A Semana - Opiniões
Ao encontro de Deus
A morte de João Paulo II
“À humanidade, que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal,
do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado oferece seu amor que perdoa,
reconcilia, e faz ressurgir o ânimo a esperança. É o amor que transforma
os corações e leva à paz”. (João Paulo II)
A transição desse mundo para outra dimensão é tema polêmico, muito mais afeito a teologia que a ciência. Nos últimos dias, devido à enfermidade do Papa João Paulo II e ao trágico desfecho no último sábado, dia 02 de abril de 2005, com o falecimento do sumo pontífice da Igreja Católica, voltaram a tona discussões acerca desse assunto que nos é tão caro, a morte.
O desaparecimento de João Paulo II é relevante num contexto como aquele em que vivemos justamente por toda a sua força e transcendência enquanto representante de uma espiritualidade definida a partir dos mais significativos preceitos da religião cristã. Seus 26 anos e meio de pontificado foram marcados por várias e importantes transformações na ação da Igreja Católica no planeta.
Ao se despedir da humanidade com uma mensagem em que fala sobre a necessidade de superarmos o ódio, o egoísmo e o mal a partir do exemplo do Cristo e de sua devoção pela vida e pelo amor, João Paulo II ressaltou as qualidades essenciais para a vida de qualquer ser humano, independentemente da fé que professe, ou seja: o caminho da compreensão, da misericórdia e da paz.
"Confiança mútua, repúdio às armas e respeito pelas leis internacionais
são
os únicos meios capazes de dar vida ao processo de paz”.
(em pronunciamento pela paz no Oriente Médio)
Sua trajetória como pontífice não foi sempre festejada como podemos pensar nesse momento de despedida. A imagem do Papa agonizando depois de cirurgias em que se tentava dar uma sobrevida ao religioso comoveram pessoas do mundo todo, da Europa Cristã a Ortodoxa, do mundo islâmico ao sudeste asiático.
No entanto, essa situação não revela os pontos críticos da relação estabelecida entre Karol Wojtyla e o mundo em que estava inserido. Questões controversas como o uso de preservativos, a aprovação ou não do aborto ou o combate a eutanásia criaram querelas significativas em várias partes do mundo. Casos como o da norte-americana Terri Schiavo ganharam maior relevância a partir da inserção da Igreja Católica e dos posicionamentos de João Paulo II nas discussões.
Sobre a Eutanásia, o Papa já havia se posicionado da seguinte forma, em 1998, na saudação Ad Limina aos bispos dos Estados Unidos:-
“A Igreja presta um serviço verdadeiramente vital à nação ao despertar a atenção pública para a natureza moralmente contestável de campanhas pela legalização do suicídio assistido por médicos e pela eutanásia. A eutanásia e o suicídio são graves violações da lei de Deus; a sua legalização introduz uma ameaça direta àquelas pessoas menos capazes de se defenderem e se mostra muito danosa às instituições democráticas da sociedade”.
Concordemos ou não com os posicionamentos do Papa e da Igreja Católica, temos que admitir que a presença dos religiosos nas discussões enriqueceram o diálogo e permitiram reflexões a respeito desses e de muitos outros temas. Afinal de contas, João Paulo II destacava-se justamente pelo fato de ser um pontífice antenado com os acontecimentos do mundo ao seu redor.
“Nem sempre a guerra é inevitável. Ela sempre é uma derrota para a humanidade”.
(Em referência ao provável ataque ao Iraque)
O respeito e a tolerância pelas diferenças era uma das mais importantes bandeiras assumidas pelo Papa, mesmo que muitas vezes na defesa de suas idéias o religioso se mostrasse um tanto quanto intransigente, correntes contrárias a seus veredictos não eram desrespeitadas e não foram excomungadas como em outros períodos da história do catolicismo...
