Cinema na Educação
O Jardineiro Fiel
Os “vampiros de almas” e o “continente perdido”
Quando o governo brasileiro brigou, há poucos anos atrás, com a indústria farmacêutica internacional pelo direito de quebrar patentes e baratear os custos de remédios destinados ao combate da AIDS, poucas pessoas pensaram a respeito do tamanho e poder do oponente com o qual se confrontava nosso pobre país.
Bilhões de dólares são anualmente movimentados por empresas que detêm o monopólio de fórmulas e também a primazia das pesquisas na área de medicamentos. São muito potentes e dispõe de muitos recursos (humanos, financeiros, materiais) os laboratórios e os conglomerados que representam a indústria de remédios estabelecida em países do primeiro mundo.
Esses conglomerados movimentam somas que superam o PIB (Produto Interno Bruto) da grande maioria dos países do mundo em que vivemos. Qualquer queda de braço com esses gigantes estabelece uma repetição da bíblica e mítica luta entre David e Golias. Para a sorte e esperança dos crédulos na justiça e na ética há sempre a possibilidade de acertar uma estilingada precisa entre os olhos desses assustadores oponentes...
O Jardineiro Fiel, baseado no livro do inglês John Le Carré e filmado pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles (que a cada nova produção comprova seu inegável talento e maestria em trabalhos que demonstram qualidades próprias de um habilidoso, inteligente, criativo e sedutor artesão), levanta questões relativas aos duvidosos interesses e práticas de “fictícias” empresas de grande porte do setor farmacêutico.
Remontando ao cinema político de qualidade que nos foi proporcionado por cineastas do porte de Visconti, Costa-Gravas e Pontecorvo, o filme de Meirelles costura sua trama a partir de denúncias e questionamentos, idas e vindas dos personagens, reviravoltas surpreendentes e um trabalho precioso de fotografia, edição, montagem e cenografia.
Há também um parentesco com filmes recentes, lançados a pouco tempo nos cinemas ou em DVDs, como O Informante, de Michael Mann, acerca das trapaças e negócios escusos engendrados pela indústria do tabaco a partir de suas matrizes norte-americanas.
Se não bastasse esse caráter crítico e questionador, O Jardineiro Fiel ainda nos coloca em contato com a devastadora realidade de um continente perdido, a África. Abandonada pelos países ricos, sobrevivendo à custa de doações que constituem migalhas, partilhada entre tiranos locais que nada mais são do que títeres do capital internacional, a África se decompõe e se torna cada dia mais terra de ninguém em grandes porções de seu território.
Suas reservas naturais continuam (como durante todo o século XX) sendo pilhadas pelos modernos “Pizarros” e “Hernán Cortez” em seus bem cortados ternos e com modernos celulares e notebooks. O pior, no entanto, é perceber que ocorre o esgotamento progressivo das reservas humanas. Como autênticos “vampiros de almas”, os “investidores” internacionais “sugam” o sangue, as energias e utilizam os pobres e esquálidos corpos africanos numa nova versão da escravidão dos tempos coloniais...
O que fazer? Denunciar, iniciar moções internacionais, ativar a participação das ONGs em favor do berço da humanidade, levar essa causa ao grande público e mobilizar esforços em favor dessa pobre e humilhada população. É nesse sentido que a produção de Fernando Meirelles, O Jardineiro Fiel ganha mais crédito e pertinência aos olhos do grande público. Há causas, mocinhos e bandidos, propósitos escusos e dignidade, traição e justiça (ainda que poética)...
O Jardineiro Fiel é vacina que contém poderosos anticorpos que ajudam no combate a corrupção de valores e práticas. Imunize-se! Assista já!
O Filme
Quando o diplomata Justin Quayle (Ralph Fiennes, em mais uma sóbria e elegante aparição) termina sua palestra e se prepara para responder as perguntas dirigidas a ele pelo público ali presente ele nem imagina que a história de sua vida está começando a ser reescrita. Entre as pessoas que estão no recinto encontra-se Tessa (Rachel Weisz, em premiada e exuberante atuação), a mulher de sua vida e também a pessoa que modifica completamente a sua visão de mundo.
Enquanto ele é um ascendente jovem no complexo e disputado mundo da diplomacia internacional representando a Inglaterra no continente africano, sua jovem e sedutora esposa é uma ativista política envolvida em causas humanitárias que está no lugar mais explorado e desumano do mundo.
Essa explosiva combinação entre o talento, a argúcia e o engajamento de Tessa e as desigualdades e injustiças vividas pelos africanos é o motor de uma intricada trama de interesses econômicos escusos de grandes indústrias farmacêuticas do primeiro mundo e a morte/desaparecimento de pobres e desfavorecidos “cidadãos” africanos.
A partir de suas investigações a jovem Tessa chega a descobertas surpreendentes que envolvem não apenas bilhões de dólares em investimentos em pesquisa e aperfeiçoamento de remédios pelas indústrias que atuam nesses países africanos, mas também os governos de importantes nações do mundo ocidental “civilizado”, inclusive a própria Inglaterra...
