A Semana - Opiniões
Professores reféns ou reféns dos professores?
Idéias para libertar professores e alunos
Em seu novo livro a educadora Tânia Zagury revela, a partir de extensa e importante pesquisa alguns aspectos bastante reveladores quanto ao professorado brasileiro. Ficamos sabendo, por exemplo, que nossos educadores estão conscientes da deficiente formação pela qual passaram e que resultou em seus diplomas e licenciaturas.
O fato de existir essa consciência é significativo e relevante. Poderia ser o indício de que uma transformação da realidade educacional estaria próxima de acontecer. Afinal de contas se o principal sujeito e articulador da educação percebe com clareza que os anos de estudo pelos quais passou não são suficientes para lhe tornar totalmente apto a execução de seu trabalho... Deduz-se que esse educador irá tomar providências e se aperfeiçoar para que suas aulas melhorem a partir de novos estudos, cursos, leituras,...
Será que isso está acontecendo? E se esses cursos estão sendo realizados (como em muitos municípios e estados, com o apoio do poder público), até que ponto estão sendo úteis para a reformulação e atualização de conceitos, práticas e idéias na sala de aula? Com que freqüência um professor se preocupa em ler um novo livro que oriente sua prática pedagógica ou que coloque na ordem do dia seus saberes em sua formação específica (matemática, história, física,...)?
Outro relevante acontecimento registrado nas escolas e que certamente deteriora as condições de ensino e atrapalha a vida dos professores refere-se a uma maior necessidade de trabalho em parceria entre a escola e a família. É reclamação corrente dos professores que os pais “nadam contra a maré” por terem adotado uma postura mais liberal em relação à formação de seus filhos.
Pais e professores devem ser parceiros e devem estar de acordo quanto aos
rumos da educação de seus filhos/alunos. Nesse sentido as regras e os
caminhos do processo de ensino-aprendizagem devem ser especificados pela
escola para a família. Isso evita que embaraços e contratempos afetem essa parceria.
Esse liberalismo interfere na escola na medida em que os estudantes passam a ter, quase sempre, todo o apoio da família, mesmo que isso resulte num confronto com as orientações e opiniões da escola. Essa postura desvaloriza a participação dos educadores na formação dos alunos e coloca em xeque até mesmo a sua capacidade profissional.
Ao colocar tal questão em evidência, os professores entrevistados por Tânia Zagury, mostram que perderam a autoridade em sala de aula em virtude das interferências e desautorizações das famílias quanto as medidas que tomam, por exemplo, para disciplinar o trabalho na escola.
Conheço casos de pais de alunos que chamados às escolas reforçam atitudes contestatórias, defendem seus filhos mesmo em casos nos quais não há como isentá-los de responsabilidade (destruição do patrimônio escolar, ofensas aos professores, agressão a colegas,...) e que, não contentes com as “asas” que estão dando para seus filhos, ameaçam professores, diretores, orientadores e coordenadores de processos...
Mesmo nesse caso cabe aos educadores agir com mais pulso, demonstrando sua autoridade e fazendo valer seus direitos. No início de cada ano letivo (e se necessário a cada reunião bimestral com os pais), os diretores e professores deveriam organizar uma palestra introdutória aos trabalhos em que deixassem claros os estatutos e encaminhamentos tomados pela escola em situações extremas.
Isso é tão essencial quanto uma clara demonstração dos procedimentos e da metodologia de trabalho adotada pela escola para evitar qualquer tipo de embaraço perante os pais e os próprios alunos. Deve-se ainda, de preferência, documentar todo esse procedimento e pedir aos pais participantes que atestem o conhecimento das normativas da escola através de sua assinatura.
Os professores são aliados dos alunos e trabalham em prol de seu pleno
aperfeiçoamento
e desenvolvimento intelectual e físico. Nesse
ínterim devem ser utilizadas as novas ferramentas educacionais e
se estabelecer um ambiente de proximidade e empatia.
Pode parecer um tanto quanto radical, mas demonstra o compromisso, a energia, o envolvimento e também o quanto é profissional o trabalho educacional...
