A Semana - Opiniões
Professores e Maestros
Irmanados na educação
Na última semana tive uma oportunidade impar: durante um período de aproximadamente 3 horas estive reunido com os colegas de curso da PUC de São Paulo com professores de vários países latino-americanos e africanos. Estávamos juntos para discutir um tema importantíssimo para a educação e que é o Norte orientador de nosso doutorado, ou seja, o Currículo.
Que a educação seja sempre esse ponto de encontro e de proveitosos debates entre as pessoas a iluminar nossos pensamentos e perspectivas. Que o currículo seja pensado e repensado pelos educadores de todas as nacionalidades para que a educação possa ser aperfeiçoada e seja mais efetiva em todos os países e para todos os povos. Esses sentimentos se estabeleceram entre nós, professores e maestros, irmanados pelas possibilidades de um diálogo enriquecido por experiências únicas vividas por cada um em seu país de origem.
O fio condutor foi uma aula conduzida e orientada com maestria pela professora Branca Jurema Ponce que havia pedido aos dois grupos que lessem um mesmo texto. Esse material foi utilizado para estimular as primeiras conversas e fez com que o gelo inicial fosse quebrado e que a timidez de muitos ali presentes pudesse ser superada.
A partir do texto, um artigo científico que nos conduzia pela história do surgimento do termo Currículo, tivemos a oportunidade de perceber que essa palavra, tão desgastada e maltratada pela incorreta utilização e também pelo descaso quanto as suas particularidades e correta definição, precisa ser olhada com maior atenção para ser utilizada com critério e objetividade.
O intercâmbio entre os diferentes povos e países também deve ser efetivado na
educação. Precisamos conhecer a realidade dos outros educadores para que possamos
discutir soluções comuns para problemas semelhantes que existem em muitos lugares.
Além disso, podemos enriquecer a educação com o encontro entre culturas diversas e originais.
Como foi muito bem dito durante as discussões pela professora Branca, as palavras têm que ser compreendidas em seus significados para que possam ser utilizadas com propriedade. Devemos atestar que há alma em cada um dos vocábulos que utilizamos e que, em virtude disso, um exame acurado e preciso de suas possibilidades só pode ser realizado a partir da contextualização dessas palavras e da percepção dos caminhos que nos são indicados quando as utilizamos.
Currículo, por exemplo, é termo recente, cunhado apenas por volta do século XVI em universidades européias e que se destinava justamente a estabelecer as diretrizes do trabalho a ser desenvolvido naquelas escolas. Atualmente a riqueza e complexidade do termo levaram ao surgimento de áreas específicas de estudo da palavra Currículo em universidades brasileiras e estrangeiras.
Infelizmente uma grande quantidade de professores do mundo inteiro, como pudemos perceber a partir do contato com nossos colegas latino-americanos e africanos, ainda desdenha a necessidade de estudos quanto aos currículos que orientam suas práticas profissionais. Há uma distância grandiosa a separar os estudos de 3º grau acerca desse tema e as salas de aula que atendem a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Médio e mesmo as graduações universitárias em diversas localidades.
O currículo se tornou sinônimo de conteúdos entre os professores. Seu significado é
muito mais amplo, refere-se contemporaneamente ao conjunto de fatores que regem
todo o
funcionamento da escola e não apenas as grades curriculares.
Currículo é visto por muitos professores apenas como grade curricular, ou seja, como mecanismo orientador de matérias e disciplinas quanto aos conteúdos que devem ser seguidos. Isso é um erro grosseiro que se torna muitas vezes verdadeiro impedimento à plena efetivação dos processos de ensino-aprendizagem.
Há, entre muitos outros significados e sentidos contidos no termo, a utilização de currículo como norteador da ação e realização de conteúdos escolares. Como foi ressaltado, não é a única perspectiva, pelo contrário, é apenas uma delas. Quando estudamos com maior profundidade o tema percebemos que Currículo orienta desde o conjunto de práticas e ações a serem referendadas em sala de aula até mesmo a gestão e os posicionamentos éticos e ideológicos da educação em escolas ou redes de escolas.
É muito mais abrangente do que a nossa vã filosofia baseada no senso comum nos permite compreender. Por isso os estudiosos têm se debruçado num exame mais aprofundado do Currículo desde o final do século passado.
A Internet pode ser um canal de comunicação importante para implementar as trocas
e aprendizagens entre professores de diferentes nacionalidades. Estimular o
uso
propositivo e consciente da Web em favor da educação é um dos compromissos que
devem
ser assumidos pelos educadores do século XXI em todos os países.
Ao encontrarmos os colegas “maestros” (professores em espanhol) de outras localidades pudemos compartilhar uma noção mais ampla de Currículo e também tivemos a oportunidade de perceber que os problemas existentes nas redes públicas de educação de nosso país e também no de nossos visitantes são muito semelhantes. Isso acontece mesmo se levando em conta que há evidentes particularidades em suas escolas, assim como uma riqueza cultural específica, própria de cada nação, de cada povo.
Políticas públicas que são interrompidas ao final de mandatos de autoridades eleitas democraticamente, alterações radicais nos planejamentos para a educação, mudança de foco pedagógico, alteração da filosofia educacional aplicada nas redes de ensino, exclusão de programas educacionais previamente aplicados (mesmo quando bem sucedidos), grades educacionais que sofrem modificações em espaços curtos de tempo, diferenças quanto a fornecedores de materiais didáticos, troca no comando das escolas quanto à direção e alguns outros problemas foram mencionados quase que em total consonância pelos educadores de países tão próximos e tão distantes quanto à Argentina, Cabo Verde, Guatemala, Colômbia, El Salvador, Brasil,...
Também foram percebidas críticas ao posicionamento dos professores no que se refere às práticas pedagógicas utilizadas na condução de seus trabalhos em sala de aula. Nossos colegas nos disseram que percebem por parte do professorado a consciência quanto à necessidade de mudanças nos encaminhamentos de sala tanto quanto nas políticas públicas. Há, inclusive, manifestações em todos os países sendo conduzidas pelos educadores nesse sentido. Entretanto, ao firme posicionamento político assumido nas lutas empreendidas através de passeatas e paralisações contrapõem-se uma cultura estabelecida nas escolas que impede a superação do tradicionalismo e do conteudismo nas aulas...
A pobreza que atormenta a vida das populações, a corrupção endêmica que assola a máquina pública e a carência das redes escolares quanto a recursos e financiamentos de projetos também constituiu um importante tema debatido nesse autêntico fórum multinacional de educadores que estava acontecendo naquela sala de aula da PUC de São Paulo.
Apesar de todas as críticas e da constatação de tantos problemas, terminei o encontro tendo a nítida sensação de que não estamos sozinhos em nossa luta por uma educação de maior qualidade. Pude perceber que há laços de solidariedade que podem e devem ser criados a partir de um intercâmbio mais constante entre educadores de diferentes nacionalidades. Que tal ampliar essa discussão utilizando a Internet como canal de comunicação? Quem sabe assim possamos descobrir alternativas e possibilidades de melhoria úteis a salas de aula que estão em outros países e continentes...