Planeta Educação

Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Machuca
O encontro de dois mundos

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O atual cinema latino-americano tem feito grande sucesso mundo afora. A repercussão de filmes produzidos no Brasil, México, Argentina, Chile e alguns outros países pode ser percebida pelo crescimento de público dentro dos próprios centros que os realizaram quanto fora, em mercados estrangeiros. Outro indicativo interessante são as críticas positivas escritas pelos analistas de cinema das mais diversas nacionalidades, entre os quais podemos destacar europeus e norte-americanos. Se não bastasse tudo isso, também as premiações internacionais são demonstrações do atual momento vigoroso e resplandecente pelo qual a indústria cinematográfica “cucaracha” tem passado.

“Machuca”, do diretor Andrés Wood, uma co-produção chilena e espanhola, é mais um título a ser destacado nessa vitoriosa safra do cinema latino-americano. E é muito importante que possamos nos ater momentaneamente ao brilho das produções locais para que tenhamos condições de entender o que leva ao surgimento de um grande filme. Essencialmente a base de uma película diferenciada está no roteiro e, obviamente, na história a ser contada.

Não basta, no entanto, que essa primeira etapa seja bem realizada e gloriosa. A capacidade de transpor as palavras para as telas e, de trazer os atores certos para os papéis propostos nas tramas é, igualmente, uma arte. Junte a isso a direção de atores, a música que acompanha as cenas, a cenografia (composição dos elementos que irão aparecer nas filmagens), a fotografia esmerada e os outros elementos técnicos básicos para uma filmagem e, então teremos as explicações para o sucesso de um filme.

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O que temos visto nos últimos tempos entre os países em desenvolvimento do continente americano é a feliz conjunção de um aperfeiçoamento técnico (decorrente de um intercâmbio com as escolas cinematográficas estabelecidas há mais tempo) e a conseqüente atualização dos conhecimentos sobre cinema com a ancestral habilidade de contar histórias dos povos da região. E como temos grandes histórias e temas para contar...

O mais interessante de tudo é que, geralmente, o cinema latino-americano trabalha com temáticas universais como o amor, a amizade, as diferenças, os encontros, o medo, a violência, a solidariedade,...

“Machuca” nos coloca em contato com o Chile do presidente socialista Salvador Allende e, diferentemente do que pode se pensar a princípio, trabalha a dicotomia entre o socialismo e o capitalismo a partir do encontro entre estudantes que estão começando a ingressar na adolescência. O encontro de dois mundos a que me refiro no título desse artigo refere-se justamente aos protagonistas e seus mundos antagônicos, a favela e os bairros nobres de Santiago. Tudo isso ainda vem acompanhado de alguns dramas típicos da transição que vivemos quando temos nossos 13 ou 14 anos e todo aquele turbilhão de hormônios para administrar. É, sem dúvida alguma, mais uma obra sensível e inteligente produzida por nossos “hermanos”.

O Filme

Menino-de-terno

Machuca é o sobrenome do menino Pedro (Ariel Mateluna), recém chegado a uma escola elitizada. O problema é que Pedro é pobre e vive numa favela de Santiago do Chile, o que lhe traz inúmeros problemas de relacionamento nessa escola particular. A rejeição e as gozações quanto a ele e seus colegas são freqüentes e isso provoca reações diversas que vão desde a indiferença até a agressão.

Nem tudo é, porém, adverso nesse novo mundo ao qual foi introduzido o garoto pobre das favelas chilenas. A entrada nessa escola faz com que ele conheça Gonzalo Infante (Matias Quer), membro de família abastada (abalada por relacionamentos em decomposição), alienado das questões políticas que fazem seu país ferver, mas fundamentalmente uma boa alma.

O encontro dos dois meninos representa muito mais do que simplesmente uma nova amizade que está se consolidando. Trata-se de um retrato do próprio Chile daquela época, cindido entre socialistas e capitalistas que querem fazer com que a nação se renda a seus ideais nem que seja nos brados emanados pelas turbas que fazem constantes marchas e passeatas pelas principais avenidas da capital do país.

