A Semana - Opiniões
A importância da educação pré-escolar
A precariedade das creches e pré-escolas no Brasil
Nas últimas semanas o Brasil foi visitado por especialistas em educação interessados em descobrir como funciona a educação infantil e o sistema de creches em nosso país. As preocupações que trouxeram uma importante delegação da Unesco (órgão da ONU), formada por representantes de diferentes países e continentes, e reforçada por estudiosos de educação do próprio Brasil, era avaliar as condições de ensino das crianças de 0 a 6 anos.
Para realizar esse trabalho foi traçado um caminho que foi percorrido pelos membros da comitiva durante duas semanas. Esse mapa, que os direcionou pelas mazelas educacionais de nosso país, levou esses técnicos e estudiosos a visitar escolas em Sobral (no Ceará), Blumenau (em Santa Catarina) e no Rio de Janeiro (capital e interior).
Tiveram a oportunidade de conversar com professores, monitores de creches, membros da comunidade atendida por esses serviços e também por funcionários destacados do Ministério de Educação e Cultura (MEC).
Viram as dificuldades próprias de um país que tem dimensões continentais e que, por isso mesmo, apresenta enormes diferenças no que tange aos serviços educacionais oferecidos em seus estados. Apesar disso, foram encontradas semelhanças nas creches e escolas públicas visitadas durante o trajeto, a maioria delas embaraçosa para quem zela pela qualidade do setor no país.
A estrutura física dos estabelecimentos voltados a esse público específico (crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, em escolas de educação infantil ou creches), nos três estados visitados era precária. Em algumas das escolas visitadas as salas não tinham pisos adequados, o acesso era dificultado pela ausência de asfalto (as ruas eram de terra batida), a conservação dos prédios quanto a instalações elétricas ou hidráulicas careciam de reformas e faltavam instrumentos básicos para o exercício do trabalho que ali deveria ser executado por monitores e educadores.
Para que as crianças demonstrem interesse, curiosidade e disposição para aprender
o estímulo a educação deve começar ainda no período de gestação e ser desenvolvido
ao longo da educação pré-escolar, quando a criança tem entre 0 e 6 anos de idade.
Carteiras infantis, berços, cercados, brinquedos educativos e mesmo lousa e giz (em alguns casos) são artigos em falta. Sem esses recursos fica muito difícil realizar o trabalho adequadamente, como constataram os técnicos a partir do relato dos próprios funcionários que trabalham nessas escolas e creches.
A precariedade chega a ser tão grande que em uma das creches visitadas, no interior do Rio de Janeiro, as crianças que ali se encontravam estavam sentadas no chão de cimento frio, sem roupas, com o piso marcado por manchas de urina...
E o pior de tudo é perceber que as autoridades que comandam o setor no país não consideram essencial o investimento na educação de crianças dessa faixa etária. Enquanto isso, nos países desenvolvidos, educadores e pesquisadores do setor firmam posição clara e definitiva em favor de maiores esforços e investimentos no segmento.
Afirmam estudiosos das maiores universidades e centros de pesquisa da Europa e dos Estados Unidos, que a formação do ser humano começa ainda na barriga da mãe, durante o período de gestação. Isso implicaria, por exemplo, um trabalho a ser realizado pelos educadores, sob a batuta do estado, de orientação das famílias quanto aos cuidados e estímulos a serem dados pelos pais aos filhos ainda durante os meses que antecedem o parto...
Para isso seria fundamental afinar os esforços realizados por diferentes áreas estratégicas dos governos federal, estadual e municipal. Ainda nesse sentido, a educação teria que unir seus esforços a saúde e aos órgãos públicos de assistência social. No caso do Brasil o que se percebe (e que ficou claro aos olhos dos membros da comitiva da Unesco) é que há uma disputa entre esses ministérios e não um trabalho de cooperação e solidariedade.
As pré-escolas e creches não precisam ser sofisticadas, no entanto é necessário que
elas sejam limpas, que estejam em bom estado de conservação física, que tenham os recursos
necessários para o trabalho dos educadores e funcionários e que sejam de fácil acesso.
Brigam entre si por verbas e maior representatividade dentro do governo quando deveriam se unir para tentar resolver os sérios problemas sociais que atingem uma enorme parcela da população brasileira. Para piorar ainda mais a situação o Congresso Nacional tem votado e aprovado medidas a nível federal que reduzem a quantidade de verbas destinadas a educação infantil e as creches...
