A Semana - Opiniões
Discipline-se
Para saborear muitas vitórias
Ir até o final, mesmo quando as dores no corpo parecem dizer que não
conseguiremos
chegar, isso se chama disciplina, isso é superação... (A
suíça
Gabrielle
Andersen-Scheiss tornou-se um exemplo mundial ao
cruzar a linha
de chegada nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em
1984,
para logo depois desmaiar de exaustão).
Sabe aquele curso que há muito tempo você planeja fazer e que sempre teima em adiar para a próxima temporada? Lembra-se das promessas de início de ano que você fez de dedicar-se a causas solidárias e que ainda não encontrou brecha na agenda para realizar? E o retorno às atividades físicas previstas para a próxima semana? Aquela dieta tão sonhada ainda sofre com a chegada dos finais de semana?
Mencionei apenas algumas situações entre dezenas de outras que poderiam ser lembradas para abordar um tema de essencial importância para a vida de todos nós, a necessidade de sermos mais disciplinados naquilo que fazemos.
Estive apresentando palestras e oficinas ao longo do ano em algumas cidades do interior de São Paulo e tenho encontrado muitos professores que se sentem dispostos a realizar mudanças em seu cotidiano de trabalho. Sentem-se pouco a vontade com os métodos e processos que utilizam, sabem que o conteudismo não satisfaz os alunos, percebem que a ansiedade e/ou o desânimo dos estudantes está relacionado a mesmice de suas aulas.
Uma parcela expressiva das pessoas que comparecem a essas oficinas e palestras tem a esperança de encontrar em nossos estudos, práticas e palavras as fórmulas que os auxiliem a transformar o trabalho nas escolas em realização mais efetiva e digna, tanto para eles quanto para seus alunos. Suas preocupações são justas e corretas, as respostas que obtém são, muitas vezes, eficientes e envolventes, no entanto, a capacidade de superar os antigos hábitos e disciplinar-se para uma nova atitude e cultura parece barreira praticamente intransponível...
A participação em palestras, seminários, oficinas ou congressos tem que redundar
em realizações, não é suficiente apenar ir e assistir os eventos, se não nos
dispusermos a utilizar o que aprendemos a realização de tais eventos se torna inócua...
A busca da alegria e da realização plena já é, por si só, um alento para esses profissionais da educação. Trata-se de um primeiro e expressivo passo rumo à efetivação de transformações em suas aulas. No entanto não é suficiente enquanto atitude isolada, que não se concretiza, que não comunica suas intenções através de práticas consolidadas ao longo de todo o ano escolar.
E a aplicação de qualquer nova idéia, prática ou realização só pode ser considerada bem sucedida se estabilizar-se e tornar-se parte corriqueira e freqüente no conjunto dos trabalhos realizados. Para tanto é necessário planejar os procedimentos, pensar e repensar as alternativas, testar as variáveis, imaginar que ocorrerão possíveis erros e insucessos, trabalhar com a alternativa da vitória e da derrota, saber que dos deslizes e problemas surgirão lições que poderão auxiliar e melhorar as novas tentativas, nunca desanimar frente as dificuldades ou a incompreensão dos outros,...
O mais importante entre todas essas medidas a se tomar para atingir as almejadas vitórias que desejamos para nossas vidas é, principalmente, ser perseverante, lutar até o fim, determinar-se, obstinar-se e, em suma, ter muita disciplina pessoal.
Lembro-me com carinho de uma das lições que tive em meu mestrado no Mackenzie em que o nosso professor, artista plástico de renome internacional, nos dizia como havia se proposto a aprender e a aperfeiçoar sua arte de desenhar: ele nos disse que passava entre 40 minutos e 2 horas num cômodo onde nada mais havia senão a folha de papel, o lápis e o objeto que ele pretendia desenhar.
Concentre-se, sinta sua respiração, aprecie a iluminação, deixe que a luminosidade
inspire suas ações. Só podemos ser efetivos se conseguirmos entrar em sintonia
com o mundo e com os objetivos que perseguimos.
