Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Escrever é preciso
Vamos resgatar o lápis, o papel e a borracha

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A televisão tem nos mostrado há algum tempo uma propaganda em que um homem está sentado à frente de um computador, trabalhando num escritório, solitário, cumprindo horas extras. Depois de alguns segundos a câmera se aproxima desse sujeito que ergue as mãos e tem o teclado do computador colado aos seus dedos.

O ano passado estive em sala de aula com alguns colegas de curso na PUC, em São Paulo, que preferiam utilizar computadores de mão (handhelds) do que anotar em cadernos o que era discutido com os professores e com os outros alunos. Alguns tinham, inclusive, teclados portáteis, daqueles dobráveis, para facilitar a sua digitação.

Ao dar aulas no Senac em Campos do Jordão constatei que alguns estudantes levam notebooks para a sala de aula e utilizam essas máquinas para anotar os conceitos e idéias que estamos trabalhando. Há, paralelamente, uma quantidade considerável de estudantes que não se dispõe a fazer qualquer anotação em seus cadernos mesmo não tendo computadores portáteis em suas mãos.

Também escuto reclamações freqüentes dos alunos quando realizamos atividades que demandam produções escritas sem a utilização de computadores. Enfim, parece que estamos nos “plugando” em definitivo as máquinas, numa junção que aparentemente é para sempre.

Longe de mim qualquer crítica ao advento das Tecnologias de Informação e Comunicação ao âmbito escolar. Sou usuário dessas máquinas e sei do potencial das mesmas, das possibilidades ensejadas pela utilização inteligente e planejada de computadores, Internet, CD-ROMs e demais equipamentos.

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Handhelds (computadores de mão) e notebooks (computadores portáteis)
estão entrando nas salas de aula e suprimindo a escrita por parte dos estudantes.

Sei que estamos embarcados numa viagem sem volta em direção ao futuro e que a tendência é que a cada novo dia se incorporem ao nosso cotidiano novas tecnologias, cada vez mais impressionantes e facilitadoras para a vida humana. Temos, porém, que ter certos cuidados quanto à formação de nossas futuras gerações, admitindo a utilização desses novos recursos sem que abandonemos conhecimentos anteriormente adquiridos e que possuem grande valia.

Penso, como analogia, nos grandes navios dotados de tecnologia de ponta, equipamentos de última geração e técnicos totalmente preparados para o manuseio desse instrumental. Sei que entre eles é fundamental que ainda se saiba utilizar ferramentas elementares para a prática náutica como a bússola ou os quadrantes. Também faz parte da formação básica de alguns desses tripulantes a identificação dos caminhos a partir da orientação das estrelas...

A preocupação da marinha mercante ou bélica é que uma eventual falha dos sistemas eletrônicos possa ser suprida a partir da ação inteligente de seus marinheiros. O que aconteceria se esses navios estivessem em alto mar e seus computadores simplesmente apagassem? Sem os conhecimentos acerca das estrelas ou da bússola será que eles chegariam incólumes em casa?

Já pensaram no que aconteceria se num futuro próximo a educação pautasse suas ações exclusivamente na utilização das maravilhas da tecnologia e suprimisse o uso de lápis, caneta e borrachas em sala de aula?

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O encontro com o papel e o lápis (ou a caneta) enseja a sensibilidade, demanda
um necessário encanto, realiza a mágica que cria elos que tendem a ser
indissolúveis na relação entre os homens e as letras.

Espero que isso não aconteça. Os casos que mencionei no início desse artigo se referem às minorias dentro das salas de aula em que estive. Existem escolas que estão investindo alto na transição para a adoção massiva de computadores e Internet em sala de aula.

Preocupo-me com essa atitude se ela estimular um abandono ainda maior da atividade da escrita à mão. Suprime-se através dessa prática toda a poesia, o charme e a sensibilidade que envolvem o encontro entre o homem, o papel e o lápis.

É como a questão do livro eletrônico, ou seja, é irremediável o seu advento, mas os puristas ou saudosistas (entre os quais me incluo), como dizem alguns, teimam em advogar em favor dos livros impressos. Alegam esses amantes dos livros que não há prazer maior que sentir o cheiro das páginas, virar cada uma de suas folhas em busca de idéias, histórias, fascínio, diálogo...

Escrever também demanda paixão e romance. É como o encontro com a pessoa amada. Se esse romance é virtual não envolve o tato, o olfato, o cruzamento dos olhares, os abraços e afagos cheios de carinho, os beijos calorosos ou as intimidades ardentes. Não é possível comparar real e virtual justamente por questões como essas.

Tenho visto histórias de pessoas que namoraram a distância, se encontraram algumas poucas vezes e se casaram. Espero que sejam realmente felizes, mas acredito que falta todo aquele tempero do namoro, dos encontros na porta de casa, das idas a danceterias ou restaurantes, do escurinho do cinema,...

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Escrever é preciso e errar faz parte do jogo. Quando escrevemos com nossos
lápis ou canetas podemos parar e analisar, rever e corrigir e, dessa forma,
humanizar nossa relação com a escrita e com a própria vida.

Quando escrevemos no papel erramos, corrigimos, alteramos, repensamos e, por vezes, amassamos o papel e jogamos no lixo. Atualmente parece pecado ou, corrigindo minha terminologia, politicamente incorreto, errar. Nesse sentido o computador faz um serviço mais limpo, pois permite a imediata revisão ou anulação do erro sem que ninguém nem ao menos saiba que ele aconteceu...

Errar também significa vagar, andar pelo mundo, conhecer seus atalhos, desvios, estradas oficiais ou picadas no meio da mata. Quando erramos temos a oportunidade de atentar mais e mais para nossas falhas e, evidentemente, evitá-las em outras oportunidades.

Por esse prisma o papel ganha importância e brilho já que têm aliados que permitem a correção de nossos desvios e enganos. As borrachas e corretivos foram criados justamente por esse motivo.

Se não bastasse a possibilidade do erro que temos que continuar tendo ao nosso alcance, vale lembrar que a utilização dos meios eletrônicos de comunicação tem cometido verdadeiros crimes ao bom uso de nosso idioma, o português.

Abreviações, palavras reinventadas, supressão de termos, abandono das regras de pontuação ou esquecimento de acentos gráficos são apenas algumas das realidades do mundo virtual em sua relação com a língua portuguesa. Quando se trata de utilizar comunicadores instantâneos a situação fica ainda pior. Sou usuário desses recursos, preocupo-me em relação a sua utilização pelo fato de que na maioria das vezes em que recebo mensagens através do Messenger ou do Skype há alguns enigmas na linguagem que me obrigam a buscar na memória minhas aulas sobre hieróglifos...

Até mesmo o aperfeiçoamento de nossa literatura, com o surgimento de novos talentos passa pelo encontro inicial dos futuros escritores com o lápis e o papel. Sei que em etapas posteriores, como no meu próprio caso, a utilização dos computadores facilita a digitação de textos, artigos ou pesquisas, mas para um bom escritor o romance com as letras começa necessariamente com o primeiro beijo, ou seja, através da utilização da bússola e da leitura das estrelas...

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