A Semana - Opiniões
Para gostar de ler
Temos que incentivar a leitura entre a nova geração
“Para gostar de ler” é o título de uma coleção de livros lançada no início da década de 1980 e que se compunha basicamente de crônicas escritas por alguns dos mais expressivos e ilustres escritores brasileiros. Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade assinavam histórias deliciosas que ilustravam para os jovens leitores de então (entre os quais eu estava incluído) o cotidiano dos brasileiros de forma cômica, trágica, irônica, patética, melancólica,...
Mais do que uma recordação de leitura agradável, o título desse artigo tem o interesse de despertar a atenção de educadores, pais e estudantes para uma grave e importante situação vivida nas escolas brasileiras há um bom tempo, ou seja, o desinteresse pela leitura.
Ler no contexto escolar virou sinônimo de tarefa, de remédio amargo (daqueles que temos que engolir para realmente melhorar de uma enfermidade) ou ainda, por incrível que pareça, de castigo. E o que podemos e devemos fazer em relação a isso? Apenas lamentar e continuar tocando o barco sem que nos responsabilizemos por um imprescindível resgate? Ou devemos nos ater a questão e pensar em algumas possibilidades de trabalho que valorizem essa ação tão básica para a educação quanto à água é para a sobrevivência dos seres humanos?
É isso mesmo, precisamos tanto da leitura quanto da água se queremos viver intensamente. É praticamente impossível imaginar que alguém seja capaz de desenvolver plenamente suas habilidades e competências se não tiver o agradável hábito da leitura. Ao lermos livros criamos um rico intercâmbio com autores e pesquisadores, com literatos e cientistas; somos capazes de entender a fotossíntese ou ainda de dar a volta ao mundo em oitenta dias (em pleno século XIX!); compreendemos melhor as semelhanças e diferenças entre os homens e aprendemos a nos relacionar melhor com a diversidade; entendemos um pouco de mecânica e também de filosofia...
A espontaneidade na busca por livros deve ser sempre o nosso objetivo,
se conseguirmos estimular nossos estudantes a realizar essa atividade
independentemente
de qualquer compromisso ou tarefa escolar teremos atingido as metas previstas!
Mas, o que podemos realmente fazer para estimular a leitura?
Talvez o primeiro passo seja oferecer alternativas de leitura para nossos estudantes e não apenas impor determinados títulos que respondam a necessidades imediatas e premências impostas pelas secretarias e delegacias de ensino. Ao invés de obrigar seus alunos a ler os títulos que irão ser cobrados no vestibular, dê-lhes uma lista com alguns títulos e permita que eles escolham qual livro gostariam de ler. Entre esses livros coloque alternativas como Machado de Assis, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Carlos Drummond de Andrade ou Lígia Fagundes Telles ao lado de autores que tenham menos requinte e sofisticação mas que sejam interessantes e populares como Júlio Verne, Agatha Christie, Paulo Coelho, J. K. Rowling, Dan Brown ou Jô Soares.
Isso se estivermos falando de adolescentes, estudantes que estejam cursando o Ensino Médio ou a 2ª fase do Ensino Fundamental (de 5ª a 8ª série). Afinal de contas queremos que eles leiam e se interessem pela leitura, que criem uma relação prazerosa com os livros e, para isso, temos que dar-lhes uma ampla gama de títulos pelos quais possam começar, mesmo que isso signifique abdicar de certos purismos que ainda prevalecem em nossas escolas no que se refere aos livros que podem ser oferecidos aos estudantes. Na verdade o trabalho de incentivo a leitura teria que começar muito mais cedo, para ser mais exato durante a alfabetização, exatamente no momento em que nossas crianças tomassem contato com as primeiras letras.
Ler histórias para as crianças e fazer com que elas entrem no clima das tramas relatadas
cria verdadeira empatia com a leitura entre os pequenos e leva ao cultivo desse salutar
hábito em etapas posteriores de suas vidas.
A curiosidade natural das crianças nesse estágio de suas vidas seria um combustível natural para mobilizar e consolidar a leitura desde que houvesse em casa e na escola um trabalho de incentivo por parte de pais e professores. Esse empenho por parte dos progenitores e também dos educadores teria que ser feito a partir da disponibilização de livros adequados a essas faixas etárias e também a seu desenvolvimento quanto à leitura.
