Planeta Educação

Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Os Filhos do Silêncio
Na ausência dos sons e das palavras

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Ao assistir o filme Os Filhos do Silêncio acompanhado de meus filhos fui surpreendido com um comentário deles em que diziam que para podermos entender o que significa ser deficiente auditivo precisaríamos tampar nossos ouvidos durante um dia inteiro e dessa forma simular as dificuldades pelas quais passariam essas pessoas.

Eles haviam acabado de ver uma cena em que o professor James Leeds, interpretado por William Hurt, recebia seus estudantes surdos em casa para assistir um filme. Nessa seqüência há uma clareza quanto aos problemas relativos às deficiências auditivas, pois o som da televisão está altíssimo, o telefone toca sem parar e a chaleira onde se ferve água para o café está apitando.

Nesse ínterim apenas o professor percebe todos esses sons e subitamente se vê pedindo as outras pessoas que estão no ambiente que se mobilizem para abaixar a TV, desligar o fogão onde ferve a água ou atender ao telefone. Tudo seria normalíssimo se não nos lembrássemos que todas as outras pessoas presentes naquela casa são deficientes auditivos...

E na escola, como lidamos com essa deficiência? Falamos tanto em integrar as pessoas que possuem necessidades especiais nas escolas, mas será que sabemos realmente o que significa a surdez ou o mutismo? Como podemos trabalhar de forma efetiva com pessoas que apresentam tais necessidades no ambiente escolar?

O filme da diretora Randa Haines nos mostra a realidade de uma escola destinada especificamente ao trabalho com deficientes auditivos. Não é essa a proposta que temos para o Brasil. Em nosso país a intenção é a de que as pessoas que tem necessidades especiais (auditivas, visuais, motoras ou mentais) possam ser integradas ao ambiente escolar em que as crianças que não apresentam tais dificuldades estão estudando.

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Trata-se de uma nobre e corajosa opção. É importante, porém que as necessárias e devidas condições para a implementação dessa ação sejam tomadas. Colocar as crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais nas escolas sem que sejam construídas e fornecidas as ferramentas básicas para essa integração pode ter um efeito devastador para todos os envolvidos nesse projeto.

Os professores têm que ser preparados para trabalhar com essas necessidades, as crianças que freqüentam as escolas devem ser orientadas para esse convívio diferente e especial sem que se criem amarras ou resistências (como por exemplo a piedade em relação aos recém-chegados), as escolas tem que conter equipamentos e adaptações que permitam a esses novos alunos que o seu trabalho e convivência locais sejam seguros e produtivos e, finalmente, os próprios alunos especiais devem saber da nova realidade na qual estão sendo inseridos e das peculiaridades desses espaços.

Dessa forma tornar-se-á possível tal integração num futuro próximo. Sem a implementação de condições ideais tudo ficará parecendo apenas discurso, demagogia...

O Filme

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James Leeds (William Hurt) é um professor especializado no trabalho com pessoas com deficiência auditiva. Não se trata de um profissional qualquer, pelo contrário, a partir das vivências e experiências anteriores (entre as quais se inclui ter trabalhado com música numa rádio), Leeds diferencia-se por sua prática inovadora, alegre e que propõe desafios contextualizados aos seus alunos.

Não se trata simplesmente de tentar promover entre os alunos a aprendizagem da fala apesar de suas evidentes deficiências. Seu trabalho pretende predispor os estudantes a ativar e realizar suas potencialidades motivados pelas possibilidades provenientes do exercício dessa capacidade. Leeds acredita com sinceridade que ao aprender a falar seus alunos surdos poderão se integrar mais fácil e rapidamente a sociedade.

A escola a qual se integra ao corpo docente reconhece suas qualidades apesar de estranhar algumas de suas práticas. O tempo irá comprovar sua eficiência e a qualidade de seus métodos. Apesar disso, Leeds irá sofrer muito mais com a resistência da bela e jovem Sarah (Marlee Matlin, atriz que sofre de deficiência auditiva e que foi premiada com o Oscar por sua atuação nesse filme) a suas idéias.

