisas acadêmicas, fazer inscrição em concursos públicos, verificar resultados, ou simplesmente para treinar a digitação e o domínio do teclado.

Uma das alunas, que é judoca e tem baixa visão, acompanhou pela Internet o noticiário das para-olimpíadas. A maioria desses usuários não tem condições de comprar um computador.

Nesta experiência, percebemos que o que se tornou simples, familiar e corriqueiro para os usuários com deficiência visual, parece estranho, curioso e complexo aos olhos dos outros.

Não raro, somos interpelados com comentários, observações, perguntas e expressões de admiração, surpresa ou descoberta diante do desconhecido e inusitado manejo do computador por meio dos comandos de voz e do teclado que dispensam o uso do mouse e mesmo do monitor.

Em geral, as pessoas imaginam que utilizamos um computador especial com teclas em braille e outros dispositivos bem diferentes dos computadores comuns.

Afinal, vivemos em uma sociedade caracterizada pela preponderância da comunicação visual cada vez mais difundida e incrementada.

Os Leitores de Tela e a Leitura do Mundo


O uso de computadores por pessoas cegas é tão ou mais revolucionário do que a invenção do Sistema Braille que, aliás, é incorporado e otimizado pelos meios informáticos tendo em vista possibilitar a leitura inclusive de indivíduos surdocegos.

A linha ou "display" braille é um dispositivo eletrônico que reproduz o texto projetado na tela pelo impulso de agulhas com pontos salientes, dispostos em uma superfície retangular acoplada ao teclado, representando a cela braille, para ser lida por meio do tato, de modo equivalente à leitura dos pontos em relevo no papel. Trata-se de uma alternativa cara e rara no Brasil.

Os softwares ampliadores de tela ou de caracteres aumentam o tamanho da fonte e das imagens na tela do computador para os usuários que têm baixa visão. Muitos deles utilizam combinações específicas de cores contrastantes para texto e fundo da página ou escolhem certos tipos de fontes com traços mais adequados e condizentes com o campo ou ângulo de visão.

Os leitores de tela são programas com voz sintetizada, reproduzida através de auto-falantes, para transmitir oralmente a informação visual projetada na tela do computador. São desenvolvidos a partir de certos parâmetros e normas de acessibilidade que permitem a utilização dos diversos aplicativos e uma navegação amigável no ambiente windows.

Estes programas possibilitam a edição de textos, a leitura sonora de livros digitalizados, o uso do correio eletrônico, a participação em chats, a navegação na Internet, a transferência de arquivos e quase todas as aplicações possíveis e viáveis para qualquer usuário.

A diferença está no modo de navegação que se dá por meio das teclas de atalho e dos comandos de teclado. A tecla "TAB" é utilizada para navegar somente em links e, assim, percorrer de forma ágil o conteúdo da página e acessar o link desejado mais rapidamente.

As páginas de um texto ou de um livro são transferidas para a tela do computador por meio de um scanner com um programa denominado OCR (reconhecimento óptico de caracteres) que processa e converte a imagem para os processadores de texto.

Reconhecíveis pelos leitores de tela, este procedimento é artesanal e visa suprir de modo remediativo e precário, a falta de livros acessíveis no mercado editorial, o que tem sido objeto de negociação e regulamentação entre o governo e os diversos elos da cadeia produtiva do livro.

Nesta perspectiva, torna-se necessário assegurar a compra e venda de livros em formato acessível, de forma autônoma e independente para quem deles necessitar.

Barreiras Reais e Virtuais


As pessoas que enxergam detectam de forma imediata e instantânea as cenas, imagens, os efeitos e toda sorte de informação que invade, agrada ou satura a visão.

Mas, o que entra pelos olhos não alcança o tato e os ouvidos ou demora para chegar aos outros canais de percepção.

Por isso, as pessoas cegas e com baixa visão necessitam de mediadores para processar a quantidade ilimitada de estímulos visuais presentes no ambiente real e virtual.

Considere-se, ainda, outras peculiaridades em relação à percepção ou não de certas cores como no caso do daltonismo que demanda algum recurso de adaptação e personalização de “links" ou sites.

Embora os programas leitores de tela sejam indispensáveis e eficientes para a navegação na WEB, o ciberespaço nem sempre apresenta meios alternativos de acessibilidade para todos os usuários, pois é poluído e desenhado à revelia das pautas de acessibilidade definidas pelo World Wide Web Consortium - W3C, que estipula normas e padrões para a construção de páginas acessíveis na rede mundial de computadores.

Exemplos de barreiras ao acessar o conteúdo de uma página:

• Imagens que não possuem texto alternativo.

• Imagens complexas. Exemplo: gráfico ou imagem com importante significado que não possuem descrição adequada.

• Vídeos que não possuem descrição textual ou sonora.

• Tabelas que não fazem sentido quando lidas célula por célula ou em modo linearizado.

• Frames que não possuem a alternativa "noframe", ou que não possuem nomes significativos.

• Formulários que não podem ser navegados em uma seqüência lógica ou que não estão rotulados.

• Navegadores e ferramentas de autoria que não possuem suporte de teclado para todos os comandos.

• Navegadores e ferramentas de autoria que não utilizam programas de interfaces padronizadas para o sistema operacional em que foram baseados.

• Documentos formatados sem seguir os padrões web que podem dificultar a interpretação por leitores de tela.

• Páginas com tamanhos de fontes absoluta, que não podem ser aumentadas ou reduzidas facilmente.

