A Semana - Opiniões
O menino no ofício do aluno
Novas lições da Escola da Ponte
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Amorim Lima, localizada no bairro do Butantã, na cidade de São Paulo já apareceu até em reportagem veiculada pelo Globo Repórter, da Rede Globo de televisão em cadeia nacional. Celebrizou-se nacionalmente em função de suas particularidades pedagógicas que a tornam parceira de uma das instituições de maior prestígio entre educadores do Brasil e de várias partes do mundo, a Escola da Ponte, sediada em Portugal.
Na última sexta-feira, dia 19 de agosto de 2005, a Amorim Lima realizou seu primeiro encontro de avaliação das atividades desenvolvidas ao longo de aproximadamente um ano e meio de parceria com a Escola da Ponte. Entre as informações que foram socializadas não podemos deixar de destacar, por exemplo, que muitos educadores, pesquisadores e autoridades têm visitado as dependências da escola em busca de fórmulas, receitas e respostas para a educação em suas próprias salas de aula, escolas e municípios.
Mais interessante ainda é saber que não há respostas prontas e definitivas para nenhum dos visitantes. Em educação as receitas de bolo definitivamente não funcionam com a precisão que os cozinheiros de plantão esperam...
Talvez essa primeira colocação seja suficiente para entendermos que não estamos lidando com situações que sejam totalmente previsíveis. E porque acontece isso? Justamente pelo fato de estarmos trabalhando a formação de seres humanos, frágeis em sua estrutura, sujeitos a alterações de conduta quando menos se espera, voláteis quanto a posturas e vontades, capazes de se sentirem estimulados, desanimados, apaixonados ou indiferentes a qualquer momento de suas vidas,...
A Escola Amorim Lima desenvolve projetos variados que estimulam as crianças a
conhecer desde a horticultura até a Internet, sempre com a orientação de professores
e dentro de um projeto pedagógico que procura motivar a autonomia e a cooperação.
Numa determinada passagem de nosso encontro na Amorim Lima, o ilustríssimo convidado especial, professor José Pacheco, diretor da Escola da Ponte por 25 anos, referiu-se a forma como são chamadas os estudantes em nossas escolas e mexeu com a minha imaginação. Disse o professor Pacheco que ao chamarmos as crianças de alunos estamos despersonalizando as relações no ambiente escolar. Em Portugal, na Escola da Ponte, entende-se que a situação vivida na escola pelos meninos e meninas ali matriculados é apenas a da criança no ofício do aluno...
Faz diferença?
Penso que sim. Pareceu-me bastante singela a diferença, no entanto, se a olharmos com maior atenção perceberemos justamente aquilo que mais nos faz falta nas escolas em que trabalhamos, ou seja, a humanidade nas relações. Perdemos o foco ao deixarmos de perceber que o aluno é uma criança ou um adolescente. Perdemos a oportunidade de firmar um convívio mais saudável, amigável e produtivo ao nos escondermos atrás dos rótulos e também ao definirmos que estamos desempenhando papéis no ambiente escolar...
E a despersonalização causa também a indiferença (que dói demais, tanto para as crianças quanto para os adultos), assim como as aulas conteudistas levam ao desprezo pelo conhecimento de mundo que as crianças e adolescentes trazem de seus contatos prévios com o universo. De nada parecem valer os ensinamentos decorrentes do contato com a família, os amigos, o local onde se vive, a natureza, os animais de estimação,...
O trabalho com artes e a participação ativa da comunidade nas reuniões e debates
promovidos pela escola Amorim Lima também são aspectos diferenciais que auxiliam
a concretização de um projeto de ensino-aprendizagem diferenciado e inovador em São Paulo.
Mas essas não foram as únicas lições que foram dadas a platéia pela experiência da Amorim Lima e da Escola da Ponte. A formação de vínculos definitivos e verdadeiros entre a comunidade escolar depende da participação democrática dos alunos e dos pais nos debates que ocorrem dentro da escola. Não há projeto educacional que possa ser bem sucedido se não forem fortes os pilares que sustentam a escola e, nesse sentido, não basta apenas a participação de professores, diretores, coordenadores ou orientadores na tomada de decisões...
