A Semana - Opiniões
Honestidade é um mau negócio?
Brasil, o país das picaretagens
Nada de dois pesos e duas medidas,
a lei tem que ser
igual e justa em relação a todos.
Quando uma criança pergunta aos pais se vale a pena ser honesto em nosso país estamos diante de um sintoma grave da falta de credibilidade de um dos pontos essenciais de nossos princípios éticos. Se essa criança aponta o dedo em várias direções e enumera casos de pessoas que agiram de má-fé, burlando as leis e, dessa forma, prejudicando pessoas honestas e trabalhadoras, decentes e dignas, o que podemos fazer?
Se esse caso é apresentado em cadeia nacional de televisão, através de uma novela de sucesso, atingindo grande parte da audiência brasileira, inclusive muitas crianças e adolescentes que estão despertos e diante da TV nesse horário, quais são as repercussões?
Será que pelo fato de estarmos falando de uma peça de ficção podemos desqualificar as colocações e idéias apresentadas na cena em questão, interpretada por Cláudia Abreu e Marina Ruy Barbosa (respectivamente Vitória e Sabina na novela), e pensar que tais coisas são fruto apenas da imaginação e criatividade de um experiente autor de telenovelas?
É nesse momento que resgatamos outras imagens, também veiculadas pela televisão (além de divulgadas através de rádio, jornais, revistas, Internet,...), em que vemos os deputados absolvendo seus pares no Congresso Nacional mesmo diante de provas irrefutáveis de criação de esquemas de obtenção de recursos para financiamento de campanhas eleitorais sem a apresentação de informações aos órgãos competentes, numa evidente utilização de Caixa Dois...
Também é a partir dessa situação que nos perguntamos sobre os acontecimentos relativos às CPMIs (Comissões Parlamentares Mistas de Inquéritos) que trouxeram a tona acusações gravíssimas e que estão em seus procedimentos finais encerrando as atividades com um grande rodízio de pizzas...
Quem foi realmente punido diante de tantas acusações e provas de
Caixa Dois ou
contas no exterior auferidas pelas recentes Comissões Parlamentares
de Inquérito que apuraram os escândalos relacionados aos Correios e aos Bingos?
A partir de outra peça de ficção resgato uma colocação que me pareceu bastante pertinente para a elaboração desse texto. Trata-se de um slogan que acompanhava uma propaganda de um seriado norte-americano veiculado num canal de televisão a cabo. Seus dizeres eram aproximadamente os seguintes: “não há nada mais perigoso que um homem honesto”.
Quando vi essa colocação pensei a respeito de tudo aquilo que estava acontecendo em nosso país, me lembrei da passagem da novela, resgatei as acusações contra membros do staff do governo federal, fui atrás de informações sobre os escândalos envolvendo o PT (e seus aliados) e o PSDB, voltei no tempo em busca de reminiscências sobre acusações contra Quércia e Maluf,...
Estupefato, concluí que nos casos da vida real as punições aplicadas, apesar de provas e indícios mais que relevantes, não aconteceram ou, se efetivadas, não representaram perdas significativas para nenhum dos implicados.
Foi então que verifiquei as pesquisas de intenção de voto para as eleições desse ano de 2006. Totalmente decepcionado fiquei sabendo que Quércia e Maluf estão na corrida para o Palácio dos Bandeirantes e que, juntamente com Martha Suplicy (também as voltas com processos e pendências judiciais de seu tempo como prefeita de São Paulo) estão entre os possíveis eleitos para o governo estadual paulista.
O voto é um importante elemento para que se efetivem governos sérios, justos e
ponderados em suas propostas e realizações de governo. Honestidade é elemento
básico e fundamental em nossas escolhas para os cargos eletivos. Pense e
pesquise muito antes de dar seu voto a qualquer candidato, verifique seu histórico
de lutas e responsabilidade social, busque informações sobre sua idoneidade e seus projetos...
No âmbito federal acompanhamos nos últimos dois meses uma significativa recuperação do prestígio do presidente Lula e, consequentemente, a elevação dos seus índices na corrida pela reeleição. Se fôssemos às urnas hoje ele estaria sendo confirmado para um segundo mandato. Seria justo esse acontecimento?
As denúncias, os erros, os desmandos, o enriquecimento, o caixa dois, as contas no exterior, as medidas populistas para angariar rápido apoio popular e tantas outras práticas e conseqüências relacionadas aos governos municipais, estaduais ou mesmo ao federal estão sendo novamente esquecidas ou relevadas a segundo (terceiro, quarto,...) plano entre os eleitores.
