Aprender com as Diferenças
Super-Blind, em...
Como tudo começou!
Super-Blind, o herói de bengala.
Mais inteligente que uma loura... mais ranzinza que uma sogra... mais veloz que o Rubinho... mais forte que o Maguila e mais cego que o Mister Magoo!
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Super-Blind, em... Como tudo começou!
Em um ano qualquer de um século idem, andando pelas ruas e ladeiras da Cidade de São Salvador da Bahia, acompanhado do seu fiel cão Morcego, um rapaz cego chamado Lui Macpos, percebeu que seu cão e escudeiro farejava algo em uma das esquinas do Pelourinho com a Baixa dos Sapateiros. Pelos latidos do seu cachorro, deveria ser algo muito estranho. O rapaz decidiu então abaixar-se para averiguar o que teria chamado a atenção de Morcego. Ao apalpar o chão, tocou numa terrina de barro com algumas coisas dentro. Levou a mão ao interior desta e foi descobrindo as coisas que haviam ali: charutos, farofa de dendê, uma garrafa de cachaça, velas, moedas e uma galinha (Que mais tarde soube que era preta, como manda a tradição dos ebós!).Não se espantou por encontrar um bozó naquela esquina, pois isso é coisa comum nesta terra de tantos Deuses e Santos! Percebeu, ao ouvir um fraco "có-có-có-có" que a galinha agonizava. O ceguinho apalpou a ave galinácea e notou que, no pescoço desta havia um corte, do qual corria um fio de sangue que em breve lhe tiraria a vida. Condoído com a situação da pobre ave, meteu uma das mãos sujas de sangue e azeite de dendê em um dos seus bolsos traseiros e, pegando seu lenço quadriculado, fez um torniquete logo abaixo do corte e assim o sangue imediatamente parou de correr. Pegou a galinha e a colocou debaixo do braço, levando-a para casa. No ônibus ouvia os cochichos e sabia que era sobre ele que comentavam, mas pouco importou-se com isso... quem tem boca é pra falar!
Ao passar pela rua em que morava, alguns gaiatos tiraram sarro com sua cara, entre risos dos demais:
Gaiato 1 - Hoje vai ter canja, hein ceguinho! Hahhahahhahahha
Gaiato 2 - Olha lá! O cego vai levar uma "galinha" pra comer em casa! Hahhahahhahahhah hahhahahhaha
Gaiato 3 - Na certa, um dos dois está doente! Hahhahahhahahhahah
Gaiato 4 - É que ele é goleiro do seu time e pegou este frango hoje! Hahhahahahhahahha hhahahahha
Todos - Hahahaha hihihihihi kkk rê rê rê rê woo woo woo quá quá quá
Como Lui era um "boa praça" e levava a vida na esportiva, apenas
sorriu com a brincadeira dos amigos e vizinhos.
Assim que conseguiu encontrar a fechadura, meteu-lhe a chave e entrou
em casa. Tirou a roupa e apenas de cueca (Para não constranger a
galinha!) entrou no banheiro e deu um banho frio na ave, lavando
cuidadosamente o ferimento no pescoço dela. Enxugou com carinho a
bichinha e a colocou sobre a pia. Pôs água numa panela para ferver e
foi até seu quarto. Quando a água ferveu, fez um café e bebeu!
Pegou duas camisas velhas e preparou um ninho em um pequeno caixote,
colocando neste a galinha. Voltou ao quarto e pegou a caixa de sapatos
que serve de "farmacinha" para procurar um frasco que havia ali e ele
sabia tratar-se de um poderoso ungüento que a Vovó Janaína lhe deixara
como herança, dizendo-lhe ser uma poção milagrosa que a bisavó dela
trouxera da África, ao ser capturada pelos guerreiros bantos e vendida
a uns portugueses que vinham para as terras do Brasil.
Por sete dias Lui tratou do ferimento e alimentou a ave no bico, dando-lhe, inclusive, papa de milho, "mingau de cachorro", rapadura ralada, mel e até água de coco. No décimo terceiro dia o corte do pescoço era apenas um sinal, pois cicatrizara completamente e ela já ousava sair do ninho. A ave recuperara a cor e andava pela casa atrás do seu benfeitor e a brincar com o Morcego, entre um cacarejo e outro.
Uma noite de sexta-feira, num dia treze de agosto, lua cheia, céu estrelado, Lui acordou com uma voz feminina que chamava por ele:
- Acorde, Lui! Preciso falar contigo! Acorde!
Apesar de nascer cego, naquele momento Lui tem certeza que enxergou muito bem as feições e o corpo daquela que o acordara.
Era uma lindíssima mulher. Cabelos longos e lisos, olhos azuis, pele negra e um sorriso encantador! Ela lhe disse, pedindo que prestasse bastante atenção ao que ouviria, pois esta noite seria especial para ele e muito importante para a humanidade:
- Meu nome é Akilah Zhenga e sou uma deusa africana. Fui Rainha do meu povo e por causar inveja à Rainha de uma tribo inimiga, fui raptada por seus guerreiros e, enfeitiçada, fui transformada na galinha preta que você salvou a vida. Seguindo meu destino, fui trazida para a Bahia num navio negreiro e acabaria imolada naquele ebó se o destino não o colocasse em meu caminho! Agora, graças ao seu enorme coração, terei a oportunidade de continuar vivendo. Embora seja uma Deusa, só posso voltar a ter forma humana quando invocada por você.
Lui - E se a invocar, poderemos conversar como agora?
Akilah - Claro! Mas apenas você me verá, ninguém mais!
Lui - Mas eu sou cego!
Akilah - Nos momentos em que me invocar, enxergará não só a mim como tudo que esteja à sua volta, enquanto eu permanecer ao seu lado!
