A Semana - Opiniões
Quem pode ser professor?
A metáfora da lagarta e da borboleta
Teoricamente o exercício dessa nobre profissão deveria ser restrito às pessoas que possuíssem formação específica para atuar em sala de aula, com conhecimentos aprofundados de pedagogia, mesmo que direcionados ao trabalho com um determinado campo do conhecimento. Não é isso que acontece.
Sabemos muito bem que as carências do sistema educacional brasileiro não permitem que tenhamos mão de obra especializada em quantidade suficiente para suprir a demanda nos diversos rincões desse imenso país. Há uma evidente carência de professores em estados mais distantes dos principais centros políticos e econômicos do Brasil. Faltam educadores para trabalhar em estados menos populosos como Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins,...
Os saberes pedagógicos e as especializações disciplinares não devem ser, no entanto, os únicos indicadores capazes de orientar a contratação de professores pelas escolas. Assim como os recém-formados que ingressam nos competitivos mercados de trabalho do Sul e Sudeste do país não devem encarar as distâncias que os separam do Centro-Oeste e do Norte como empecilhos em sua busca por trabalho.
Temos que arriscar mais, superar os limites estaduais, definir novas áreas de atuação, estimular a superação profissional e promover o surgimento de novos mestres que atuem como os artífices da educação das novas fronteiras desse país-continente. Para tanto seria imprescindível que surgissem planos e projetos de apoio à atuação desses novos profissionais que previssem benefícios que os estimulassem a mudar de endereço e a conhecer e se estabelecer nessas diferentes regiões do Brasil.
Professores devem ser como maestros. São constantes as buscas que
fazem de harmonia, equilíbrio, perfeição de som, articulação equilibrada de
movimentos, elegância, ponderação e, principalmente, de maturidade.
Mas, antes que desviemos a rota das reflexões previstas para esse editorial, voltemos a uma questão fundamental:- Será que somente os conhecimentos relacionados ao trabalho pedagógico e aos disciplinares são suficientes para pautar a imagem/realidade do professorado que queremos atuando em nossas redes educacionais?
Como disse anteriormente, acredito que não.
Educadores devem possuir uma formação cultural muito mais ampla. Há as especificidades da profissão que, como dissemos, relacionam-se a didática, a metodologia de trabalho, as especializações das licenciaturas (história, geografia, matemática, letras,...), a filosofia da educação, ao conhecimento da legislação educacional de nosso país,...
Nem mesmo nesse quesito estamos indo bem. A formação de nossos professores nas universidades é deficiente e arcaica. Precisamos de investimentos que proporcionem a esse segmento de graduação uma renovação em termos metodológicos, tecnológicos, estruturais, de fundamentação e até mesmo de revigoramento do fôlego e da auto-estima.
Sinto que precisamos de um toque de mágica que permita a pobre Cinderela se transformar numa bela e encantadora princesa. Só assim a educação poderá entrar no baile de cabeça erguida, pedindo licença, fazendo-se notar, expressando suas opiniões, exercendo seus direitos de cidadania, percebendo-se digna e tornando-se referência séria e respeitada por todos.
Ouvir música, ler livros, ir a museus, assistir filmes e peças teatrais, ver
festivais
de dança e outras atividades culturais são elementos essenciais
para
a plena formação dos educadores. Não devemos nos ater somente aos
conhecimentos
específicos da profissão ou das disciplinas, temos que ir muito além deles...
Penso ainda que não é possível fazer educação de qualidade sem que os professores possuam, como reiteradas vezes afirmei, um reforçado e enriquecido embasamento cultural. Leituras e mais leituras se fazem necessárias. Atualizações do discurso e conhecimento dos cânones não apenas da pedagogia e das disciplinas, mas também da literatura, das artes, da música, do teatro, do cinema, da dança e de todas as expressões artísticas e culturais.
Devemos ler Machado, Shakespeare, Camões, Cervantes e Dickens; Temos que conhecer e apreciar as obras de Malfati, Degas, Rivera, Michelângelo e todos os grandes artistas plásticos da história; Necessitamos ouvir os acordes e as letras de gigantes como Jobim, Gershwin, Beatles, Elvis, Ellington, Armstrong,...; Precisamos saber das conquistas de Einstein, Darwin, Santos Dumont, Oswaldo Cruz, Levi-Strauss, Piaget,...; Carecemos das imagens de Truffaut, Hitchcock, Glauber, Spielberg, Antonioni, Fellini, Kurosawa,...
Sem que tenhamos contato com as principais referências culturais das diversas áreas de produção intelectual humana como podemos pretender a realização plena da educação? Não somos sem o apoio desses gigantes senão meros repetidores de conceitos e idéias, desprovidos de imaginação e de asas próprias que embalem os nossos sonhos, os melhores de nossos vôos...
Tão importante quanto possuir conhecimentos específicos, bagagem cultural
enriquecida, planejamentos bem estruturados e atualização de conhecimentos
é que o professor seja capaz de se relacionar bem com seus alunos e com o mundo ao seu redor.
Mas, não é só de referências culturais que se fazem grandes mestres, daqueles que nos acompanham por toda a vida, que fazem diferença em nossas existências. Professores inesquecíveis são também aqueles que sabem se relacionar com a vida e com as pessoas. Podem ser professores pessoas que tenham a capacidade de ajudar as lagartas a se transformar em borboletas, superando as cascas e as dores típicas dessa transição e permitindo que essas pessoas percebam que a felicidade tanto está na fase da lagarta quanto no momento da bela borboleta.
Todos somos lagartas em determinadas fases de nossas vidas. Nos sentimos um pouco feios e incompletos; nos achamos perdidos entre pessoas que aparentemente já se encontraram e que se sentem muito mais seguras do que nós. Não que realmente sejamos, enquanto lagartas, desprovidos de boa aparência ou de conhecimentos que nos permitam afirmação e reconhecimento, pelo contrário, muitas são as vezes em que temos muito com o que contribuir, a conceder.
Nesses momentos precisamos apenas da experiência, da orientação, da palavra certa e, principalmente, da companhia de pessoas que melhor entendam o mundo em que vivemos e que possam, através de seus ensinamentos, dar as diretrizes de que sentimos falta para podermos nos situar melhor em nossa existência. Professores são pessoas que devem ser capazes de dialogar, compreender, aprender, estimular e partilhar experiências que auxiliem seus pupilos a se relacionar bem consigo mesmos, com as outras pessoas e com o mundo em que vivem.
Para tanto, é necessário que os professores tenham equilíbrio e maturidade suficiente para entender as vicissitudes de seus alunos e também a grande responsabilidade que lhes foi atribuída de atuar em prol da coletividade e, principalmente, da própria educação.
Ao nos relacionarmos com nossos alunos devemos demonstrar paciência, rapidez de raciocínio, prática de pesquisa e estudo, habilidade de planejamento, perseverança, compreensão, capacidade de argumentação, presença de espírito, bom-humor, inteligência e simpatia.
Parece muito? Se você achou que as cobranças são muito grandes para que o pleno exercício da profissão aconteça, talvez a educação não seja a sua praia. Afinal de contas, para que possamos transformar lagartas em borboletas precisamos de muito mais do que instruções e livros, temos que ser, literalmente... especiais!