• Páginas que, devido ao layout inconsistente, são difíceis de navegar quando ampliadas por causa da perda do conteúdo adjacente.

• Páginas ou imagens que possuem pouco contraste.

• Textos apresentados como imagens, porque não quebram as linhas quando ampliadas.

• Quando a cor é usada como único recurso para enfatizar o texto.

• Contrastes inadequados entre as cores da fonte e fundo.

• Navegadores que não suportam a opção para o usuário utilizar sua própria folha de estilo. Portal do SERPRO: (http://www.serpro.gov.br).

Acessibilidade e Desenho Universal


As pessoas com deficiência visual não usufruem plenamente das funcionalidades dos equipamentos disponíveis no mercado para os potenciais usuários.

Os computadores, "players", celulares e outros dispositivos eletrônicos proliferam com a produção e oferta de modelos cada vez mais simples, compactos, sofisticados e atraentes.

Esses produtos, no entanto não são plenamente acessíveis porque são projetados e desenvolvidos a partir de uma concepção referenciada em elementos e atributos que desconsideram a diversidade dos usuários, no que diz respeito às características físicas, sensoriais ou mentais dentre outras particularidades.

Os bens de consumo, os meios de comunicação, os ambientes reais e virtuais deveriam ser projetados para atender de forma ampla e irrestrita a todos ou quase todos os indivíduos, independente da idade ou habilidades individuais.

Para isso, seria necessário o cumprimento rigoroso de padrões flexíveis e abrangentes de acessibilidade baseados nos sete princípios fundamentais do desenho universal:

1. Equiparação nas possibilidades de uso: O design é útil e comercializável às pessoas com habilidades diferenciadas.

2. Flexibilidade no uso: O design atende a uma ampla gama de indivíduos, preferências e habilidades.

3. Uso Simples e intuitivo: O uso do design é de fácil compreensão, independentemente de experiência, nível de formação, conhecimento do idioma ou da capacidade de concentração do usuário.

4. Captação da informação: O design comunica eficazmente ao usuário as informações necessárias, independentemente de sua capacidade sensorial ou de condições ambientais.

5. Tolerância ao erro: O design minimiza o risco e as conseqüências adversas de ações involuntárias ou imprevistas.

6. Mínimo esforço físico: O design pode ser utilizado com um mínimo de esforço, de forma eficiente e confortável.

7. Dimensão e espaço para uso e interação: O design oferece espaços e dimensões apropriados para interação, alcance, manipulação e uso, independentemente de tamanho, postura ou mobilidade do usuário. (www.acessobrasil.org.br).

Conclusão

A informática estimula o desenvolvimento cognitivo, aprimora e potencializa a apropriação de idéias, de conhecimentos, de habilidades e de informações que influenciam na formação de identidade, de concepção da realidade e do mundo no qual vivemos.

É uma importante ferramenta de equiparação de oportunidades e promoção de justiça social. Embora seja mais desenvolvida ou difundida na área da deficiência visual, apresenta outras possibilidades de aplicação no caso de deficiências física, sensorial e/ou mental, incapacidade motora, disfunções na área da linguagem, dentre outras.

Existem projetos e iniciativas que apresentam soluções, de baixo custo e de fácil construção, com a finalidade de responder às necessidades concretas de cada indivíduo e possibilitar sua interação com o computador. É o caso, por exemplo, de adaptações de hardware ou softwares especiais de acessibilidade com simuladores de teclado e de mouse, com varredura que podem ser baixados gratuitamente via Internet: (www.lagares.org).

O custo relativo à produção e aquisição de ferramentas, equipamentos, aparelhos e materiais auxiliares é sempre problemático no que se refere à realidade brasileira, pois não existe atribuição obrigatória de ajudas técnicas. As pessoas com deficiência não contam com subsídios para aquisição de equipamentos, enfrentam barreiras de acessibilidade física e virtual e as alternativas disponíveis são pouco conhecidas e difundidas.

O que se observa é a concessão de órteses e próteses, em pequena escala, de uma forma anárquica e insuficiente para atender à demanda de uma população economicamente desfavorecida.

Até que ponto o Estado deve doar, financiar ou facilitar a aquisição de equipamentos?
Em caso afirmativo, quem deverá fazer a prescrição?
Quem e em que condições deverá financiá-las?

A partir dessas questões e apontamentos, esperamos contribuir com o debate e as deliberações da I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Referência Bibliográfica


Montoya, R. Sanchez. Ordenador Y Discapacidad ordenador y discapacidad: practicas de apoyo a las personas con necesidades educativas especiales.
Disponível em: www.ordenadorydiscapacida.net.

Rodrigues, C. L. Bessa Livro Acessível: Diagnóstico e Agenda para uma Estratégia Regulatória com o Setor Privado.
Disponível em: www.bancodeescola.com.

SÁ, Elizabet Dias. Oficina Educação Inclusiva no Brasil: diagnóstico atual e desafios para o futuro - relatório sobre tecnologias assistivas e material pedagógico.
Disponível em: www.bancodeescola.com.

Fonte: I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência: “Acessibilidade: Você Também Tem Compromisso” – Subsídios Para O Conferencista (Páginas 186 a 192). Brasília 12 a 15 de maio de 2006.

Site da Autora: www.bancodeescola.com

Elizabet Dias de Sá: Psicóloga e Educadora, Consultora na Área de Educação Inclusiva, Gerente de Coordenação do Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual de Belo Horizonte - CAP-BH,  elizabet.dias@terra.com.br, http://www.bancodeescola.com, bancodeescola@bancodeescola.com

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