A Semana - Opiniões
A Generosidade e a Responsabilidade
As lições que extrapolam a sala de aula
Não é só de grandes teorias e autores que se faz um curso de ponta, mesmo a nível de doutorado. É claro que há muita leitura (muita mesmo!), estudo aprofundado, necessidade de atualização, capacidade de se entregar e se dedicar à pesquisa e, é lógico, participação intensa nas aulas. Não dá para conceber qualquer curso de aperfeiçoamento, maturação e concretização de novas competências e habilidades profissionais sem uma dose singular e constante de elementos como os que acabei de mencionar.
É necessário ressaltar, porém, que nas entrelinhas de tudo aquilo que podemos aprender nos cursos que freqüentamos (graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e também cursos de extensão, palestras, seminários e congressos) há outras importantes lições sendo dadas por nossos professores.
Sempre pensei dessa forma, desde a graduação em História, no final dos anos 1980. Imaginava, e compartilhava essa idéia com alguns colegas de sala, que nos corredores da faculdade ou ainda nos comentários aparentemente desprovidos de maior comprometimento dados pelos nossos mestres em aulas, muitas idéias importantes estavam sendo passadas para nós em código.
Tudo acontecia de forma tão descompromissada (e por isso mesmo codificada) nesses momentos que somente alguns de nós conseguíamos compreender as possibilidades ali encerradas. Em comentários posteriores trocados em nossas conversas, sem a presença dos professores, é que notávamos como determinada frase, explicação, comentário ou circunstância vivida tinha sido importante.
O professor ensina não apenas quando formaliza os conteúdos em suas aulas e
exercícios,
a aprendizagem também se efetiva através de sua ética, postura,
coerência e comprometimento com a educação e com seus alunos.
Havíamos entendido com grande clareza que a efetivação da educação não se restringia aos limites formais impostos pelo tempo de aula ou adequados somente aos espaços oficiais de trabalho em educação e aos conteúdos propostos. Amadurecemos rapidamente a idéia e passamos a pensar vários desses momentos fortuitos com maior atenção.
Essa prática foi sendo aperfeiçoada pessoalmente em todos os momentos posteriores de minha experiência como estudante e também como profissional da educação. Alguns alunos chegavam a anotar durante nossas aulas, pensamentos e reflexões que eu acabava emitindo e que lhes pareciam significativas e dignas de menção e reflexão. Percebi que esses estudantes estavam caminhando na mesma direção que eu e meus colegas de faculdade trilháramos...
No mestrado e também no doutorado essa prática continua. A atenção redobrada aos conteúdos e temas trabalhados permanece e, também, a consideração por esses depoimentos espontâneos que nos colocam frente a frente a um conhecimento construído a partir da prática, da vivência, da maturidade pessoal e profissional de pessoas que tiveram experiências de vida diversas e igualmente ricas, valiosas e necessárias para nosso aperfeiçoamento.
Nesse ínterim, com o recomeço das aulas, estando em contato com professores de vasta sabedoria, reconhecida prática pedagógica, livros e artigos editados e recomendados, nossas “antenas” têm que estar ligadas para que não percamos um só comentário ou pensamento.
Nas primeiras aulas que tive sobre Currículo, com a professora doutora Branca Jurema Ponce, além das riquíssimas discussões acerca de texto envolvente selecionado da obra do educador e pensador Antônio Joaquim Severino, tive a oportunidade de vislumbrar duas grandes pérolas que nos foram oferecidas quase que informalmente pela prestimosa mestra.
A educação é como uma corrida em equipe no atletismo, o primeiro corredor é o professor
que dá ao aluno o bastão (conhecimento) e pede a ele que continue a prova se empenhando
ao máximo. Temos que adicionar a esse conhecimento a riqueza de experiências pessoais e
vivências que podem auxiliar e muito o percurso de nossos jovens estudantes.
Devo ressaltar que muitas outras idéias importantes foram trabalhadas e que, com certeza, por maior que tenha sido nossa participação e atenção, não consegui percebê-las em suas possibilidades e riqueza. No entanto, espero fazer jus aos pontos destacados e socializar essas ricas reflexões nesse nosso editorial.