Também é destacado no trabalho de Zagury que os professores se sentem desconfortáveis por serem cobrados quanto a um melhor relacionamento com os estudantes. Dizem alguns educadores que o domínio do conteúdo de suas disciplinas deve ser o principal referencial para a análise de seus rendimentos.
O bom professor, de acordo com essa visão, é aquele que conhece tudo de biologia, geografia ou português e não aquele que estabelece um ambiente harmonioso com os alunos por compreendê-los, dialogar com os mesmos e estimular o seu estudo.
Considero que precisamos realmente aprofundar e atualizar nossos conhecimentos em nossas áreas específicas de atuação, no entanto penso que a escola deve estimular o surgimento de profissionais que estabeleçam elos de comunicação e relação com os outros profissionais da educação. Devem ser estimulados projetos interdisciplinares entre os professores, as “conchas” onde se encontram as disciplinas precisam ser superadas...
Esse é apenas um dos trabalhos que devem ser encarados pelos professores. O outro se refere à necessidade de criar vínculos com o local, as pessoas e o trabalho que realizam. Temos que gostar daquilo que fazemos, do local onde desenvolvemos nossas atividades e, principalmente, das pessoas com as quais encontramos diariamente para nossa labuta.
Temos que colocar mais cor e vibração em nossas aulas. O professor tem que
ser mais criativo. Inovação é essencial para que consigamos superar o marasmo e
o desinteresse de nossos alunos. Somente assim as escolas se tornarão
aquilo que realmente almejam, ou seja, centros de excelência.
Não é possível ficar indiferente a classes com 30 ou 40 alunos. Temos que demonstrar que estamos ali, vivos, atuando com energia e disposição e que, acima de tudo, somos aliados desses estudantes na medida em que trabalhamos pelo aperfeiçoamento dos mesmos através da mais importante ferramenta para chegarmos ao conhecimento, a educação.
Se a postura do professor é a de um técnico de laboratório lidando com bactérias ou micróbios a partir da lente de aumento de microscópios, usando luvas, máscaras e roupas que o isolam completamente de qualquer contato com o “objeto” de seu trabalho, como podemos esperar que a educação se concretize?
Há, evidentemente, aspectos destacados pelos professores que merecem revisão por parte dos governos. Um deles é o sistema de ciclos básicos que aprovam automaticamente os alunos e que levam a situações extremas em que vários desses estudantes terminam o ensino fundamental sem saber ler, escrever ou fazer cálculos matemáticos com a precisão e competência que deveriam. Não temos preparo e cultura para lidar com uma proposta dessas no Brasil no atual momento de nossa história.
Falta aos nossos professores maior autonomia e criatividade para reverter os problemas do sistema, os empecilhos que são colocados em seu caminho. Sei que não é fácil, mas é possível.
Percebo que precisamos demonstrar mais desprendimento e força quando vejo que os próprios professores reconhecem que os alunos carecem de maior motivação para as aulas. Nesse momento temos que reconhecer toda a nossa enorme carga de responsabilidade para “virar o jogo”, ou seja, cabe a cada educador, no exercício de seu planejamento e, posteriormente de suas aulas, mudar completamente esse panorama.
Para isso temos que renovar nossas práticas. Socializar os bons procedimentos e resultados. Ler as inovações divulgadas pela Internet ou em revistas especializadas. Buscar apoio em bibliografias recentes. Melhorar nossos conhecimentos específicos. Dialogar com outras disciplinas. Criar pontes entre as matérias através de projetos. Ter ousadia para tentar e testar novas alternativas. E se errarmos, não temer novas tentativas...
É por conta de atitudes e situações como essas que me pergunto até que ponto o título do livro de Zagury é realmente representativo da realidade educacional brasileira. O livro se chama “Professor refém” e fico pensando se não seria melhor “Professor refém e (alunos) reféns dos professores”... Temos que nos libertar dessas pechas e nos tornarmos professores que emancipam, que renovam, que revolucionam...