A Semana - Opiniões
Globo e Você, Tudo a ver?
Os 40 anos da rede de Televisão mais popular do Brasil
Para mim é difícil imaginar o Brasil sem a TV Globo. Nasci em 1967 e nesse ano a emissora já havia completado dois anos de funcionamento. Nessa época, diferentemente de hoje em dia, nem toda casa do bairro tinha televisão, por isso mesmo, de acordo com os relatos de meus pais, tios e avós, era comum que as pessoas se deslocassem para uma das residências das cercanias para que todos pudessem assistir aos programas mais populares.
Desde então, até por conta do enorme sucesso e repercussão das rádio-novelas, os folhetins apresentados pelas redes televisivas nacionais já faziam sucesso. Eram ainda os primeiros passos das transmissões em nosso país e as redes Excelsior, Tupi e Record dividiam entre si a audiência e nem podiam imaginar que em alguns anos seriam superadas pela então iniciante Rede Globo.
40 anos depois, Excelsior e Tupi já nem existem mais enquanto a Globo se tornou campeã absoluta de audiência em praticamente todos os horários e segmentos. Consegue ser a líder em jornalismo, telenovelas, filmes, minisséries, programas infantis e esportes. Produz documentários, séries educativas e adaptações de clássicos da literatura que são vistos no Brasil e exportados para os quatro cantos do mundo.
A TV Globo firmou conceitos e práticas na televisão do Brasil que tem sido copiados repetidas vezes pelas outras emissoras de nosso país ou ainda por conceituadas redes de outras nacionalidades.
De acordo com os dados internacionais, em virtude de sua programação diversificada e da qualidade de muitas de suas produções, além da eficiência de seus realizadores e das virtudes de seu departamento de marketing, a Globo é identificada como uma das 5 maiores emissoras de televisão do mundo.
A audiência de programas como o Jornal Nacional e as novelas do horário nobre,
especialmente aquelas veiculadas depois do noticiário das 20 horas, é superior a soma
dos programas veiculados por todas as outras emissoras brasileiras nos mesmos horários.
Isso tudo motivou o surgimento do slogan que praticamente todos os brasileiros conhecem já há algum tempo: “Globo e você, tudo a ver”.
Apesar de todos os méritos e do reconhecido produto final da emissora em muitas de suas produções, vale refazer a frase tornando-a um questionamento, ou seja, será que podemos afirmar que a “Globo e você, (tem) tudo a ver”?
Há alguns questionamentos que poderiam ser feitos por qualquer cidadão brasileiro com um pouco mais de esclarecimento a respeito de certos padrões e práticas adotadas pela “Vênus Platinada” como é conhecida a TV Globo. Por exemplo:
- Por que programas educativos de reconhecida qualidade como o Globo Ecologia, o Globo Ciência ou o Globo Comunidade são passados em horários impróprios e pouco atraentes para as crianças e os adolescentes como as 6 ou 7 horas da manhã de sábados e domingos?
- O que leva a emissora a editar seus programas jornalísticos de forma tão parcial, fazendo com que algumas notícias que poderiam ser consideradas de relevância sejam apresentadas em poucos segundos enquanto outras, não tão representativas sejam exploradas durante valiosos minutos?
- Alguns filmes apresentados pela TV Globo sofrem com os cortes e com a edição feita pela emissora. Como seria possível ver na íntegra essas obras? Essa retaliação afeta muitas vezes a estética, a mensagem, a produção e até mesmo a história apresentada aos espectadores.
Programas como o Globo Repórter ou o Fantástico, que estão há vários anos na
programação da Rede Globo, tem ajudado a popularizar importantes discussões e
temas referentes a ciência, a cultura, aos hábitos populares, a medicina,...- A violência, a exploração da sexualidade, as traições conjugais, a corrupção deslavada ou ainda abusos trabalhistas são apresentados em várias novelas da emissora. Muitas vezes essas temáticas são exploradas de forma ofensiva mesmo em horários em que há grande quantidade de crianças e adolescentes assistindo televisão. Não seria possível programar esses folhetins para mais tarde? Por que não rever o sensacionalismo utilizado como linguagem em muitas dessas telenovelas para evitar que esses assuntos se tornem corriqueiros (e corrosivos) para os mais jovens?