Lui - Se tiver gente por perto, como vou falar com você?
Akilah - Nós conversaremos e ninguém nos escutará... também não perceberão que você fala com alguém!
Lui - Isso é maravilhoso, Akilah!
Akilah - Prepare-se para o mais importante!
Lui - Mais importante do que conversar contigo?
Akilah - Sim, Lui! Mais importante pois você foi o escolhido para defender a Terra e os homens das suas mazelas e desgraças!
Lui - E-eu? E como farei isso, Akilah?
Akilah - Ao pronunciar a palavra mágica, "OEOXI" ( Pronuncia-se Oeochi), você se transformará em um superherói...
Lui - Um Superherói cego? Hahhahahhahahahhaha
Akilah - Você nunca leu histórias em quadrinhos, meu rei?
Lui - Não, amiga... eu nasci cego! Hahahhahahahhahahahhaha
Akilah - Bem, há o Demolidor, Doutor Meia-Noite, Doutora Meia-Noite e até o Takion, que já foi cego e recuperou a visão. Se procurarmos é possível que encontremos mais alguns superheróis cegos!
Lui - Bem interessante!
Akilah - E tem mais... eu o transportarei para viver suas aventuras, em nome da lei, da ordem e da justiça!
Lui - É? E como fará isso?
Akilah - Transformando-me numa galinha voadora gigante e você viajará montado sobre meu dorso!
Lui - Tá ficando interessante! Hahhahhahahahhahahhha
Akilah - Quando você pronunciar a palavra mágica, eu me transformarei numa galinha gigante e você ganhará os poderes de alguns deuses africanos!
Lui - Deuses africanos? Não sei nada sobre esses Deuses!
Akilah - "OEOXI" são as iniciais desses Deuses: Oxalá, o Senhor da Criação e que defende a paz e a ordem; Exu, Senhor do Bem e do Mal. Está em todos os locais e fala todas as línguas. É a própria comunicação. É o Orixá da inteligência, do bom humor, dos amantes da vida e da boa mesa, das cores e odores...
Lui - Esse aí tem muito a ver comigo! Hahhahahhahahahhah
Akilah - É mesmo, mas deixe-me continuar! O outro "O" é de Ogum, o Orixá da guerra, divindade que forja o ferro e o transforma em instrumento de luta. Protege os filhos das demandas e dos perigos do dia-a-dia; Xangô, o Orixá da justiça, corrige injustiças e protege contra as catástrofes. É autoritário, severo, líder, mandão, político e sempre se dá bem nos negócios. Nunca acha que está errado. O "I" é de Iansã, Senhora da Alegria e dos Ancestrais. Transporta os mortos do Ayê (Terra) e Orum (Céu), fazendo-os nascer numa outra vida. É o Orixá que protege contra os desastres e acidentes. Dá coragem e impulsividade a seu filho. Tem mais algumas coisas sobre esses Deuses, mas não interessam no momento!
Lui - Como é que pode ser isto, Akilah?
Akilah - Nunca duvide das forças do Universo, Lui!
Lui - Mas eu não sei se quero isso, Akilah!
Akilah - Você não pode fugir do seu destino, Lui! Você foi escolhido para ser o mais novo defensor dos fracos e oprimidos! Esta é sua missão a partir de hoje, Lui!
Lui - Eu terei um uniforme como o daqueles superheróis dos Quadrinhos?
Akilah - Claro! Ao pronunciar a palavra mágica, suas roupas se transformarão num uniforme de superherói!
Lui - E como voltarei a ser eu mesmo?
Akilah - Acabada a missão, você novamente pronuncia a palavra mágica e reaparecerá no lugar onde estava antes, vestido com suas roupas!
Lui - Caramba!
Akilah - Só falta uma coisa para que eu possa, desta vez, ir embora!
Lui - Que coisa é essa?
Akilah - Escolher o nome desse superherói! Alguma sugestão?
Lui - Que tal, "Capitão Braille"?
Akilah - Já tem "Capitão" demais nas Histórias em Quadrinhos!
Lui - Humm! Super... super Braille?
Akilah - Não gostei, embora fosse uma linda homenagem ao Louis
Braille, né?
Lui - É... tá ficando difícil!
Akilah - Posso dar um pitaco?
Lui - Claro, minha Deusa!
Akilah - Que tal... Super-Blind?
Lui - "Super-Blind"? Que diabos é "Blind"?
Akilah - Ora, ora, Lui! Blind quer dizer, "cego"!
Lui - Ah, é? Acho que fica porreta!
Akilah - Porreta? Que é isso?
Lui - Porreta quer dizer bacana, legal, ótimo, perfeito... aqui na Bahia, Akilah!
Akilah - Ah! Bem, Lui... tenho que ir!
Lui - Não se vá! Ainda é cedo! Fique mais um pouco!
Akilah - Hoje não posso, mas sempre que chamar por mim, eu aparecerei! Basta chamar meu nome completo, "Akilah Zhenga!"
Lui - Está bem! Até mais, Akilah!
Akilah - Até mais, Lui... e não esqueça... você agora é o Super-Blind e deve atender a todo grito de socorro!
Lui - Se esse é meu dever e missão, estou pronto!
Akilah - Fui!
e assim como apareceu, Akilah sumiu na noite! Lui ficou ainda um tempo acordado, mas foi vencido pelo sono.
E assim nasceu o Super-Blind, o herói de bengala!
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FIM
Editor: Luís Campos (Blind Joker)
Revista Cego à vista
"Brincar, sorrir e sonhar, são coisas sérias!"
Edição Superpoderosa.
Salvador - Bahia - Brasil