A leitura compartilhada por parte dos adultos em relação às crianças também auxilia, e muito, a definir entre as crianças a atividade em questão como um grande prazer. Para isso é importante que pais e professores se sentem regularmente com as crianças e não apenas leiam as histórias dos livrinhos, mas também que eles se dediquem a dar vida aos textos que trabalham.
Isso significa, na prática, que eles devem dar entonações diferenciadas aos personagens, descrever em detalhes os ambientes, mobilizar-se fisicamente em relação à leitura para dar mais ênfase e destaque as situações relatadas e, depois, fazer que as crianças falem sobre o que ouviram, desenhem, releiam a história (individual ou conjuntamente) e que também escrevam sobre o que foi lido.
Outra importante iniciativa ainda nesse primeiro momento de contato entre as crianças e a leitura é a utilização das histórias em quadrinhos. Por muito tempo os quadrinhos foram condenados por educadores que desprezavam as qualidades gráficas, a técnica e também a criatividade dos grandes artistas do setor. Atualmente é praticamente consensual que a leitura de “revistinhas” pode ser uma atividade muito enriquecedora para as crianças.
Personagens como Mafalda, Mônica, Cebolinha, Asterix, Tintin, Recruta Zero, Garfield, Calvin, Mickey, Donald, Zé Carioca e tantos outros tem muito a conceder em termos de experiência, conteúdo, vocabulário e conhecimento para nossos pequenos estudantes. Nos quadrinhos há espaço para as discussões mais diversas possíveis:- das relações humanas a crise da economia, dos problemas da escola a degradação ambiental, da fome as vitórias no esporte,...
Há grande riqueza de idéias nas histórias em quadrinhos. Além dos textos apresentados
nos balões as crianças são incentivadas a deduzir e interpretar as expressões dos
personagens, o cenário em que as situações acontecem e, até mesmo, os detalhes
que
compõem as cenas. É recurso valioso para levar as crianças a gostar de ler.
(Acima
três ícones
dos quadrinhos, a produção de Walt Disney, Asterix e Mafalda).
Agora, em qualquer etapa do desenvolvimento de nossos alunos é imprescindível que os mesmos percebam o quanto à leitura é agradável e importante para o crescimento pessoal e profissional de uma pessoa. Nesse aspecto é necessário que os professores e pais sejam coerentes quanto a sua atitude e ação. Isso significa que não adianta nada pregar em favor da leitura se, no caso, a realização freqüente de leituras não for prática corrente entre aqueles que pregam esse hábito.
Isso inclui a atualização através de revistas e jornais ou também da Internet, mas refere-se principalmente ao contato constante com livros. Professor que não lê regularmente não consegue se desenvolver e, obviamente, não atualiza seus conhecimentos e suas práticas, sua visão de mundo é estreita e a sua capacidade de se relacionar com as pessoas se atrofia. O fato do professor não ler também motiva os estudantes a questionar os motivos pelos quais eles teriam que realizar essa atividade...
A leitura no ambiente doméstico também serve como um referencial para a relação entre as crianças e os livros. Se os pais têm o hábito da leitura é muito provável que comprem, valorizem e estimulem a formação de uma biblioteca particular que será compartilhada com os filhos. A existência de um acervo e também o contato freqüente com jornais e revistas aumenta a curiosidade e leva as crianças e adolescentes a adquirir o hábito de folhear e ler livros, notícias e artigos.
É claro que em relação aos investimentos na leitura sempre irão surgir questionamentos, principalmente quanto aos custos decorrentes desse empreendimento. Nunca há dinheiro para livros, entretanto, estranhamente não faltam recursos para o churrasco do final de semana ou para ir a um show ou a uma pizzaria. É claro que não estou dizendo que não devamos mais nos divertir para comprar livros, apenas alerto para a necessidade de administrarmos melhor os nossos orçamentos para que possamos, aos poucos, montar nossos pequenos acervos e, dessa forma despertar o interesse em nossas crianças. O mesmo deve ser feito em relação às bibliotecas escolares e municipais, ou seja, que sejam reservadas verbas anuais prevendo a aquisição de mais títulos, mesmo que isso implique em adiar por algum tempo a atualização de algum equipamento ou uma pintura extra nas paredes da escola...