Cinema na Educação
Apocalypse Now
No limite entre a lucidez e a loucura
Poucos filmes produziram efeito tão devastador na consciência humana quanto “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola. Não se trata simplesmente de mais uma produção a respeito da Guerra do Vietnã, nem tampouco de um libelo em favor da paz em meio aos horrores de um conflito sangrento de terríveis repercussões. Tanto o fato histórico localizado no Vietnã nas décadas de 1960 e 1970 quanto a catástrofe de uma guerra alongada e ideológica constituem apenas os bastidores de uma luta muito mais intensa e complicada, envolvente e desgastante, do homem em busca de sua própria sanidade...
Baseado no livro “Heart of Darkness” (O Coração das Trevas, editado no Brasil pela Ediouro), de Joseph Conrad, “Apocalypse Now” nos coloca no centro de uma disputa travada entre dois homens em estado de transe absoluto, alterados pelo contexto brutal em que se envolveram enquanto soldados de uma luta inglória e injusta. Tanto o coronel Kurtz (Marlon Brando, impecável como sempre) quanto o capitão Willard (o eficientíssimo Martin Sheen) são demonstrativos de como vivemos no limite entre a lucidez e a loucura.
Cabe então uma reflexão aprofundada a esse respeito, afinal de contas, loucura e lucidez são incompatíveis?
O Coronel Kurtz de Brando representa, de certa forma, a prova inconteste de que talvez essa incompatibilidade não seja uma regra absoluta, como, aliás, a ciência parece estar descobrindo nos últimos anos a respeito de suas leis e definições... A incerteza parece ser a maior de nossas certezas e o melhor caminho para o nosso crescimento e maturação...
“Apocalypse Now” constitui um dos melhores filmes de guerra já produzidos pela indústria cinematográfica em todos os tempos justamente pelo seu caráter instigante e questionador, poderoso enquanto ferramenta que mobiliza seus espectadores a repensar situações e conceitos.
Pode ser comparado apenas a outras obras-primas do gênero como “Nascido para Matar” (do mestre Stanley Kubrick), “Platoon” (do criativo e “maldito” Oliver Stone) e a “Além da Linha Vermelha” (do reflexivo Terence Malick). Quanto aos filmes de Stone e Kubrick é possível lembrar como pontos de aproximação do pano de fundo histórico (a Guerra do Vietnã, a maior ferida aberta da história dos Estados Unidos), a brutalidade do contexto em que as relações humanas se estabelecem (se é que dá para entender tudo aquilo como fundamentalmente humano) ou ainda a trama sendo apresentada a partir da narrativa de um participante diretamente envolvido (o que ocorre tanto em Platoon quanto em “Apocalypse Now”).
Suas maiores semelhanças são, no entanto, guardadas em relação ao filme de Terence Malick. Em ambos há a preocupação de colocar em debate não apenas o embrutecimento dos seres humanos, a violência desmedida da guerra, a morte de nossos sonhos e de nosso idealismo... “Apocalypse Now” e “Além da Linha Vermelha” tentam divisar a existência humana a partir dos limites tênues que separam o bem e o mal, a harmonia e o desequilíbrio, a vida e a morte, a tristeza e a alegria... São filmes que se encontram com a filosofia e com a busca da perenidade, do sentido da vida. Por isso são imortais e básicos para quem quer saber de cinema, educação, história, cultura, filosofia,...
Obs. Apesar da proximidade de muitas de suas idéias, “Apocalypse Now” e “Além da Linha Vermelha” são ambientados em contextos diferentes. Enquanto o filme de Coppola acontece no Vietnã e no Camboja, o filme de Malick ocorre na 2ª Guerra Mundial, no conflito entre americanos e japoneses nas ilhas do Oceano Pacífico.
O Filme
Totalmente zonzo e embriagado, rodopiando dentro de um quarto de hotel em Saigon, semi-nu e com a mão machucada após um soco desferido contra um espelho, é dessa forma que o capitão Willard (Martin Sheen) recebe a visita de dois oficiais que trazem com eles uma convocação para uma nova missão a ser desenvolvida por esse jovem oficial no Vietnã. Sua inconsciência era tão grande que a princípio o capitão imaginou que seria preso. Depois de confirmado o novo trabalho que tinha pela frente, desmaiou e teve que ser colocado debaixo de uma ducha fria para recompor-se e apresentar-se aos oficiais que o haviam destacado para essa nova tarefa.
A filmagem de Coppola nos coloca no clima de intranqüilidade e desconforto total do Vietnã desde as primeiras cenas, em que ficamos conhecendo o capitão Willard, um dos protagonistas. É proposital, tem o interesse de nos colocar no clima do filme, de nos deixar tensos, a espera de novas e desagradáveis surpresas. “Apocalypse Now” não pretende agradar aos espectadores, quer chocar, incomodar, ocasionar debate, promover reflexões...
A missão de Willard é a mais improvável e complexa de sua carreira militar. Em meio a um dos mais espinhosos e sangrentos conflitos da história dos Estados Unidos, Willard está sendo encaminhado para as selvas do Camboja, país vizinho ao Vietnã, para eliminar uma liderança negativa, que se apresenta como um entrave aos objetivos militares norte-americanos... o coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando).