Autêntico Buda moderno, inspirado pelo silêncio e pela paz, auxiliado pela luminosidade e pela concentração, suas linhas foram se aperfeiçoando, seus traços e contornos ganharam personalidade, sua arte se revelou e mostrou-se ao mundo. As horas dedicadas ao estudo e vividas num ambiente de disciplina monástica fizeram nascer o artista e ajudaram na construção do homem e de toda a sua obra.
Vivemos dentro de uma atmosfera sufocante e imediatista que pouco nos concede no que se refere à possibilidade de nos tornarmos mais e mais disciplinados naquilo que fazemos. Muitas vezes me questiono, porém, se somos vítimas ou algozes no que tange a essa questão. Imagino que se não nos rebelamos contra os grilhões imaginários aos quais estamos acorrentados também podemos ser considerados como responsáveis pela situação que vivemos.
Digo isso por que me vejo mergulhar tão profundamente naquilo que faço quando escrevo, estudo, leio ou dou minhas aulas, que dificilmente perco o caminho que havia me determinado a trilhar. Não sou extremamente organizado, apesar de gostar de viver dentro de uma certa ordem e harmonia, no entanto, reconheço em mim mesmo uma disposição para a disciplina que não imaginava ter...
Creio que a história de vida me auxiliou. Tenho pais que sempre prezaram a perseverança como uma das mais importantes qualidades. Nenhum dos dois desistia daquilo que se propunha a fazer. Além de seus incansáveis esforços para realizações próprias, estavam sempre por perto a incentivar os filhos para que soubessem que as vitórias dependiam de empenho, suor e, muitas vezes, da própria dor (como no caso dos treinamentos de natação e competições em que estivemos envolvidos)...
As vitórias dependem essencialmente da nossa capacidade de concentrar esforços
e utilizar nossas energias no momento mais adequado dentro da prova que estamos
disputando. Isso vale para o esporte e também para a vida...
O próprio esporte dependia muito dessa capacidade de concentrar energias e utilizá-las nos momentos mais apropriados. Não foram poucos os treinamentos em que as câimbras e dores de lado me importunaram ou dificultaram as coisas para meus colegas de equipe. Não é a toa que naquela época formávamos uma das melhores equipes do estado de São Paulo tendo conquistado vários resultados memoráveis.
Atualmente percebo as novas gerações desistindo rapidamente de seus projetos e planos, literalmente “abandonando o barco” de forma muito precoce. Isso não se refere unicamente a planos de estudo ou de trabalho, vai muito além disso, as pessoas têm até mesmo desistido de se relacionar com os outros, de criar ou manter amizades, de firmar e evoluir em seus próprios relacionamentos íntimos...
Tenho alunos que querem resolver tudo muito depressa, sem critério, sem preocupação com a qualidade, sem imaginar que a avaliação que fazemos leva em conta não apenas o conteúdo disponível em suas respostas, mas também a atitude dos mesmos quanto ao compromisso proposto.
Não degustamos mais os alimentos como deveríamos; paramos de saborear as sensações mais deliciosas da vida porque não nos dedicamos a elas; o comprometimento caiu em desuso e está ameaçado de extinção; nessas horas me lembro das palavras de um célebre poeta contemporâneo, autêntico bardo a entoar suas canções pelos quatro cantos do país que nos dizia, com sabedoria que “é preciso amar, como se não houvesse amanhã”...
Mas não falo nesse artigo de um amor difuso, sem comprometimento, desprovido da necessária paixão. Falo de um harmonioso sentimento, gostoso porque precisa do tempo, da dedicação, do carinho e do encontro. Trata-se de um autêntico e verdadeiro ato de fé e de provação que se consolida a cada novo dia em virtude da continuidade, da força e da disciplina que devemos ter.
Da próxima vez em que pensar em fazer exercícios, iniciar uma dieta, voltar para a escola ou aprender a andar de bicicleta, não desanime, continue até conseguir o que quer. Não há palavras que descrevam com exatidão a satisfação que atingimos quando concretizamos nossos objetivos e metas...