- Como alguns programas conseguem persistir na programação da emissora apesar do evidente desgaste de suas fórmulas e a apelação de suas propostas? “Zorra Total”, “Linha Direta”, “Domingão do Faustão” ou ainda “Turma do Didi” deveriam passar por uma completa revisão ou então sair do ar...
- Os programas infantis da emissora poderiam tentar trabalhar numa linha mais educativa, sem que, com isso, perdessem suas possibilidades como entretenimento. Para que isso acontecesse seria interessante, por exemplo, que trabalhos premiados como aqueles produzidos pela TV Cultura ou por emissoras internacionais retransmitidas como canais pagos no Brasil (Discovery Kids, Discovery Channel, Animal Planet, National Geographic Channel) servissem de referência ou como parceiros. Por que isso não acontece?
- Seria interessante que a programação da TV Globo previsse a exibição de suas séries baseadas na literatura ou mesmo aquelas originais em horários acessíveis para estudantes. Que motivos levam a emissora a transmitir algumas de suas melhores produções apenas depois das 11 horas da noite?
Canais como a TV Cultura e o Discovery Kids poderiam auxiliar a Globo na reformulação
de seus programas voltados para as crianças e adolescentes. As fórmulas da programação
voltada para esse segmento de público carecem de maior criatividade, sensibilidade e inteligência.- A Globo é uma das maiores compradoras de filmes do mundo inteiro, entretanto sua programação prima apenas pela exibição de produções tipicamente comerciais. Raramente temos a possibilidade de ver películas de arte, reconhecidas internacionalmente através dos prêmios por elas recebidos, na grade de programação da produtora. O que explica essa opção? Somente os motivos comerciais? Será que os executivos da emissora pensam que não há público para produções mais requintadas e originais?
Apesar desses e de outros desarranjos, temos que reconhecer o poder e a influência da Globo no cenário nacional. Há, nesses 40 anos, tanto acertos quanto erros. Não é possível construir um texto em que tentemos apenas criticar ferozmente a emissora do clã Marinho. Pelo contrário, devemos também reconhecer muitos êxitos obtidos pela emissora carioca.
Quem consegue esquecer, por exemplo, de minisséries fantásticas como “Anos Dourados”, “Um Só Coração”, “Os Maias”, “Hoje é dia de Maria”, “O Tempo e o Vento”, “Incidente em Antares” ou “A Muralha”, entre muitas outras de igual qualidade?
Há telenovelas que marcaram época e que influenciaram hábitos e costumes no país. “Vale Tudo”, “Terra Nostra”, “O Bem Amado”, “Dancing Days”, “Gabriela”, “Pecado Capital”, “Guerra dos Sexos”, “Saramandaia”, “Senhora do Destino” ou “O Clone” bateram recordes de audiência, motivaram os brasileiros a se vestir ou dançar de acordo com novos figurinos e ritmos, motivaram discussões sobre relacionamentos, levantaram a bandeira da tolerância,...
Igualmente importante tem sido a cobertura jornalística feita pela Globo, capaz de cobrir desde eventos internacionais de grande envergadura como a Guerra do Iraque, os atentados as torres do World Trade Center, a morte do papa João Paulo II (e a ascensão de Bento XVI), as conquistas do esporte brasileiro e mundial, as crises econômicas, as grandes invenções da ciência ou ainda a mais recente produção cultural...
Minisséries como “Hoje é dia de Maria” ou telenovelas como “O Clone” inovaram a
comunicação televisiva, introduziram temáticas diferenciadas, consagraram novos astros e
estrelas e definiram uma nova estética televisiva que conquistou audiência dentro e fora do Brasil.
Se não bastasse toda essa importante contribuição, a Globo também tem se dedicado a promover o ressurgimento do cinema nacional ao financiar, através de um de seus braços empresariais, a Globo Filmes, a produção de vários sucessos da história cinematográfica de nosso país, como os recentes “Olga” e “Os Normais”.
Ao completar 40 anos desejamos que a Rede Globo continue obtendo vitórias como as que teve até o presente momento (sendo laureada internacionalmente em festivais e tendo seus programas veiculados pelos quatro cantos do mundo), mas, também esperamos que a maturidade dessas quatro décadas permitam a emissora rever alguns de seus princípios, algumas de suas práticas. Que nesse aniversário conceda-se algum tempo para a reflexão e não apenas para as celebrações. É tempo de crescer com sabedoria, como se exige de qualquer pessoa que complete essa idade...