Sarah é uma ex-aluna que se tornou funcionária dessa escola e que se recusa a aceitar o auxílio prestimoso de Leeds. O encontro entre os dois supera a relação de aprendizagem e se estabelece como um romance. Será possível superar as barreiras impostas pela história de vida ao desenvolvimento de Sarah a partir do amor? Quem nessa relação não quer escutar os anseios do outro, Leeds ou Sarah?

Filhos do Silêncio é um filme que parece muito além de seu tempo por apresentar uma prática pedagógica contextualizada e diferenciada ao mesmo tempo em que discute a questão das necessidades especiais a partir do caso dos surdos-mudos. Confiram!

Aos Professores

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1- Você conhece a linguagem dos sinais? Que tal aprender essa peculiar e importante forma de comunicação? Esse é o primeiro e primordial caminho rumo à efetivação de um trabalho de integração de pessoas que possuem deficiências auditivas ao trabalho nas redes públicas educacionais brasileiras. Os professores, coordenadores, orientadores, diretores e funcionários têm que aprender a linguagem dos sinais para que possam criar canais de comunicação efetiva com os portadores desse tipo de deficiência e também para estabelecer o contato entre esses estudantes e seus novos colegas de escola.

2- O professor Leeds vivido pelo ator William Hurt nos ajuda a ver através de suas práticas e ações que é necessário aproximar as nossas práticas e conteúdos da realidade de nossos alunos. Isso vale tanto para pessoas com necessidades especiais quanto para aquelas que não as tem. No contexto da sala de aula isso pode ser entendido a partir da utilização de exemplos que sejam mais condizentes com o que os estudantes vivenciam em seus cotidianos. Isso já era pregado com propriedade pelo grande mestre Paulo Freire quando, por exemplo, afirmava que para ensinar as letras às crianças mais humildes de regiões do nordeste brasileiro, deveríamos nos fiar naquilo que era visto pelas mesmas e que, por isso, não deveríamos ensinar a letra u a partir da uva e, sim, do urubu...

3- Uma outra importante lição do filme Filhos do Silêncio refere-se ao fato de que temos que aprender a lidar com as diferenças com tolerância e paciência. No primeiro caso referindo-se ao respeito e a consideração que devemos ter com as pessoas com necessidades especiais, sem jamais agir com piedade. No que se refere à paciência, entender a diferença não como um empecilho, mas como um fator que poderá exigir um pouco mais tempo e predisposição para verdadeiramente empreender a aprendizagem que queremos realizar.

4- Sua escola já está recebendo alunos com necessidades especiais? Muitas escolas já recebem esses alunos e ainda não tiveram as adaptações necessárias empreendidas para atender plenamente suas necessidades especiais. Livros em Braile, rampas para cadeiras de rodas, aprendizagem da linguagem dos sinais, carteiras adaptadas e tantos outros pré-requisitos devem ser cobrados das autoridades responsáveis para que se efetive um ambiente onde a aprendizagem dos portadores de necessidades especiais se realize. Criem comissões na escola e se organizem para cobrar as necessárias implementações em favor dessa sua nova e especial clientela...

Ficha Técnica

Os Filhos do Silêncio

Título Original: Children of a Lesser God
País/Ano de produção: EUA, 1986
Duração/Gênero: 119 min., Drama/Romance
Direção de Randa Haines
Roteiro de Mark Medoff, Hesper Anderson, James Carrington
Elenco: William Hurt, Marlee Matlin, Piper Laurie, Philip Bosco,
Allison Gompf, John F. Cleary, Geórgia Ann Cline.

Links
http://www.dvdshow.com.br/padrao.php?page=resenhas_&res=1114
http://www.imdb.com/title/tt0090830/ (em inglês)

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas