A Semana - Opiniões
Autoridade e Autoritarismo na Sala de Aula
Repensando a relação professor-aluno
Autoridade – sf. 1. Direito ou poder de fazer-se obedecer, de dar ordens, tomar decisões, agir, etc. 2. Aquele que tem esse direito ou poder. 3. fig. Influência, prestígio.
Autoritário – adj. relativo a autoridade; que se firma numa autoridade forte, ditatorial; revestido de autoritarismo; dominador; impositivo; a favor do princípio de submissão cega à autoridade.
Ao ser parado por policiais rodoviários no caminho de volta para casa fiquei pensando na relação que estabelecemos com a autoridade. Conceito etimologicamente demarcado a partir de um dos mais prestigiados dicionários brasileiros, fiquei pensando na origem abstrata desse direito de fazer-se obedecer e dar ordens.
No caso específico dos policiais rodoviários, civis ou militares esse poder deriva da possibilidade de apreender nossos veículos, nos multar ou mesmo de nos aprisionar. É claro que isso só pode ser feito a partir da constatação de que existe alguma irregularidade flagrante em nossos atos, caso contrário qualquer excesso de força pode ser encarado como arbitrariedade e está sujeito a revisões e processos em que os denunciantes se tornam infratores.
Refletindo mais profundamente logo entendi que aquele que tem esse direito ou poder também deve ser muito responsável e possuir uma completa e correta formação para o exercício da função. Quando isso não ocorre é que ficamos sabendo de eventuais desvios de comportamento (daqueles previstos nos regimentos internos das referidas polícias) que levam a prática de crimes e abusos por parte de quem deveria estar atuando contra a desordem, os desmandos e a bandidagem.
“Ganhar no grito” ou intimidar/pressionar a partir de ameaças, sanções e punições não
conduz a formação integral e plena dos estudantes, pois lhes ceifa a possibilidade de
aprender valores e ética ao não lhes proporcionar tratamento respeitoso e digno. Ensinamos
não
apenas conteúdos, mas também elementos e saberes essenciais a vida...
Pensei também que apesar de muitos policiais agirem com cortesia e educação em suas abordagens aos cidadãos que trafegam pelas rodovias brasileiras, há também casos em que alguns deles ultrapassam o conceito de autoridade e entram, perigosamente, numa prática de autoritarismo.
Nesses casos passam a exigir que os motoristas/cidadãos tenham que obedecer cegamente a sua autoridade. Adotam práticas e discursos dominadores, impositivos e, em certas situações, até mesmo, ditatoriais. São claros casos de atuação indevida, que ultrapassa a autoridade conferida a esses profissionais e que, certamente, deverá acarretar sanções por parte de seus superiores em caso de denúncia.
O problema é que, acuados por pressões, muitas vezes as pessoas que foram vítimas de situações constrangedoras e embaraçosas perante “autoridades” policiais preferem silenciar a denunciar e enfrentar esse autoritarismo...
Desse prelúdio de pensamento transferi essa questão para o ambiente escolar. Nada mais típico em se tratando de uma pessoa que está habitualmente locada (física e mentalmente) nesse espaço praticamente durante dias, semanas, meses e anos. Fiquei pensando na sala de aula e no contato que estabelecemos com os estudantes enquanto professores.
Somos, evidentemente, as autoridades constituídas nesse espaço. O mais interessante é que essa situação não é definida a partir de regimentos ou códigos de conduta criados pelas escolas ou secretarias de educação. Há uma ética que permeia essas relações, mas que é totalmente abstrata e tratada como inerente à profissão e ao seu correto e adequado exercício.
O diálogo, a compreensão, o entendimento e a cooperação são os melhores
caminhos
para o trabalho em sala de aula. Todos esses instrumentos depreendem
orientação,
clareza, princípios, conhecimento, inteligência e liderança (autoridade) do professor.
Tão intrigante quanto isso é perceber que a formação dos professores (a partir do magistério, das licenciaturas ou de bacharelados) também não prevê que esse assunto seja tema de aulas, palestras, trabalhos em grupo ou mesmo de leituras e lições de casa. Ou não se fala sobre isso ou se esse assunto se torna pauta isso acontece em casos excepcionais e poucas vezes é academicamente trabalhado. Há, é claro, educadores e pesquisadores que estão atentos a questão e que tornaram a autoridade tema de seus trabalhos e projetos.
Outro aspecto deveras instigante quanto à questão da autoridade do professor na sala de aula refere-se ao fato de que existem professores que abdicam parcial ou totalmente de seu direito de se fazer obedecer ou de dar ordens. E isso também é um problema muito sério, afinal de contas, há certa ordem de acontecimentos prevista para ocorrer na escola que deriva das orientações e planejamentos dos educadores.
Nesse ínterim, se o professor se mostra pouco disposto a coordenar as ações e projetos, dar as diretrizes, definir formas de agir e cobrar certos comportamentos por parte de seus alunos, como pode acontecer a aprendizagem? A escola é, claramente, um ambiente cooperativo. Sabemos que sem a anuência dos educandos é impossível efetivar o ensino. Entretanto o alunato necessita de um “guia” experiente para trafegar pela densa e complexa selva do conhecimento e se preparar para o mundo...
O professor nunca deve se impor a partir de elementos de coação (como as notas,
o controle sobre a freqüência, a possibilidade de reprovar o aluno,...). O seu
caminho deve ser o da compreensão, da troca, do entendimento. Para que isso aconteça,
ele deve sempre estar bem preparado para as aulas, ter pleno conhecimento dos
conteúdos e também criar um ambiente de respeitabilidade.
Para a função de “guia” nesse emaranhado planeta do saber é necessário não apenas que se dominem certos conhecimentos específicos... O professor tem que saber se relacionar com seus alunos, ser hábil e qualificado no planejamento das rotas que irá percorrer, capacitar-se para tornar a viagem interessante e prazerosa e também demonstrar que a sua voz é a de comando e autoridade.
Isso não significa que ele tem que gritar, impor, mostrar-se dominador ou agir de forma ditatorial. Não é necessário ser autoritário. Na verdade essa forma de agir pode até funcionar em certos casos e durante algum tempo. Há casos de escolas onde diretores e professores se fazem escutar a partir de sanções, ameaças, ofensas e virulência que são reconhecidas por possuírem comportamento exemplar de seus alunos...
Em situações extremas como a que foi descrita acima o que prevalece é uma obediência cega motivada pelo medo e não pelo respeito e consideração a princípios, idéias, ética e projetos educacionais qualificados. Quem “ganha no grito” ensina a seus alunos os piores caminhos para a vida futura, são falsos educadores que advogam em favor de práticas reprováveis que podem dar a seus estudantes, futuramente, muito mais prejuízos que lucros...
Não há fórmulas exatas para conseguir afirmar a autoridade em sala de aula. Existem caminhos interessantes e experiências pessoais que podem auxiliar os educadores na escolha de boas ferramentas para sedimentar relações saudáveis com seus alunos em sala de aula, sem excessos liberais ou autoritários. Todos esses caminhos se iniciam com o diálogo, a compreensão e passam necessariamente pelo entendimento de que não somos apenas professores de determinadas disciplinas, mas tutores que orientam escolhas e rotas de vida...
A autoridade do professor deve derivar de sua postura profissional, da firmeza com que esclarece conceitos, dos planos de aula bem pensados e produzidos, de sua capacidade de ouvir, de seus estudos e atualização constantes e da clara consciência de que, naquele espaço sagrado chamado de sala de aula, ele deve exercer um comando que demonstre sua paciência, persistência, capacidade de argumentação e diálogo e, principalmente, experiência e inteligência...