Vejam, por exemplo, os posicionamentos de João Paulo II, datados de 1981, na exortação Familiaris Consortio, quanto às políticas públicas que estimulam o uso de preservativos a partir do seguinte depoimento:
“A Igreja condena como grave ofensa à dignidade e à Justiça humana todas as atividades governamentais e de outras autoridades públicas no sentido de limitar de qualquer modo a liberdade dos casais de decidirem a respeito de terem filhos. Conseqüentemente, qualquer violência aplicada por tais autoridades em favor da contracepção ou, ainda pior, da esterilização e do aborto, deve ser condenada e fortemente rejeitada”.
Outro importante exemplo da constante tentativa de conciliação com antigos opositores da Igreja pôde ser percebido com a reconsideração oficial dos Católicos em relação a difícil interlocução entre a fé e a ciência, como podemos notar no seguinte depoimento do Papa:-
“Separar esses dois elementos [fé e razão] foi uma grande tragédia humana”. (ao elogiar a obra de Copérnico, proibida pela Igreja Católica até 1822)
“O segredo da paz verdadeira diz respeito aos direitos humanos. O reconhecimento
da dignidade inata dos integrantes da família humana é a base da
liberdade,
da Justiça e da paz mundial”. (Em missa celebrada na Basílica de São Pedro,
no Vaticano, no ano de 1999)
As principais ações do Papa foram, no entanto, aquelas através das quais procurou levar a humanidade a repensar sua existência consumista, egoísta e agressiva. Ao propor a reversão dessa situação insana em que vivemos, se posicionando em favor da paz nas situações extremas, propondo o armistício nas várias guerras que explodiram durante o seu pontificado e se aproximando das outras igrejas e comunidades religiosas, Karol Wojtila se tornou uma pessoa respeitada nos quatro cantos do mundo, transcendendo o universo cristão católico e avançando em direção a todos os povos e pessoas.
Durante um evento em que se encontrou com jovens na França, João Paulo II sintetizou esse pensamento da seguinte forma:-
"A vida não pode ser simplesmente uma procura de riqueza, de bem-estar, de honrarias, mas constitui também uma aspiração mais profunda no interior de cada um, um desejo de vida interior e de encontro com o senhor, que bate à porta do nosso coração para nos dar a sua vida e seu amor”.
Não se espera que a existência de qualquer homem seja apenas exaltada e enaltecida. Há críticos mordazes mesmo aos melhores homens. João Paulo II, como representante maior do catolicismo no planeta nas últimas décadas também não estava imune aos criticismos, entretanto, é digno de nota que há entre sua vida pessoal e seus posicionamentos políticos, ideológicos e, principalmente, teológicos, enorme coerência. Isso pode ser reconhecido até mesmo por seus maiores opositores.
Mesmo quando suas idéias foram combatidas ou repudiadas, o Papa se manteve fiel a elas. Em terreno fértil, onde sabia que contaria com o apoio e a consideração das pessoas, João de Deus, como passou a ser chamado a partir de sua primeira visita ao Brasil, se mostrava mais dócil, simpático e propício ao diálogo. Nunca perdia, porém, a firmeza quando ela se fazia necessária.
Em países onde não a maioria da população não era católica também fazia questão de se mostrar cordato, sendo diplomático e elegante, mas sempre dizendo aquilo que realmente estava pensando, mesmo quando suas idéias não eram compartilhadas por todos.
Por essas e muitas outras razões os olhos do mundo se voltaram para a Praça de São Pedro nos últimos dias. Milhares de pessoas se aglomeraram numa vigília permanente em que oravam, a princípio pela recuperação do Papa, depois de sábado, pela sua alma...
Entre os vários pronunciamentos a respeito do falecimento do pontífice, destaco no título desse artigo a manchete de um jornal europeu que dizia estar João Paulo II indo ao encontro de Deus e afirmo a minha concordância com esse raciocínio a partir de um pensamento imortal deixado pelo Papa para toda a humanidade:-
"O homem não pode viver sem amor. Sem amor, torna-se um ser incompreensível para si mesmo”. (Encíclica O Redentor do Homem - Redemptor Hominis, de 1979)