A Semana - Opiniões
As quatro estações
Aprendemos mais que conteúdos na escola
Primavera é tempo de beleza, de sintonia e de realização.
Digo com freqüência aos alunos com os quais trabalho que nossas aulas são grandes oportunidades. Amplio o raciocínio explicando que não teremos outra chance de nos encontrarmos para abordar tais temáticas e, principalmente, para nos relacionarmos. Quando falo em relações humanas com os estudantes desejo explicitar a idéia de que os debates realizados nas escolas não apenas exploram temas relativos as disciplinas lecionadas por cada professor. Em cada encontro as possibilidades extrapolam os conteúdos e ampliam-se de forma a abordar nas conversas e explanações a própria essência do que significa ser humano.
Digo a eles que vivemos, nas escolas, as estações do ano. E explico que, como o verão, o inverno, a primavera e o outono, há princípio, meio e fim nesses ciclos. Ao me posicionar dessa forma quero lhes dizer que, apesar de muitos não pensarem nisso, esses encontros um dia cessarão e não nos encontraremos mais, ao menos nessa condição de mestres e aprendizes.
Deixo claro também que a educação ocorre sempre nos dois sentidos, ou seja, que os estudantes aprendem com os educadores assim como nós, professores, estamos sempre incorporando novos conhecimentos a partir de nossos encontros com os alunos. Não é uma rua sem saída, nem tampouco deve ser um monólogo o trabalho em sala de aula.
Isso não quer dizer que todos os professores pensam dessa maneira. Acredito que há muita gente na educação que compartilha esses princípios, senão na forma como foram apresentados, ao menos crendo que estamos ligados, pelo menos durante algum tempo, por um cordão umbilical aos estudantes, lhes fornecendo “alimentos” que permitam crescimento sadio, integral e pleno de seus corpos e mentes.
Inverno é tempo de recolhimento, auto-conhecimento e superação.
Quando me refiro às estações ao me dirigir aos estudantes explicitando a minha compreensão de nossos encontros em aula, entendo que há momentos em que vivemos situações de maior envolvimento como no quente verão, etapas de maior recolhimento que seriam os invernos, encontros de rara beleza caracterizados como a estação das flores, a primavera, e períodos de reflexão e maturação de tudo o que foi aprendido, que poderiam ser comparados com o outono.
Nem sempre sinto que sou compreendido pelos alunos quanto ao que estou lhes dizendo no tocante as quatro estações que vivenciamos em nossas aulas, principalmente quando os encontros ainda estão acontecendo. Há, evidentemente, estudantes que entendem a riqueza dessas reuniões periódicas desde o princípio de nossa relação na escola e que, em função disso, querem aproveitar cada minuto e momento de nossas aulas.
O mais interessante é que eles prolongam essa relação para além da sala de aula. Nos procuram nos intervalos, nos cumprimentam e conversam conosco fora do ambiente escolar, demonstram todo o apreço e carinho que sentem por nós até mesmo depois de terminados os nossos cursos. Aliás, essa é uma das lições que lhes procuro passar durante as estações que vivemos conjuntamente, ou seja, termina um ciclo, encerra-se o compromisso letivo, mas o principal legado disso tudo, o respeito e a amizade, a consideração e o apreço, esses são para sempre...
Outono é tempo de recolher as folhas, de refletir e amadurecer.
A grande maioria dos alunos só entende o valor dos encontros e dos ensinamentos depois de algum tempo, muitos deles apenas quando nossas primaveras e verões já se encerraram. A situação em questão é bem parecida com a própria relação que se estabelece entre pais e filhos, especialmente durante a adolescência e a fase inicial da vida adulta, quando o que dizem os progenitores parece “careta”, sem sentido ou desprovido de valor.
Passam-se alguns anos, os filhos amadurecem, a distância dos pais alimenta uma saudade indescritível de momentos felizes vividos na infância e os ensinamentos dados pela família começam a fazer sentido e a se concretizar na prática de vida das novas relações criadas por esses jovens.
Com os professores os ensinamentos também só passam a fazer sentido, em muitos casos, somente depois de algum tempo. Isso ocorre quando os estudantes se dão conta, na fila do banco, no exercício de sua profissão, ao ler um jornal, ao fazer uma especialização profissional ou ao lidar com os próprios filhos, que tal professor lhe ensinou ou aconselhou a pensar ou agir de uma maneira específica e que, naquele instante, tudo passou a fazer sentido, a ter lógica, a se encaixar como as peças de um maravilhoso quebra-cabeças.
Verão é tempo de calor, amizade e envolvimento.
Educar é, fundamentalmente, um ato de amor e de doação. Isso não quer dizer que somos, enquanto educadores, apenas bons samaritanos querendo realizar uma importante e imprescindível missão. Somos também profissionais e, ao nos posicionarmos dessa forma, assumimos perante a sociedade os nossos compromissos assim como deixamos claro que estamos preparados para o exercício competente dessa atribuição fundamental.
Não podemos, no entanto, deixar de destacar que há poesia em nossa realização profissional. Que ao ensinar estamos cuidando de jardins e permitindo que belas flores e plantas possam crescer com força, em seu total esplendor, deixando que todos sintam seus maravilhosos odores e que, a beleza desse canteiro florido e verde possa sensibilizar e fazer melhor o mundo em que vivemos.
Pode parecer apenas ilusão. Para alguns tudo não passa de compromisso. Há professores e alunos que encaram a sala de aula como obrigação e nada além disso. Não posso interferir na opinião alheia, não tenho forças para ir além das palavras que expressam a minha visão de mundo e de educação, mas posso dar um exemplo que me parece bastante pertinente quanto à necessidade de encantamento com o trabalho educacional.
Faço parte de um grupo de pesquisa na PUC-SP, sob a batuta afinada da professora Ivani Fazenda, ao qual ingressei recentemente, que tem como foco a Interdisciplinaridade. Trata-se de um grupo privilegiado de pessoas, entre as quais alguns já são doutores, outros estão estudando e preparando suas dissertações e teses. Todos estão trabalhando em boas universidades e há aqueles que já publicaram livros. Não existe, porém, vaidade e animosidade no grupo, pelo contrário, prevalece a cortesia, o respeito e a consideração entre as pessoas.
A fonte desse bom ambiente é, sem dúvida alguma, a própria professora Ivani. Dona de um currículo invejável, autora de vários livros, organizadora de congressos e seminários nacionais e internacionais sobre Interdisciplinaridade, considerada por muitos como uma das maiores autoridades no assunto, no Brasil e no mundo, Ivani é simples, sincera e comovente na sua capacidade de se doar, de presentear o mundo com seu conhecimento e presença.
Seu primeiro ato em cada aula é a evidência mais clara de sua grande bondade e carisma. A cada novo encontro a professora abraça cada um dos participantes numa autêntica celebração de mais uma oportunidade única que acontece na sala de aula...