Planeta Educação

Diário de Classe

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Grafitismo educacional
Aprendendo com técnicas que surgiram na Pré-História

Imagem-de-desenho-em-grafite
O Grafite convida a reflexão. O que é? Qual o significado? Que motivação
teve o artista? Há uma ideologia por trás dessa imagem? Aonde quer
chegar o realizador dessa arte com a pintura proposta? Por que não
utilizar essa arte como mote para o trabalho em sala de aula?

A arte nas paredes é uma das mais antigas formas de expressão do saber humano. As pinturas rupestres encontradas em cavernas por paleontólogos, arqueólogos e historiadores demonstram que a partilha de idéias, sentimentos e histórias de vida através da produção de painéis pintados em paredes é uma efetiva e milenar forma de expressão.

O passar do tempo aperfeiçoou ainda mais essa arte/forma de comunicação. Nas grandes civilizações da Antiguidade, especialmente no Egito, Grécia e Roma, a utilização de variadas técnicas (mosaico, pintura, escultura) auxiliou a perpetuar as paredes como autênticos ateliês demonstrativos da cultura de cada um desses fantásticos povos.

As contribuições de gregos, egípcios e romanos em áreas do conhecimento como filosofia, política, teatro, literatura, gastronomia, direito, arquitetura ou mesmo o cotidiano da vida em suas terras tornaram-se conhecidas em detalhes também em função da existência desses grandes painéis esculpidos, pintados ou montados com pequenos pedaços de pedra de diferentes cores.

A utilização das paredes como monumentos artísticos manteve-se em diferentes bases durante o medievo e a modernidade. O surgimento de novas técnicas, recursos, meios e espaços acabou tornando a utilização desses espaços, anteriormente muito mais comuns como base artística, menos comum, mais rara.

Painel-de-Diego-Rivera
Conheci os painéis de Diego Rivera quando tinha apenas 12 anos, em visita a
cidade do México. A qualidade, a beleza e o poder daquelas grandes pinturas nas
paredes de prédios públicos da capital mexicana nunca mais deixaram minha memória.

É claro que tal trabalho artístico nunca pereceu. Mesmo porque surgiram artistas interessados em transportar para as paredes, em murais públicos ou privados, idéias fabulosas que saíam de sua imaginação, pesquisa ou estudo. Não é possível desprezar, por exemplo, o teto da Capela Sistina, maravilhosamente pintado por Michelangelo ou ainda os belíssimos painéis que retratam a história do México, produzidos por Diego Rivera.

No período atual, na transição do segundo para o terceiro milênio, com a exponenciação técnica e a criatividade humana explorando cada palmo de terreno possível para a produção artística (desde o espaço virtual até a pintura no próprio corpo humano), ocorre o resgate da arte nas paredes, num autêntico “revival” da pintura rupestre, consolidando-se o grafitismo como linguagem artística urbana.

Mas, como podemos transpor essa produção artística para o ambiente educacional? As possibilidades de utilização do grafitismo ou da pintura em paredes/murais restringem a educação ao estudo da arte? Como inserir a matemática, a história, as ciências, a geografia ou o estudo das línguas a utilização do Grafite?

Inicialmente penso que alguns professores tenham se assustado com a proposta por pensarem que estamos sugerindo que os alunos pintem as paredes externas ou internas das escolas. É claro que essa é uma possibilidade interessante e não deve deixar de ser levada em consideração. Há, inclusive, registro de projetos de tal natureza em escolas brasileiras e estrangeiras.

Num caso como esse seria interessante que toda a escola participasse e tivesse espaços destinados a sua produção artística nesses grandes murais encontrados nas paredes brancas e pálidas das escolas. Isso, evidentemente, já causaria uma considerável transformação do ambiente insosso e sem graça das escolas brasileiras. Além do mais, o movimento, a energia, a agitação e a própria expectativa causadas levantariam muito o astral de alunos, professores e demais membros dessas comunidades educacionais...

Imagem-de-Capela-Sistina -de- Michelangelo
Entre as obras-primas concebidas pelo gênio de Michelangelo está a Capela Sistina
e todo o retrato da história cristã com base nos relatos bíblicos. Divino e
inspirador quadro da fé, a produção do grande renascentista italiano
é uma das mais conhecidas obras de arte do mundo.

Mesmo levando-se em conta essa alternativa de trabalho com grafites ou pinturas em grandes murais/paredes, a proposição inicial que trago através desse artigo para a coluna Diário de Classe é um pouco mais modesta.

Imagino que os painéis possam ser grandes folhas de papel em branco, dessas que utilizamos em flip-charts para dar aulas. Penso que esses espaços de alvor são chamamentos à criatividade, clamando por preenchimento com idéias, pedindo a intervenção de nossos alunos através da arte em algumas de suas diversas e ricas formas.