Uma outra importante idéia reiterada durante o encontro foi que não podemos desprezar que a aprendizagem se efetiva entre os estudantes de formas diferentes e em momentos distintos. Isso quer dizer que muitas vezes o modo como uma criança entendeu e aplicou um conceito não vai ser o mesmo como um outro aluno (ainda que de idade semelhante e condições de vida parecidas) encaminhará sua reflexão e raciocínio acerca de similar objeto.
José Pacheco quis dizer com isso que não podemos simplesmente abandonar fórmulas e nos adequar a modismos apenas porque isso é o que está acontecendo no momento em educação. As conseqüências de nossos atos enquanto professores são para toda a vida de nossos alunos. Se para que a aprendizagem se efetive seja necessária a utilização de modernas mídias e recursos como computadores e Internet ou se a mesma acontecerá com o uso de aulas expositivas, lousa e giz, o importante é que ela aconteça e não como ela irá se concretizar...
É claro que a Escola da Ponte e a Amorim Lima possuem uma linha de trabalho muito clara e transparente para quem freqüenta ou visita a escola. Também é fundamental que sejamos coerentes no que tange a nossos discursos e práticas enquanto educadores. O que não podemos perder de vista é que em determinados momentos os moderníssimos computadores podem falhar e com isso iremos ficar a deriva...
Só para melhor ilustrar essa questão basta lembrar que nos grandes navios comerciais e militares há sempre pessoas capazes de orientar a rota a ser trilhada pelos barcos em caso de pane geral dos equipamentos de última geração. Temos que conhecer os caminhos da tecnologia assim como devemos ser capazes de olhar para as estrelas e achar a trilha que nos levará aonde queremos chegar somente com o auxílio de nossos mapas mentais, bússolas e quadrantes...
O primeiro seminário de avaliação do Projeto Amorim Lima contou com a participação do
professor da USP e secretário municipal de educação de Taboão da Serra, César Callegari,
das professoras da PUC de São Paulo, Terezinha Azeredo Rios e Maria Mercês Ferreira
Sampaio
e do professor José Pacheco, da Escola da Ponte.
Algumas palavras foram a tônica dos ensinamentos apresentados pelos professores que se alinharam nas discussões avaliativas do primeiro ano e meio de trabalho realizado. Há de se destacar o termo autonomia, classificado como um dos objetivos a se atingir no trabalho realizado pela escola Amorim Lima.
Fiquei pensando a respeito e divaguei se esse não seria também o propósito pelo qual outras escolas são construídas e desenvolvem seu trabalho. Lembrei-me que já vi o termo em estatutos, leis, reformas educacionais, proposições teóricas sobre educação, artigos acadêmicos, matérias de jornais e revistas sobre escolas, planos de ensino, ementas e também na boca de muita gente que trabalha no setor.
Acho que na maior parte das vezes é um termo que está vazio de significado e sentido. Senti que na Amorim Lima (assim como na Escola da Ponte) passa a ter real valor pela implementação de práticas e ações que estimulam a participação dos alunos nos projetos e que tornam viva a concepção de uma escola em constante construção e aperfeiçoamento. Gostaria que isso acontecesse em todas as escolas, independentemente das preferências pedagógicas, das teorias que norteiam a ação dos professores, dos recursos de que dispõe a escola,...
José Pacheco me disse, depois do encontro, que havia sido eletricista antes de se tornar professor e que tinha grande orgulho disso. Explicou que o desempenho dessa função profissional antes do trabalho em educação havia feito dele uma pessoa mais prática e objetiva, realizadora e não apenas sonhadora. Há muita teoria e pouca realização em nossas escolas era o que ele indiretamente estava nos dizendo. Está na hora de arregaçar as mangas e não ter medo de sujar as mãos, a educação precisa disso...