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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Asterix, o gaulês
Aprendendo e se divertindo com histórias em quadrinhos

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Os nossos heróis gauleses Asterix, Obelix e Idéiafix.

Comecei a ler as histórias de Asterix quando ainda era menino e, desde então, não parei mais. Faço parte de um grupo de pessoas que, certamente, se sentem privilegiadas por conhecer as aventuras desse guerreiro gaulês desde o seu primeiro até o último livro. Ao resgatar a importância do personagem, trago a tona não apenas mais uma história em quadrinhos que marcou época, mas um legítimo clássico do segmento, de leitura obrigatória para os fãs do gênero e que, ainda pode ser útil no trabalho educacional.

E por qual motivo destacar Asterix na página do Planeta Educação dedicada à literatura?

Primeiramente pelo fato desse espaço dedicar-se a difundir leituras que sejam úteis e agradáveis tanto para professores quanto para estudantes. Some-se a isso a necessidade de fornecer recursos provenientes das boas leituras que possam ser utilizados em sala de aula. Ainda posso argumentar que nas histórias em quadrinhos lemos os balões que contém os diálogos e, ao mesmo tempo, exercitamos uma outra fundamental leitura relacionada à observação dos elementos que compõem cada uma das cenas. Se não bastasse tudo isso, o pequenino e fortíssimo Asterix ainda tem como pano de fundo de suas tramas a Gália (atual França) do tempo do Império Romano...

Sabe-se que, historicamente, os gauleses foram derrotados pelos romanos. Suas terras foram dominadas e seu povo submetido a um intenso processo de aculturação. Nenhuma tribo conseguiu resistir ao forte avanço das tropas do império e sua cultura acabou também sucumbindo às imposições que vinham da Cidade Eterna, como era e é conhecida a capital da Itália.

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Traduzidos para mais de cem línguas os livros com as aventuras dos
gauleses Asterix e Obelix nos transportam para a Antiguidade e nos
colocam em contato com personagens e contextos históricos próprios
daquela época.

O que o desenhista Urdezo e seu companheiro criador de argumentos e histórias para a saga de Asterix fizeram foi criar uma fictícia aldeia que teria resistido ao imenso poder de Roma graças a uma fantástica poção mágica criada pelo druida Panoramix. Segundo algumas pessoas que estudaram e interpretaram a obra dos dois criadores dessa destemida aldeia gaulesa o surgimento das histórias relaciona-se a uma outra época da história francesa de grande importância, a Segunda Guerra Mundial.

De acordo com esses pesquisadores, a elaboração de contexto em que ocorre uma situação de dominação explícita sobre a França não podia ser discutida amplamente nos primeiros anos da década de 1940, quando os alemães liderados por Hitler dominaram a maior parte do território daquele país.

Apesar de terem surgido apenas no final dos anos 1950, os quadrinhos de Asterix refletiriam aquela situação específica dos anos da Guerra da década anterior e omitiriam abertamente a crítica aos alemães para evitar querelas diplomáticas entre os dois países em um período tão brevemente posterior. Há, evidentemente, controvérsias quanto a esse tópico, no entanto, indiferente a questões de caráter mais acadêmico, Asterix e Obelix, seu grande parceiro de aventuras, se tornaram um fenômeno editorial.

Os livros de Goscinny e Urdezo foram traduzidos para mais de cem diferentes línguas e continuam, edição após edição, a fazer novos fãs entre as atuais gerações de leitores. Se não bastasse tudo isso, vale lembrar que os personagens migraram para o mundo dos desenhos animados e também já foram transformados em astros do cinema em duas produções (em que se destaca a participação de atores como Christian Clavier, Gerard Depardieu, Monica Bellucci e Roberto Begnini).

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Asterix e Obelix já foram levados para a tela dos cinemas onde se tornaram
também sucesso de bilheteria. Os filmes foram estrelados por Christian
Clavier (Asterix) e Gérard Depadieu (Obelix) e tiveram a participação de
outros famosos astros europeus como Roberto Benigni e Monica Bellucci.

Foram também transformados em jogos de videogame, estrelas de parque de diversões temático e dezenas de outros produtos. Nem mesmo a morte de Goscinny no ano de 1977 motivou o fim das histórias desses “irredutíveis” gauleses. Urdezo assumiu as duas frentes relacionadas à produção dos quadrinhos e manteve a legião de fãs abastecida com novas produções.