Isso está acontecendo em Brasília e também em alguns estados brasileiros, como em São Paulo. A falta de verbas no setor leva municípios a fecharem o atendimento a essas crianças de 0 a 6 anos ou então a oferecerem vagas em quantidade muito inferior a demanda de cada cidade ou região.
O paradoxo entre o que ocorre no setor em nosso país e as constatações dos pesquisadores quanto a importância dessa fase da educação das crianças nos leva a pensar que o país poderia evitar muitos e graves problemas entre crianças mais velhas ou adolescentes (principalmente a partir dos 10 anos) se os investimentos feitos no setor fossem consistentes e se houvessem políticas públicas sérias sendo aplicadas.
Uma das pesquisadoras que visitou as escolas e creches relatou que as comunidades em que funcionam esses estabelecimentos consideram a educação muito importante para o futuro de seus filhos. No Ceará e no Rio de Janeiro, locais em que o nível de analfabetismo é maior entre a população adulta, a percepção da relevância da educação e da consonância entre alfabetização e melhores condições de vida faz com que as comunidades de bairros se manifestem pela melhoria dos serviços e pela ampliação da oferta de vagas.
Os professores e funcionários que trabalham em creches e escolas de educação infantil
têm que concluir seus estudos, formar-se no Ensino Médio, Técnico ou Universitário
(Magistério Superior, Pedagogia, Assistência Social, Psicologia) e se atualizar
constantemente
para melhorar o atendimento a seus alunos.
A resposta do MEC e do Congresso Nacional, apesar do comprometimento e seriedade de muitos profissionais que trabalham no ministério da educação, vai justamente na direção contrária dos anseios populares. Os cortes de verbas tendem a arrasar o sistema educacional precário existente e fechar mais e mais escolas e creches.
Se não bastassem os problemas quanto a verbas e recursos materiais, os visitantes da Unesco ainda constataram que os trabalhadores envolvidos com os serviços oferecidos nas escolas de educação infantil e creches visitadas não possuíam a formação necessária e adequada para esse tipo de trabalho. Não falta boa vontade e disposição, principalmente se levarmos em conta as adversidades que se impõe a esses funcionários e professores.
Entretanto, o estudo necessário para o exercício das funções é ferramenta básica para que a educação qualificada se estabeleça. Nesse sentido seriam necessários investimentos que permitissem a esses funcionários o acesso a estudos a nível de Ensino Médio (em muitos casos), nível técnico ou mesmo Magistério Superior, Assistência Social, Pedagogia ou Psicologia.
Nos países ricos da Europa, nos Estados Unidos, na Austrália, no Canadá, no Japão e nos tigres asiáticos já se estabeleceu a crença de que a educação é o caminho mais seguro para a superação das desigualdades sociais e, consequentemente da pobreza. Nesses países acredita-se num conceito chamado “life long learning”, ou seja, educação ao longo de toda a vida.
Essa postura demanda investimentos em todos os setores da educação, dos berçários e creches até a universidade. Há uma preocupação em nosso país, estabelecida ao longo do governo de Fernando Henrique Cardoso, de avaliar a educação nacional, traçar metas, realizar planos nacionais e reestruturar as redes públicas de Ensino Fundamental, Médio e, mesmo, universitário.
O governo de Luís Inácio Lula da Silva manteve boa parte desses projetos e procedimentos. Entretanto, tanto nos mandatos tucanos quanto no petista, o segmento que vai do 0 aos 6 anos, a chamada pré-escola e os berçários e creches, tem sido constantemente esquecidos, abandonados.
Costumo dizer para colegas educadores que trabalham comigo na universidade ou com quem estive no Ensino Médio, que o setor mais importante da educação é justamente a fase inicial, aquela que agrega tanto a educação pré-escolar quanto as primeiras séries do fundamental. É nesse momento que estimulamos, despertamos a curiosidade, desenvolvemos o gosto pela leitura, introduzimos aos números e aos cálculos, contamos as primeiras histórias e apresentamos as primeiras noções de ciências as nossas crianças...
Quando será que essas crianças serão consideradas prioridade no planejamento político nacional? Será que isso acontecerá um dia? Ou será que elas continuarão a ser condenadas a privações e dificuldades em seus futuros...