Cinema na Educação
Domésticas - O Filme
Os Dois Brasis
(* Vale lembrar que o título desse artigo, "Os Dois Brasis", foi emprestado de uma obra clássica das ciências humanas, editada pela Companhia Editora Nacional, escrita pelo francês Jacques Lambert. O livro apresenta os grandes contrastes que marcam a realidade de nosso país e, apesar de alguns estudiosos dizerem que se trata de uma obra superada, não está muito distante daquilo que observamos regularmente, ainda hoje, em nosso país.)
Um dos dados mais esclarecedores da realidade nacional diz respeito ao grande contingente de mulheres empregadas em todos os estados como domésticas. Superam as demais categorias com alguma folga. Isso, levando-se em conta que muitas delas não são, nem ao menos, registradas. Fazem parte, por exemplo, do cotidiano da maioria das pessoas que consegue acessar a internet e ler esse texto.
São tão presentes em nossas vidas que muitas vezes parecemos não percebê-las. Até conseguimos nos virar sem a sua presença, no entanto, ficamos mais e mais cientes de sua importância nos períodos em que não se encontram em nossas casas (como nas férias ou quando trocam de emprego). Protagonizam seqüências memoráveis em nossas vidas e por isso, tornam-se parte integrante de nossas histórias; raramente, entretanto, deixam para trás a condição de figurantes ou coadjuvantes (não só em nossas vidas, também no que se refere a própria história do país).
Pouco sabemos, no entanto, a respeito de suas vidas particulares; fazemos perguntas, descobrimos informações a respeito de suas famílias, vamos aos lugares em que elas moram, procuramos auxiliar com a doação de roupas ou com cestas básicas, porém, estipulamos limites que impedem que sejam ultrapassados os laços profissionais que nos unem. Muitas vezes tenho a sensação que ainda mantemos modelos de relação assemelhados com aqueles do período colonial, entre senhores e escravos (a exceção dos castigos físicos, das senzalas, da compra e venda de seres humanos e dos próprios abusos de autoridade).
Fernando Meirelles, diretor do grande sucesso "Cidade de Deus", ao realizar "Domésticas - O Filme", nos coloca de frente com o cotidiano de 5 diferentes empregadas domésticas. Cada qual envolvida com problemas muito específicos, no entanto, vivendo dentro de uma mesma realidade, semelhante a que muitos de nós conhecemos, de exclusão e inclusão social ao mesmo tempo.
O que quero dizer com isso? Justamente aquilo que discutia logo atrás, nesse mesmo texto, quando dizia que a elas (domésticas) legávamos grandes responsabilidades e integrávamos ao cotidiano de nossas famílias, dando-lhes acesso a um universo de caracterização pequeno burguesa (ou "grande", conforme o poder aquisitivo dos empregadores).
Ao mesmo tempo, ressaltava que, a partir do momento em que deixam nossas casas, essas bravas e altivas mulheres, se tornam parte de um universo infame, desprovido de recursos, carente de melhores opções e possibilidades, cercado pela incompreensão e pelo abandono, marcado pela violência e pela pobreza. São os dois lados de uma mesma moeda, que compõem, com total clareza, o panorama nacional brasileiro. Que conhecemos tão bem pelas janelas de nossos carros, pelas notícias da televisão, pelos sites de internet. E que elas, domésticas, conhecem muito melhor, por estarem vivendo essa dubiedade em carne e osso...
O Filme
"Domésticas - O Filme" nos coloca em contato com cinco diferentes protagonistas, todas elas, empregadas domésticas. Cada uma delas alimentando um diferente sonho. Mais do que focalizar as câmeras nos devaneios de cada uma das referidas domésticas, os diretores Meirelles e Olival procuraram destacar o cotidiano, marcado pelo grande contraste entre trabalhar em casas de classe média e, ao final do dia (e nos finais de semana), viver a realidade dura e incômoda dos bairros pobres e violentos da periferia ou ainda das favelas.
Entre os sonhos das domésticas Cida, Roxane, Quitéria, Raimunda e Créo, há desde o tradicional desejo de encontrar o principe encantado, passando pela possibilidade de melhorar de condição sócio-econômica e atingindo até, a idéia de ingressar na carreira de modelo fotográfico ou artista de televisão.
A referência aos sonhos não esconde a desilusão do dia-a-dia, entre vassouras, ferros de passar roupa, tanques e panelas. Tristeza e conformidade que podemos perceber na afirmação de uma delas, numa determinada passagem do filme, que diz que todas elas, sem exceção, sonharam com a possibilidade de uma profissão melhor, que lhes desse remuneração mais elevada e maior consideração; fecha sua consideração afirmando que, ninguém quer ser doméstica e que acabam se tornando domésticas pelas contingências da vida...
Para rir e chorar! Uma comédia que nos faz pensar e nos estimula a rever conceitos e atitudes! Mais um prodígio de Fernando Meirelles.
Aos Professores
1- Uma excelente oportunidade para entender o título desse artigo começa com a apresentação do filme aos alunos. A partir desse momento, a tarefa de cada um deles passa a ser desvendar o universo em que vivem as domésticas. Pode ser feito a partir de entrevistas, pesquisas de campo (observação do cotidiano de trabalho; visita ao local onde vivem com as famílias), leitura de trabalhos publicados em livros, busca de artigos em jornais ou revistas ou ainda, através de uma varredura em busca do assunto pela internet.
2- Outra alternativa dada pelo filme refere-se a possibilidade de explorar a diversidade das grandes cidades brasileiras. Localizar os centros comerciais tradicionais, as áreas urbanas periféricas, os condomínios de luxo, as zonas industriais, os cinturões agrícolas que existem ao redor e as favelas ou cortiços. Quantas cidades há em cada uma das grandes metrópoles brasileiras? Como são essas cidades? Quais são os problemas mais marcantes em cada uma delas? Que vantagens existem em viver nesses bairros-cidades?
3- Um trabalho acerca de dignidade seria muito apropriado. A relação entre as pessoas deve se pautar apenas na hierarquia sócio-econômica que se estabelece entre elas ou pode superar essa barreira e se estruturar de forma a prezar mais o respeito e preservar a dignidade das pessoas. Afinal, o que significa a palavra dignidade? Trata-se apenas de mais uma das várias terminologias incorporadas ao cotidiano no mundo pós-revolução francesa ou pode ser representativo no cotidiano das pessoas?
4- Que outras obras brasileiras retratam o universo das domésticas? Há literatura específica a respeito desse assunto? Utilizando-se desse material, é possível traçar paralelos entre a vida das empregadas domésticas com outros profissionais ou com outros períodos de nossa história? Que tal tentar traçar paralelos para tentar entender melhor o cotidiano dessas mulheres?
Ficha Técnica
Domésticas - O Filme
País/Ano de produção:-
Brasil, 2001
Duração/Gênero:- 85
min., Comédia
Disponível em VHS e DVD
Direção de Fernando
Meirelles e Nando Olival
Roteiro de Cecília Homem
de Mello, Fernando Meirelles, Nando Olival e
Renata
Melo, baseado em peça teatral de Renata Melo
Elenco:- Graziella Moretto, Cláudia
Missura, Lena Roque, Olívia Araújo,
Renata Melo, Robson Nunes e Tiago Moraes
Links
- http://www.domesticasofilme.com (site oficial)
- http://www.adorocinema.com/filmes/domesticas/domesticas.htm
- http://www.cineclick.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=302
- http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=2238