O lançamento recente do 33º livro contendo as aventuras dessa pequena aldeia de bravos guerreiros levou novamente os holofotes a iluminar Asterix, Obelix, Panoramix, Abracurcix (o chefe dessa respeitável horda de “bárbaros” como eram chamados pelos romanos), Idéiafix (o cachorrinho de estimação de Obelix) e Chatotorix (provavelmente o pior bardo da época...).

Albert Urdezo, já com quase 80 anos, tem sido inquirido quanto à continuidade dos quadrinhos e, dá indícios de que “O dia em que o céu caiu” seja o último exemplar dessa série tão bem sucedida. Nessa última obra há críticas e homenagens feita pelo desenhista e roteirista: abre-se fogo cerrado contra os mangás japoneses ao mesmo tempo em que se celebra a produção de Walt Disney através da criação de um personagem que se parece com Mickey Mouse.

Questionado em recentes entrevistas sobre suas ressalvas aos mangás, Urdezo demonstra resistências à invasão dos quadrinhos japoneses ao continente europeu e também a qualidade dessas produções. Revela, porém que esses trabalhos devem ter alguma qualidade tendo em vista sua permanência nos mercados.

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“O dia em que o céu caiu”, último volume das aventuras de Asterix e Obelix,
foi lançado em 2005 no Brasil e tem Urdezo como desenhista e roteirista.

Asterix, assim como toda a produção qualificada do ramo dos quadrinhos merece também espaço nas salas de aula. É evidente que não podemos substituir os livros pelas revistas em quadrinhos, no entanto, dizem os especialistas que a leitura em seus estágios iniciais pode ser plenamente estimulada se as famílias disponibilizarem quadrinhos para seus filhos e, também, se a escola criar planos e projetos de uso desse recurso em suas atividades.

É necessário que sejam desenvolvidas práticas em que as crianças não apenas leiam (quando alfabetizadas) essas histórias, mas também que possam falar (relatar, descrever, repensar, recriar), escrever e produzir representações artísticas dos materiais com os quais trabalharam.

Conversas em grupos, leituras dramatizadas, reelaboração das histórias com a participação de vários estudantes, criação de painéis com desenhos representativos das etapas da história, produção de uma versão em quadrinhos feita pelos próprios alunos, sugestão de novos finais para as histórias a partir da opinião dos pequenos leitores e tantas outras possibilidades de trabalho com esse material podem ser realizadas.

O primordial é perceber a importância e a riqueza das histórias em quadrinhos e, especificamente nesse caso, das produções que nos contam a história de Asterix e Obelix. O caráter lúdico dessas publicações, suas histórias recheadas de aventuras e situações cômicas, a contextualização histórica, a linguagem, a geografia, a fauna e a flora dos locais referidos e até mesmo os hábitos e costumes também podem ser enfocados em projetos nas escolas.

Se não bastasse tudo isso, Asterix e Obelix representam verdadeiros estandartes da cultura européia em sua luta contra a americanização vivida pelo mundo depois da Segunda Guerra Mundial. Se sentindo ameaçados pela aculturação ianque, os franceses criaram pontos de resistência e se mobilizaram em variados setores de sua cultura para enfrentar essas imposições culturais dos Estados Unidos.

O que isso significa? É importante manter acesa a chama do nacionalismo? Preservar as raízes nos lega que tipo de recompensa e satisfação? Será que aqui no Brasil temos essa preocupação?

Questões como essas também mobilizam o trabalho na escola ao firmar a necessidade de valorizar o nosso próprio país, suas bases e origens, sua cultura e valores. Até mesmo para isso pode servir a obra de Goscinny e Urdezo, ou seja, valorizar nossas matrizes culturais e étnicas...

Obs.: Ao afirmar a necessidade de valorizar as matrizes culturais e étnicas não podemos deixar de esclarecer que já reconhecemos e enaltecemos a rica produção dos quadrinhos brasileiros ao destacar a obra de Maurício de Sousa e de Ziraldo em alguns artigos disponibilizados em outras colunas do Planeta Educação.

Avaliação deste Artigo: 3 estrelas