Ao se conhecerem, Pedro e Gonzalo passam a perambular por universos que até aquele momento eram desconhecidos para eles. Machuca é levado a casa de seu novo amigo e percebe a comodidade e os prazeres de uma vida burguesa, apesar das restrições que o regime impõe aos membros da elite chilena. Gonzalo, por sua vez, vai com sua bicicleta aos bairros paupérrimos da periferia de Santiago e descobre a esperança ao lado de casas sem água encanada, eletricidade ou rede de esgotos.

Se não bastasse esse choque de realidades, os dois ainda acabam indo às ruas da capital para ajudar a jovem Silvana (Mariana Martelli), que os leva as passeatas políticas para vender bandeirinhas do país ou das facções ali representadas. Esses momentos de suas histórias de vida são essenciais para que todos esses adolescentes se percebam como membros de uma nação e de seus dilemas e que percebam quais são as possibilidades e alternativas que a sociedade lhes reserva.

Para tornar o filme ainda mais interessante surgem as paixões prematuras e toda a candura dos primeiros beijos. Interessante do princípio ao fim, “Machuca” é mais um dos grandes filmes latino-americanos que nos ensina a rever princípios, reavaliar a vida, pensar nas origens e analisar com seriedade a história de nossos povos. Assistam!

Para Refletir

Criancas-andando-de-bicicleta

1- A amizade tem fronteiras? As classes sociais impõem barreiras ao estabelecimento de relações sociais duradouras? Quantas pessoas com as quais travamos relações ao longo de nossas vidas são oriundas de famílias de diferentes origens sócio-econômicas? O filme “Machuca” coloca essa discussão na ordem do dia ao abordar o encontro entre os meninos Gonzalo e Pedro, reunidos num mesmo colégio particular pela iniciativa de um padre com pretensões progressistas. Uma reflexão profunda sobre a amizade é uma necessidade nos tempos atuais tendo em vista o consumismo, o isolacionismo, a pressa e a própria voracidade que marca o mundo em que vivemos. Isso tem afetado as relações em todos os seus âmbitos, do doméstico ao educacional, das amizades aos elos profissionais. Está na hora de repensar tudo, que tal começar discutindo em sala de aula?

2- O Chile socialista foi esmagado por um duro e violento golpe de estado no ano de 1973. O presidente Salvador Allende, legitimamente eleito pelo voto popular, foi morto pela ação das tropas comandadas por Pinochet que ficou no poder durante mais de duas décadas. Apesar de tudo isso, hoje o Chile é reconhecido internacionalmente como um dos países latino-americanos mais bem estruturados e desenvolvidos. O que aconteceu entre o sonho socialista e o momento neoliberal chileno? De que forma se explica o sucesso atual do país? E as propostas socialistas, foram enterradas e esquecidas de uma vez por todas naquele país? Seria interessante motivar os estudantes a obter informações pela Internet, entrar em contato com embaixadas e consulados, entrevistar imigrantes chilenos estabelecidos em sua cidade e obter dados a partir de revistas e jornais para montar uma linha do tempo explicativa da trajetória do país apresentado em “Machuca”.

3- Há dois outros grandes filmes sobre o momento terrível vivido pelo Chile na transição do socialismo para a ditadura militar. Um deles é o clássico de Costa-Gravas, Missing (estrelado por Jack Lemmon e Sissy Spacek); o outro é uma produção chilena chamada Chove sobre Santiago. Organize uma pequena mostra de filmes sobre o Chile que relatem a história daquele período. Comparem as imagens com livros didáticos e paradidáticos. Reescrevam a história em diferentes formatos como quadrinhos, mangás ou story-boards. Organizem exposições das produções para os outros alunos da escola e também para os pais.

Ficha Técnica

Machuca

Título Original: Machuca
País/Ano de produção: Chile/Espanha, 2004
Duração/Gênero: 120 min., Drama
Direção de Andrés Wood
Roteiro de Andrés Wood e Mamoum Hassan
Elenco: Matias Quer, Ariel Mateluna, Manuela Martelli,
Aline Küppenheim, Ernesto Malbran, Tamara Acosta,
Francisco Reyes, Alejandro Trejo, Tiago Correa.

Links

- http://cinema.terra.com.br/ficha/0,,TIC-OI5231-MNfilmes,00.html
- http://www.cineweb.com.br/index_filme.php?id_filme=1339

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Avaliação deste Artigo: 4 estrelas