Essas descobertas condenam a militante política à morte e também a indignidade perante seu próprio e amado esposo. Quayle, que além de suas reconhecidas habilidades no campo das relações entre países, é um devotado jardineiro a combater as ervas daninhas de seu impecável quintal tem que, a partir de investigações individuais retomar a trilha de sua mulher.
A partir disso ele entra no jogo dos bilhões em busca do resgate do nome de sua esposa e da verdade que envolve a morte de inocentes paupérrimos no já devastado e desolado cenário africano. Sua cabeça passa então a valer muito para os caçadores de recompensas e suas imunidades diplomáticas são então esquecidas e invalidadas...
Sobreviva ao jogo de caça entre gato e rato. Resista à tentação dos milhões de dólares em sua conta bancária pelo seu silêncio. Prenda a respiração e assista a mais esse imperdível, fascinante e envolvente filme de Fernando Meirelles. Cinema de primeira!
Para Refletir
1- Até que ponto “os fins justificam os meios”? Lucrar não é proibido. O que não pode ser admitido é que os lucros sejam obtidos a partir de qualquer tipo de exploração humana. Escravidão, baixos salários, condições insalubres para o exercício de suas funções, horas excessivas de trabalho e tantas outras indignidades e crimes contra o trabalhador e, principalmente ofensivas a própria condição humana devem ser extirpadas do mundo em que vivemos. Isso é posição corrente assumida pelos países signatários dos tratados e convenções internacionais promovidos pela ONU. Há, no entanto, uma evidente distância entre o que está no papel e aquilo que vivemos. É justamente nesse impasse/contra-senso que o mundo se encontra. O que fazer? O primeiro passo é que sejamos mais éticos e dignos em nosso cotidiano, em nossas práticas pessoais e profissionais, nos contextos em que vivemos...
2- Num segundo momento temos que nos sintonizar com os fatos e acontecimentos do mundo em que vivemos e nos posicionar em relação às injustiças e desmandos que presenciamos ou percebemos. Não podemos continuar sendo impassíveis e insensíveis espectadores de uma realidade vil, carregada de erros, explosiva devido à intolerância, corrompida e violenta. A participação em ONGs favoravelmente a causas como ecologia, educação, cultura, combate ao preconceito, suporte aos idosos, apoio a crianças carentes, auxílio a deficientes e tantas outras nobres empreitadas não pode ser exceção, deve se tornar a tônica, prática regular em nosso cotidiano... Temos que levantar nossas vozes e articular nossas forças em favor de um mundo mais justo, harmonioso e equilibrado.
3- Na escola, enquanto educadores, temos que demonstrar a nossa indignação perante as injustiças praticadas no mundo em que vivemos. Não somos seres apolíticos, pelo contrário, Aristóteles já nos caracterizava na Grécia Antiga como “animais políticos”, articulados, cheios de idéias, mobilizados por nossas paixões. Nossos alunos têm que perceber nosso envolvimento com causas nobres, entender nossas motivações, acompanhar nossos esforços. Somente assim iremos instá-los a envolver-se numa importante, imprescindível e efetiva luta em favor do bem, da ética e da dignidade humana.
4- A África, que chamei de continente perdido, é o berço da humanidade, o local de onde se originou a vida humana. É também, pelo rumo da história que estamos vivendo, a região do planeta aonde essa vida irá, num primeiro momento, se extinguir... Estamos nos matando por dinheiro. Aniquilamos crianças, mulheres, jovens, homens, idosos e quem mais for por um pretenso progresso da ciência ou então pelo crescimento da economia mundial... É preciso abraçar a África, num esforço coletivo em favor daquele continente e de toda a vida nele contida. Não podemos continuar dando as costas aos dramas políticos, sociais e econômicos dos países pobres do continente negro. Nesse sentido um primeiro e importante passo em direção a redenção da África passa pela inclusão desse rico universo cultural nos currículos escolares e na pauta das notícias veiculadas pelos principais canais de comunicação do mundo. Temos que fazer com que da África saiam boas notícias e, principalmente, que nela floresçam novas vidas e esperanças...
Ficha Técnica
O Jardineiro Fiel
(The Constant Gardener)
País/Ano de produção: EUA, 2005
Duração/Gênero: 129 min., Drama
Direção de Fernando Meirelles
Roteiro Jeffrey Caine de baseado no livro de John Le Carré
Elenco: Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Daniele Harford, Danny Huston,
Hubert Koundé, Richard McCabe, Gerard McSorley,
Pete Postlethwaite e Anneke Kim Sarnau.
Links
- Site Oficial: www.theconstantgardener.com
-http://www.adorocinema.com.br/filmes/jardineiro-fiel/jardineiro-fiel.asp
- http://www.cinemaemcena.com.br/cinemacena/crit_editor_filme.asp?cod=2950