É claro que as propostas de trabalho envolvendo a produção dos grafites/murais têm que, necessariamente, ter uma coordenação, uma orientação, ou seja, um projeto de ação e realização. Nesse sentido o planejamento das atividades por parte dos professores é essencial. Notem que me refiro aos educadores no plural. Isso também é digno de nota, pois o ideal é que atividades como essas motivem a aproximação e o trabalho conjunto e compartilhado entre diferentes tutores.

É nesse momento que devem ser levadas em consideração as possibilidades de efetivação de trabalhos interdisciplinares. Podem ser inseridos no contexto de uma produção como essa saberes como a literatura, a história, a geografia, a matemática ou as ciências com ganhos para todas essas áreas do conhecimento. Evidentemente isso traria repercussões positivas para o trabalho de cada um dos mestres que estivessem envolvidos nesse trabalho.

Imagem-de-pinturas-em-paredes-da-Antiguidade
A pintura em murais/paredes foi uma das mais eficientes formas de comunicação
da história dos povos da Antiguidade. Egípcios, gregos e romanos, por exemplo,
deixaram preciosos registros através dessa arte e possibilitaram que através do
estudo criterioso e da pesquisa aprofundada o trabalho dos pesquisadores
atingisse resultados expressivos para a compreensão de seu cotidiano e de sua cultura.

Os primeiros aspectos positivos seriam a própria aproximação e interação entre as disciplinas e as pessoas responsáveis por elas. Quantos de nós, profissionais da educação, trabalhamos lado a lado com pessoas que poderiam compartilhar experiências, dividir sonhos, implementar o trabalho em sala de aula e, principalmente, ajudar a melhorar a qualidade da educação no país e nem ao menos os conhecemos direito...

A experiência compartilhada ajudaria também a aprender, de forma mais lúdica e divertida um pouco mais de conteúdos com os quais temos pouco ou nenhum contato. Imaginem então o que isso representaria para os estudantes...

Entretanto, é importante salientar que não é possível realizar tal trabalho sem planejamento e organização que orientem a ação tanto dos alunos quanto dos próprios professores envolvidos. Nesse sentido devem ser estipulados aspectos essenciais do projeto como materiais utilizados para a composição dos painéis (tintas, papéis recortados para simular mosaicos, colagens, canetas coloridas, lápis de cor, giz de cera,...), temas trabalhados a serem concatenados (história, geografia, cultura, arquitetura, ciências), grupos responsáveis pelas produções, tempo destinado ao trabalho, formas e locais de exposição, avaliações relativas à produção, descritivo do trabalho,...

Imagem-de-pintura-rupestre
Perpetuar a história, reviver momentos de glória, lamentar as dores e derrotas,
explicar idéias, demonstrar sentimentos, relatar o cotidiano e tantas outras
possibilidades revelam-se através da arte. A pintura rupestre registra os
primeiros passos da humanidade nesse sentido, de certa forma podemos
dizer que esses afrescos seriam os primeiros grafites...

Antecedendo a produção dos estudantes seria interessante que as aulas de artes abordassem as produções similares ao grafitismo produzidas ao longo da história pela humanidade. Paralelamente as aulas de história poderiam explicar aspectos de suas temáticas utilizando das produções em painéis/paredes pelos artistas de cada época/civilização.

Complementando o trabalho de artes e história a apresentação de mapas em geografia, projetos arquitetônicos em matemática, simulações em física ou química, aspectos do corpo humano em biologia ou imagens da fauna ou da flora produzidas por naturalistas europeus que vieram às Américas durante o período colonial poderiam municiar as aulas e motivar o surgimento da arte a ser produzida pelos próprios estudantes.

A utilização das imagens não exclui, é claro, a utilização das palavras a expressar idéias, sentimentos ou conceitos paralelamente a exposição artística. Na realidade o que se espera é que as palavras de grandes escritores, filósofos, cientistas, poetas, artistas, dramaturgos, cineastas, políticos, educadores ou dos próprios alunos componham (ou não, dependendo da orientação do projeto) juntamente com as imagens um quadro mais definido e claro da proposta de trabalho e das idéias dos realizadores.

O mais importante nesse projeto é criar canais que possibilitem ao estudante representar idéias aprendidas e estudadas. Ao dar-lhes uma voz diferenciada, utilizando a arte como expoente de seus pensamentos e saberes aprendidos, estamos permitindo que esses estudantes saibam mais, aprendam de forma mais prazerosa e que, também, nos permitam conhecer-lhes muito melhor. Justamente como fazem os historiadores, arqueólogos e antropólogos quando examinam as produções dos povos antigos...

Avaliação deste Artigo: 3 estrelas