Cinema na Educação
Espanglês
Choques culturais examinados com bom humor e leveza
Delicioso e sutil. Estas palavras descrevem exatamente aquilo que senti em relação ao filme “Espanglês” do diretor James L. Brooks, estrelado por Adam Sandler. O título, pouco atraente para a maioria das pessoas que procuram um bom filme, esconde uma comédia romântica que traz boas lições embaladas por emoção e algumas gostosas risadas. Só o alto astral gerado pelo bom humor e pela comoção já seriam suficientes para que se sugerisse assistir a esse filme, no entanto, há nas entrelinhas uma série de idéias enriquecedoras para quem o vê e que, obviamente, podem ser transplantadas para a sala de aula.
As dificuldades de comunicação entre os membros da família Clasky e sua nova empregada, Flor Moreno (vivida pela atriz espanhola Flor Moreno), constituem o mote principal que movimenta a trama. Flor imigrou para os Estados Unidos (vinda do México) e se estabeleceu num bairro chicano, onde há o predomínio de uma comunidade tipicamente hispânica. Por esse motivo não conseguiu aprender a língua inglesa já que não era necessária nos locais onde trabalhava ou circulava.
Somente essa história já seria suficiente para mobilizar a atenção e nos dar alguns interessantes aspectos para analisar. O primeiro refere-se à própria imigração em massa de latino-americanos para os Estados Unidos em busca de um pretenso eldorado de oportunidades. Será que a terra do Tio Sam continua sendo esse prodigioso reino da fartura e da fortuna? Como vivem esses imigrantes hispânicos nos States? A existência de bairros inteiros formados por essa população chicana não constitui nas cidades americanas a formação de autênticos guetos?
Quanto à aprendizagem de uma língua estrangeira ou a resistência a esse importante elemento cultural, isso não indicaria por parte de Flor que sua ida aos Estados Unidos (como a de muitos desses imigrantes legais ou ilegais) mantém viva a idéia de que essa imigração tem por objetivo apenas fazer fortuna e regressar a pátria de origem. Nos primeiros tempos da colonização desse nosso continente se dizia que as pessoas vinham da Europa para cá para “fazer a América”, justamente no sentido da busca desse rápido enriquecimento que lhes permitisse melhorar de vida em sua pátria natal...
Ainda quanto à linguagem vale lembrar que a filha de Flor, uma menina de 12 anos, aprendeu rapidamente o inglês e passa a atuar como intérprete das necessidades da mãe nesse novo mundo em que vivem. Isso reitera a idéia de que a aprendizagem de uma nova língua é processada com maior facilidade entre as crianças e pré-adolescentes do que no mundo adulto.
No decorrer do filme, em virtude das necessidades e premências do novo trabalho e também das pessoas com as quais passou a conviver, Flor investe no aprendizado do inglês a partir de um curso feito em casa, com o auxílio de materiais didáticos e vídeos comprados pelo correio. Isso nos leva a pensar nas possibilidades do autodidatismo e também na validade desses recursos de aprendizagem a distância, como os cursos de EAD (Ensino à Distância) ministrados pela Internet.
O próprio filme parece nos dar uma resposta ao demonstrar que o essencial nessas circunstâncias de aprendizagem é a disposição pessoal, a abnegação e, principalmente, a disciplina nesses estudos.
Muito além dessas questões da língua, o trabalho mais enriquecedor do filme passa pela idéia das relações humanas no âmbito doméstico. Aparências que enganam e iludem, o valor da sinceridade, a necessidade que temos de carinho e presença, o diálogo como ferramenta essencial da construção de relações sólidas e principalmente a demonstração verdadeira do sentimento que temos em relação aos nossos mais próximos elos humanos estão presentes nessa envolvente história.
Os personagens de Adam Sandler e Paz Vega são os protagonistas dessas emoções mais profundas e verdadeiras, no entanto, contam com o apoio de uma série de personagens coadjuvantes que só reiteram o lado humano, doce e sensível da trama, como as filhas de Sandler e Vega ou ainda a sogra do comediante.
Contada a partir da versão de Cristina (Shelbie Bruce), filha de Flor, tudo se torna ainda mais bonito pela necessária coesão entre mãe e filha. Num tempo como o nosso, em que as relações familiares estão se deteriorando cada vez mais, não deixa de ser uma grande e necessária lição...
O Filme
Ir para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor. Essa é a idéia de Flor (Paz Vega) para si própria e também para o futuro de sua filha Cristina (Shelbie Bruce). Recebida por uma prima depois de cruzar ilegalmente a fronteira entre o México e os Estados Unidos, a jovem mexicana passa a viver com tranqüilidade num bairro hispânico de Los Angeles e praticamente não percebe grandes diferenças entre seu país de origem e a comunidade onde se estabeleceu. Nem mesmo sente necessidade de aprender inglês...
