A Semana - Opiniões
A Fogueira das Vaidades Acadêmicas
Algumas razões de nossos fracassos...
Há alguns anos atrás um livro de grande sucesso foi lançado nos Estados Unidos. Teve grande repercussão não só no mercado editorial norte-americano, mas também em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Seu autor se tornou um dos mais célebres escritores de best-sellers das últimas décadas. O livro notabilizou-se por questionar valores e toda uma década...
Tratava-se de “A Fogueira das Vaidades”, de Tom Wolfe. Como qualquer grande sucesso literário, acabou se tornando uma produção cinematográfica de grande porte, com astros como Tom Hanks, Melanie Griffith, Morgan Freeman e Bruce Willis. Foi dirigido por ninguém menos que Brian de Palma (recém-saído de um de seus maiores sucessos, “Os Intocáveis”).
Como literatura o livro de Wolfe é questionável, entretanto não dá para negar que foi importante como elemento de questionamento quanto a uma série de hábitos, costumes e comportamentos estabelecidos ao longo dos anos 1980, década celebrizada pelo advento dos Yuppies de Wall Street.
Os Yuppies, para quem não se lembra, eram os executivos das grandes corporações ou do mercado de ações que enriqueceram rapidamente e de forma irregular, especulativa. Com suas fortunas acumuladas passaram a ostentar cada vez mais seus ganhos tratando de se vestir com roupas de marcas consagradas, freqüentando restaurantes caríssimos, comprando imóveis fabulosos ou andando em veículos deslumbrantes...
Filmes como “A Fogueira das Vaidades” e “Wall Street” nos mostram os bastidores
e toda a ferocidade dos executivos em sua busca por mais poder, lucros e luxo.
O filme “Wall Street – Poder e Cobiça”, do premiado diretor Oliver Stone conseguiu, de certa forma, reproduzir um pouco dessa atmosfera através dos personagens de Michael Douglas e Charlie Sheen, capazes de vender a alma ao diabo em busca de lucros cada vez maiores...
Mas, deixemos as bolsas de valores e o final dos anos 1980 para trás... Esses personagens e o contexto em que viviam não deixaram de existir. A ambição desenfreada e desmedida não foi aspecto exclusivo daquele momento histórico, já existira antes e continua vigindo no planeta nos dias atuais...
Além do mais, não é só no mundo dos grandes negócios que se estabelecem formas pouco dignas de ser e de se relacionar com o mundo. Até mesmo dentro do universo sacralizado dos acadêmicos existe a inveja, a ambição e as disputas pelo poder. Ser reitor, chefe de departamento ou mesmo conseguir uma cadeira acadêmica numa determinada universidade pode levar algumas pessoas a cometer atos verdadeiramente insanos...
A situação é ainda mais séria se pensarmos que estamos lidando com a elite intelectual de uma determinada sociedade. Talvez por esse motivo a idéia de Platão quanto a criação de comunidades geridas por filósofos e pensadores jamais viesse a dar certo. Antes de podermos considerar tais pessoas como intelectuais temos que percebê-los como seres humanos, propícios a mesquinharias, a atos condenáveis ou a trapaças e vilanias...
Sinto que abordar esse assunto pode causar calafrios em muitas pessoas. Em mim, particularmente, gera um inegável desconforto e faz despertar um negativismo que procuro afastar o mais rápido possível da minha vivência e expectativa profissional e pessoal. Dói profundamente por conta da ética, do idealismo e da postura que assumi enquanto cidadão e educador.
O ambiente acadêmico não pode ser formado a partir de interesses escusos,
onde os profissionais tenham que agir como cordeirinhos, respondendo aos
comandos de quem os contratou e os efetivou. A universidade demanda
diálogo,
participação, plenitude, profissionalismo, engajamento e consciência.
Porém, sinto que chegou a hora de falar um pouco dos bastidores da educação. Professores que se sentem inseguros com a chegada de jovens idealistas que querem renovar os rumos da academia. Chefes de departamentos que procuram estruturar equipes que sejam compostas apenas por “cordeirinhos”, prontos a repetir os preceitos ordenados de cima para baixo na equipe a qual pertencem. Estudiosos que renegam trabalhos de outros pesquisadores por considerarem que os mesmos podem ofuscar sua produção e reconhecimento.
Inveja, insegurança e medo. Esses são os sentimentos dessas pessoas. A partir dessas sensações surgem retaliações através de medidas de afastamento, perseguições ou, até mesmo, demissões...