Tudo poderia ser encarado dentro de uma certa normalidade se Kurtz não fosse um dos mais destacados e brilhantes estrategistas militares das próprias forças armadas ianques. Dono de um dos mais espetaculares currículos da história do exército americano, Kurtz havia, aparentemente, enlouquecido nas selvas locais e passara a ser, desde então, uma ameaça a estabilidade, permanência e possibilidade de vitória dos Estados Unidos no conflito em terras vietnamitas.
Essa viagem em direção a Kurtz é cerceada por encontros que fazem Willard pensar com profundidade a existência humana e os limites que separam sanidade e insanidade. Em seu caminho encontra, por exemplo, o tenente-coronel Kilgore (Robert Duvall, memorável), capaz de deslocamentos e destruições notáveis em acampamentos inimigos apenas pela possibilidade de pegar ondas em companhia de um campeão de surfe que serve como recruta em uma das tropas ou ainda de atacar destacamentos vietnamitas ao som do compositor clássico Richard Wagner...
Situações como essa, totalmente surreais, povoam o universo de “Apocalypse Now” e tornam o filme verossímil e real dentro de uma narrativa aparentemente fantasiosa e por vezes insana. O encontro entre Willard e Kurtz é o clímax dessa fantástica história que relata a mais constante e interminável de todas as nossas buscas enquanto seres humanos, nossa própria identidade...
Obs. “Apocalypse Now” foi premiado no festival de Cannes, foi indicado a 8 Oscars (ganhou dois prêmios técnicos, melhor fotografia e som) e arrebatou 3 Globos de Ouro (prêmios para o diretor Coppola, para Robert Duvall como melhor ator coadjuvante e de melhor roteiro); É interessante perceber que alguns atores que ficariam muito famosos anos depois fizeram pontas no filme, casos de Harrison Ford e Lawrence Fishburne.
Aos Professores
1- O ponto nevrálgico do filme “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola, é justamente a linha divisória entre o bem e o mal. A encarnação ideológica das bandeiras americanas agitadas em favor da democracia e da liberdade no Vietnã era representativa apenas desses nobres ideais? Ou escondia sob esse manto de moralidade e belos propósitos o estabelecimento de novos e importantes pontos de apoio em sua luta contra o “império do mal” identificado no mundo socialista capitaneado pelos soviéticos? Do mesmo modo, a busca de uma sociedade mais justa, harmônica e equilibrada, sem grandes desequilíbrios sociais e econômicos era agitada pelos defensores dos princípios socializantes. E eles, também não omitiam outros interesses e objetivos? O que há por trás das imagens, palavras, atos, escolhas e comportamentos das pessoas? O que elas realmente desejam? “Apocalypse Now” permite aos educadores permear esse tema, almejar a sinceridade, discutir “verdades” e “mentiras”,...
2- A Guerra do Vietnã constituiu-se num dos maiores fracassos da história dos Estados Unidos. No Brasil o tema é pouco estudado em salas de aula, apesar da enorme repercussão do conflito e das conseqüências para todo o mundo. Seria interessante promover um levantamento sobre o conflito, produzir linhas de tempo, rastrear depoimentos e fotografias sobre a guerra, procurar artigos publicados em jornais e revistas, produzir painéis ou ainda montar seminários e mostras sobre o tema. Os objetivos? Mais do que simplesmente reproduzir idéias, o que importa realmente é entender e questionar as causas da guerra, suas implicações e conseqüências...
3- O conflito em terras vietnamitas também poderia ser estudado a partir da montagem de uma mostra de filmes sobre o tema. Para tanto seria adequado um levantamento a respeito da filmografia disponível, o estudo desses títulos por grupos de alunos, a organização do evento na escola, a participação de professores de diferentes disciplinas, a elaboração de textos sobre os filmes e o estabelecimento de uma banca que coordenasse debates e discussões depois da apresentação dos filmes para alunos e demais participantes.
4- É possível fazer um paralelo entre conflitos como a Guerra do Vietnã ou da Coréia com os tempos atuais e os embates travados no Oriente Médio. Que tal motivar seus alunos a elaborar um estudo comparativo? Um ponto de partida muito interessante a ser utilizado, além do filme “Apocalypse Now”, seria a leitura do livro de Joseph Conrad, “O Coração das Trevas” que fala sobre a experiência de Conrad na África e apresenta seus posicionamentos contra o imperialismo...
Ficha Técnica
Apocalypse Now
País/Ano de produção: EUA, 1979
Duração/Gênero: 148 min., Guerra
Direção de Francis Ford Coppola
Roteiro de Francis Ford Coppola e John Milius
Elenco: Marlon Brando, Martin Sheen, Robert Duvall, Frederick Forrest,
Albert Hall, Dennis Hopper, Harrison Ford, Lawrence Fishburne, Sam Bottoms.
Links
-http://www.adorocinema.com.br/filmes/apocalypse-now/apocalypse-now.htm
- http://parceiros.cineclick.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=367
- http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=3380