O primeiro aspecto mencionado que me chamou a atenção foi a questão da generosidade intelectual mencionada pela professora Branca. Vivemos uma realidade na academia em que percebemos as vaidades e o orgulho exacerbado. E o pior de tudo é notar que essa situação não se verifica apenas no 3º grau, também há arrogância e petulância em outros níveis, como no caso da relação entre professores de Ensino Médio e Ensino Fundamental.
É claro que muitas pessoas não vivem de nariz em pé e advogam o respeito, a humildade e a consideração pelos outros profissionais e também pelos alunos. Ter orgulho de seu trabalho e de suas realizações também não pode ser considerado pecado venal se a pessoa tem os pés no chão e não deixa que isso lhe suba a cabeça a ponto de destratar, desconsiderar ou humilhar os outros. Há, entretanto, uma boa quantidade de pessoas que ultrapassa os limites do tolerável e se coloca em pedestais que as tornam impopulares e, em muitos casos, personas non gratas perante colegas e estudantes.
Dá para consertar essa situação? Sem dúvida. É sobre isso que nos falava a professora Branca ao afirmar a necessidade de uma verdadeira generosidade intelectual por parte dos professores. Por mais que não consigamos perceber isso, constituímos uma categoria privilegiada e essencial socialmente. Privilegiada pelo fato de trabalharmos com o conhecimento e essencial por sermos responsáveis pela formação de milhões de pessoas todos os anos.
A responsabilidade dos pais se estende muito além da primeira infância e do provimento
material das necessidades dos filhos. Criamos nossas crianças de forma sadia ao
nos mostrarmos presentes, participativos e atuantes em sua formação.
Se formos incapazes de perceber que além dos conteúdos também somos responsáveis pela formação ética, pelos valores e pela postura e coerência perante a vida, não poderemos nos considerar verdadeiramente educadores na plena acepção da palavra...
Exagerar no orgulho a ponto de atingir a petulância ou a arrogância são erros que não condizem com o trabalho que temos pela frente. Do mesmo modo, a humildade excessiva pode ser problemática caso não consigamos nos fazer presentes, participativos, tendo voz ativa e opinião para expressar. Nem tanto ao sol nem tanto a terra...
Outro aspecto importante trabalhado pela professora foi a questão da falta de responsabilidade dos pais no que se refere à formação dos filhos. Delegar atribuições e partilhar os compromissos relativos à formação dos filhos com parentes ou empregados parece ter se tornado a norma, a regra.
A justificativa é quase sempre a mesma:- a família mudou em virtude da emancipação da mulher e de sua maior presença e participação no mercado de trabalho. Dessa forma os homens mantêm distância dessa imprescindível responsabilidade que é a formação de seus filhos e as mulheres se livram da mesma.
Temos que trabalhar? Sim, temos. Temos que criar nossos filhos? Sim, também temos. Não adianta “tirar o corpo fora” e tentar se eximir. Se os compromissos profissionais não permitem ao pai e a mãe estar todo o tempo por perto, que os períodos em conjunto sejam mais efetivos e bem vividos. Pode ser que não tenhamos a possibilidade de ver todas as tarefas ou trabalhos escolares de nossos filhos, mas temos que, ao menos, acompanhar suas produções, demonstrar interesse na vida educacional, ir a reuniões, conhecer os professores, cobrar maior responsabilidade na escola e, principalmente, demonstrar de forma prática, autêntica e verdadeira a nossa presença e preocupação.
Quando nossos filhos demonstram problemas de socialização, rendimento abaixo do esperado na escola, irritabilidade exagerada ou mesmo quando se envolvem com companhias inadequadas ou utilizam drogas estamos diante de situações que poderiam ter sido evitadas apenas a partir da participação dos pais em suas vidas. Crianças e adolescentes estimulados por pais e professores conseguem proezas dignas de nota e capazes de impressionar as famílias e platéias mais céticas.
Nas palestras e workshops em que apresento idéias e propostas sobre educação é comum que disponibilize para os educadores alguns dos projetos e trabalhos que foram produzidos por meus alunos de ensino fundamental e médio. Invariavelmente a reação dos participantes é de surpresa e de satisfação. Faço isso para que eles acreditem que é possível, que está ao nosso alcance, que podemos fazer muito melhor. Meus grandes aliados sempre foram os alunos e, nossa interação só funcionou e rendeu grandes produções porque eram estudantes que foram ouvidos e respeitados na escola e, principalmente em suas casas, por seus pais...