Outro dia estive conversando com um jovem médico que tentou seguir a carreira acadêmica ao mesmo tempo em que clinicava. Fazia um certo tempo que não conversávamos e ele perguntou a respeito de meus estudos. Disse-lhe que havia terminado o mestrado e que iniciara o doutorado. Foi então que ele comentou que havia tentado trilhar os caminhos acadêmicos, mas que os obstáculos e a vaidade tinham sido tão grandes que ele desistira de continuar. Completou dizendo que admirava a minha disposição em continuar, apesar de alguns comentários rápidos da minha parte em que corroborava a sua afirmação.
É claro que o problema não é generalizado. Felizmente as proporções não são endêmicas. Pelo contrário, há uma enorme quantidade de profissionais no meio acadêmico dispostos a arriscar tudo pela consecução de uma educação universitária digna, qualificada e ética em seus princípios e práticas. Conheço muito mais pessoas preocupadas com a melhoria do ensino de 3º Grau do que esses falsos profissionais, mais voltados para a realização de seus desejos e ansiedades do que pelo bem da comunidade.
Qualquer tipo de prática que remonte aos subterrâneos da política nacional
como o coronelismo, a troca de favores ou os currais eleitorais tem que ser
execrado do ambiente educacional, especialmente do 3º grau.
Apesar disso, não tenho como deixar de abordar a existência desses porões e esgotos que prejudicam o desenvolvimento pleno das universidades brasileiras. O universo ao qual me refiro não se restringe a algumas instituições e nem somente ao setor educacional, com certeza está disseminado por vários outros endereços públicos e privados.
Na educação as preocupações tornam-se ainda maiores pelo fato de estarmos formando as novas gerações de profissionais e cidadãos. Estamos sendo derrotados pela empáfia, pelo orgulho em demasia, por desmesuradas ambições pessoais, pela falta de civismo, pela morte do idealismo e pela absoluta perda da civilidade que se esperam encontrar entre nós, educadores.
Sinto que, quando me deparo com situações como as que mencionei anteriormente nesse artigo, estamos vivendo nas faculdades um movimento semelhante ao dos Yuppies americanos dos anos 1980 ou, pior, percebo que no mundo acadêmico começam a se estabelecer práticas concebidas e vivenciadas nos piores momentos da história política de nosso país.
Há desde os currais eleitorais até os apadrinhamentos políticos, revivemos o coronelismo e as agruras de sistemas ditatoriais, vemos estrelas ascendentes que cresceram por se prestarem a serviços indignos e não por seus méritos profissionais, por sua competência e dignidade como educadores.
Fui, também, vítima de situações que considero desleais e incorretas. Alijado de cursos e aulas que ministrava por não pertencer ao curral que estava sendo montado numa das instituições em que trabalhei. Poderia ser membro da oposição política (e nem estava vinculado a nenhuma corrente ou proposta, como, aliás, não estou hoje em dia e nunca estive) apesar do bom e reconhecido trabalho que realizava para a universidade e para os estudantes...
Em outras circunstâncias me vejo como observador privilegiado de uma série de articulações nos quadros internos das instituições e consigo ver como as pessoas se mobilizam para desestruturar projetos, ações e práticas que considerem perigosas para seu próprio crescimento institucional. É lamentável que, ao invés de prestigiar, incentivar a participação de mais pessoas, se mobilizar em favor de recursos e investimentos ou ainda de se prontificar a pessoalmente auxiliar tais projetos, alguns pretensos profissionais prefiram agir nos bastidores para enfraquecer ou desarticular essas práticas.
Todo mundo poderia crescer, inclusive essas pessoas, se o trabalho fosse concatenado, se prevalecesse o espírito de equipe e não os individualismos. Não há como negar isso. O sucesso de qualquer iniciativa não depende de uma só pessoa, mesmo quando um homem (ou uma mulher) coordena uma realização, indubitavelmente eles estão associados a grupos, instituições, a departamentos e a capacidade de gerenciar egos e diferenças...
Vivemos um problema de reais dimensões pelo fato de várias dessas pessoas, movidas por suas ambições, ascenderem a cargos e posições decisivas para os rumos das instituições universitárias. Ao contarem com as prerrogativas de poder e decisão a elas atribuídas, iniciam-se atos vingativos, ilógicos e nocivos aos reais interesses da coletividade. Temos que ficar atentos e nos posicionar em relação aos desmandos. Educação exige compromisso com a coletividade e não podemos deixar que autênticos oportunistas tornem ainda mais difícil a melhoria das condições de ensino em nosso país...