Há, até mesmo, muitas pessoas que acham (e dizem) que se estivessem em posições de comando político agiriam da mesma forma, ou seja, buscariam os benefícios pessoais oferecidos por empresas que conseguem polpudos acordos/contratos com os governos. É a comprovação da Lei de Gérson, aquela que diz que temos que levar vantagem em tudo (e que tanto prejudicou a vida do ex-jogador de futebol Gérson, que dizia uma frase nesse sentido em uma propaganda de cigarros, no final dos anos 1970).
Ser honesto no Brasil virou, aparentemente, um mau negócio. A honestidade é sinônimo de inocência, candura e, entre os brasileiros, está cada vez mais associada a pessoas consideradas tolas, sonhadoras, idealistas ou iludidas. O que podemos fazer para reavivar o sentido da decência e da idoneidade entre o nosso povo?
Na novela da TV Globo a resposta dada por Vitória (Cláudia Abreu) a sua filha Sabina (Marina Ruy Barbosa) contrariava a idéia generalizada de que quem é honesto é tolo e facilmente enganado. Dizia a jovem mãe que apesar das situações comentadas darem à impressão de que o prejuízo é sempre dos justos, no final as mentiras e arbitrariedades praticadas pelos desonestos teriam alguma punição. Ao menos na teledramaturgia é isso que deve acontecer...
O que queremos legar para as futuras gerações? Não é um mundo mais justo,
equilibrado e honesto? Onde imperem a fraternidade, o amor e a
cooperação?
Até quando teremos que conviver com contra-exemplos do que
esperamos para o futuro de nossos herdeiros?
Continuo acreditando nisso, caso contrário nem me atreveria a colocar esse assunto em pauta através de nosso editorial. Penso que mesmo que essa justiça tarde (e como o judiciário é lento e moroso em nosso país!), ou ainda que não venha a se configurar nenhuma punição a esses desmandos e desvios que prejudicam tantas pessoas, ao menos a chamada justiça divina há de ser aplicada...
É claro que estou articulando uma esperança e, ao mesmo tempo, minha indignação pessoal (compartilhada por muitas pessoas com as quais convivo e me relaciono) através dessas linhas. Não perco, porém, a expectativa de que nossa história sofra uma considerável reversão não apenas no campo político, mas também no que se refere à ética pessoal de cada cidadão brasileiro.
Se olharmos a fundo, por exemplo, a corrupção endêmica do setor público nacional, temos que nos lembrar que por trás de cada ato de corrupção envolvendo os políticos brasileiros há empresários inescrupulosos oferecendo vantagens e propinas significativas para bancar campanhas e, principalmente, o enriquecimento ilícito dos agentes do poder público.
Em alguns países do Oriente Médio cortam-se as mãos dos ladrões que se apropriam de bens ou recursos pertencentes a terceiros. Se aplicássemos essa regra em nosso país é muito provável que tivéssemos atrás das grades não apenas políticos manetas, mas também muitos donos de empresas que prestam serviços a governos de cidades, estados ou até mesmo do país.
Até quando teremos que conviver com a corrupção endêmica em nosso país?
Quanto
custa tanto desvio de dinheiro público para os bolsos de terceiros?
O que já foi feito efetivamente para extirpar esse terrível mal que empobrece nossa população?
Não estou advogando a adoção de tais práticas no Brasil, mas acredito que as mazelas sociais e o grande desnível sócio-econômico têm, entre suas origens, as picaretagens praticadas por nossos representantes no poder público. Sanear a máquina pública é, portanto, tão necessário quanto criar sistemas de esgoto e saneamento eficientes em nossos municípios. Só assim poderemos pensar em extirpar ratazanas, baratas e outros agentes que disseminam entre nós as maiores de nossas doenças, aquelas de caráter social e econômico.
Quero viver num país onde meus filhos (e outras gerações de minha família) e todos os brasileiros possam acreditar na honestidade, vivenciá-la sem que sejam vistos como portadores de uma doença grave e que, ao seu redor, em todos os cantos e lares, todos possam se sentir bem em agir com justiça, equidade, princípios e ética.
Penso que o slogan veiculado pelo seriado de televisão acerta ao dizer que um homem honesto é um perigo em potencial. Sinto-me dessa forma e conheço muitas outras pessoas que, como eu, através de sua idoneidade, querem mudar (para muito melhor) esse país. Por isso somos tão perigosos...