Depois de trabalhar em estabelecimentos comerciais de pessoas que, como ela, também tinham o espanhol como língua materna, Flor decide tentar um novo emprego, em que possa ganhar mais. Infelizmente esse tipo de oportunidade não é encontrada em seu bairro. Para poder ter dólares a mais em seu bolso Flor terá que entrar em um novo mundo, aquele que é habitado pelos norte-americanos.
Apesar de não dominar o inglês, ela é contratada pela família Clasky. O chefe desse clã é John Clasky (Adam Sandler em atuação convincente), um excelente chef de cozinha, dono de seu próprio restaurante, talento reconhecido nacionalmente desde suas primeiras incursões pela gastronomia quando ainda era muito jovem. Apesar de todo o prestígio granjeado por Clasky, o melhor de tudo a respeito desse homem é o seu caráter, a sua sensibilidade e também o comprometimento com sua família.
A família ainda é composta pelos dois filhos de John, por sua bem-humorada sogra e pela neurótica esposa, Deborah Clasky (Tea Leoni). Os desencontros entre as ansiedades da esposa e as necessidades dos filhos temperam uma trama em que o principal assunto são os choques culturais e lingüísticos vividos pela jovem empregada Flor. A mudança da família para uma casa de praia por uma temporada complica ainda mais o ambiente em virtude da incorporação de Cristina ao cotidiano da família Clasky.
Como orientar a filha dentro de um contexto cultural tão distinto de suas origens? Esse dilema passa a ser vivido por Flor a cada novo dia em que pequenos embates surgem. O pior de tudo é que o desconhecimento da língua dificulta ainda mais as coisas para a bela moça...
Aos Professores
1- Sabe aqueles alunos novos recém transferidos de uma diferente escola ou cidade? Já parou para pensar como muitas vezes é difícil para eles se ambientarem em um novo contexto? Percebeu como as outras crianças ou adolescentes (principalmente eles) não conseguem muitas vezes recepcionar com a devida atenção e respeito esses “forasteiros”? Que tal discutir com os outros professores e também com as coordenações e direção algumas alternativas para melhor recepcionar esses estudantes? Não é necessário mudar de país para sentir diferenças culturais e ter dificuldades para se ambientar. Uma simples mudança de escola pode ser muita complicação para a cabeça de um jovem estudante...
2- Espanhol ou inglês? Qual das duas línguas deveríamos aprender em nossas escolas? Ou seria melhor que fossem dados cursos das duas línguas? Sou partidário da segunda possibilidade. Acredito que o aprendizado tanto do inglês quanto do espanhol podem ser de grande utilidade para nossos estudantes. No entanto penso que é necessária uma reformulação do ensino de línguas para que o mesmo se torne mais efetivo e que dispense a necessidade do estudo em instituições terceirizadas para se concretizar. Seria importante propor uma análise nacional da situação do ensino de línguas para que se pudesse criar novas propostas e definir modelos muito mais eficientes de ensino-aprendizagem nessa importante área. Que acham de começar a pensar essa questão dentro de sua própria escola?
3- O eldorado americano pode até continuar a existir como podemos perceber pelo relato de alguns imigrantes (legais ou ilegais) que cruzam as fronteiras todos os anos em busca de seus green cards. Acredito, porém, que se conseguirmos melhorar a educação, a saúde e os demais serviços de apoio social em nosso país poderemos criar condições para que as melhores oportunidades estejam desse lado das Américas. Independentemente dessa necessária mobilização política, temos que promover melhores chances para quem quer continuar por aqui, abrindo novas vagas de trabalho e demonstrando nossa crença num Brasil melhor...
4- Levar estrangeiros para conversar com os estudantes e falar sobre suas dificuldades de adaptação; criar momentos em que estudantes que já viveram a situação do intercâmbio possam descrever suas experiências; promover encontros em que imigrantes possam falar em suas línguas de origem e descrever seus países; montar feiras culturais em que se fale dos países de língua inglesa e/ou espanhola; entrar em contato com embaixadas ou consulados de países em que se fala espanhol ou inglês; criar redes pela Internet em que os alunos hablem ou talk com estudantes de outros países. São algumas alternativas para o trabalho com esse filme e com as línguas estrangeiras em sala de aula. Então, mãos a obra...
Ficha Técnica
Espanglês
Título Original: Spanglish
País/Ano de produção: EUA, 2004
Duração/Gênero: 111 min., Comédia
Direção de James L. Brooks
Roteiro de James L. Brooks
Elenco: Adam Sandler, Paz Vega, Téa Leoni, Cloris Leachman,
Shelbie Bruce, Sarah Steele, Ian Hyland, Victória Luna,
Cecília Suarez, Ricardo Molina.
Links
- http://www.adorocinema.com.br/festivais/globo-de-ouro/2005.asp
- http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=9367
- http://www.cineclick.com.br/cinemateca/ficha_filme.php?id_cine=12046