Diário de Classe
Catalogando...
Os alunos como protagonistas e construtores do conhecimento
Pare para pensar rapidamente quando foi a última vez que você consultou um catálogo. Pode não ter sido a um minuto atrás, mas com certeza, não faz muito tempo. Esse tipo de material é muito mais freqüente em nossas vidas do que conseguimos perceber. Por exemplo, o mais comum de todos aqueles que encontramos em nosso dia-a-dia é o catálogo telefônico. Não é o único, pelo contrário, também temos contato com outros tipos de catálogos (de roupas, livros, CDs, DVDs, perfumes ou ainda de qualquer outro tipo de produto) de forma rotineira.
Essas formas de organização de informações são utilizadas a algum tempo pela humanidade. Catálogos representam tentativas de se colocar certo tipo de informação numa ordenação que permita um acesso mais fácil, rápido e seguro a esses dados.
Invariavelmente, além de serem utilizados para fins comerciais, também tem sido usados pela ciência e pela educação. São parentes próximos daquilo que conhecemos como enciclopédias ou, também, dos dicionários. Diferentemente dos anteriores, acabam sendo um pouco mais objetivos no que se refere a suas temáticas. Seguem, normalmente, o mesmo tipo de organização interna, através da qual os vocábulos e descrições apresentados têm que estar em ordem alfabética.
Acalentam o sonho humano da sistematização dos conhecimentos produzidos e, ao mesmo tempo, tem o objetivo de socializar os conhecimentos, colocando-os através de sua formatação ao alcance de um grande número de pessoas. Procuram mesclar informações escritas (descritivas) e imagens (fotos, desenhos, gráficos).
Trabalho em grupo não é fácil, parece muito com rafting, exige dos participantes
um bom entrosamento,
divisão de funções, produção conjunta e responsabilidade
para que
ninguém caia do barco e para que a viagem seja finalizada com sucesso.
Tornaram-se a partir de suas características básicas, um elemento a ser utilizado de forma regular em algumas de minhas aulas. Tive a idéia de propor a produção de catálogos aos meus alunos do curso de Gastronomia do Centro Universitário Senac de Campos do Jordão para a confecção de um material acerca das especiarias.
Queria consolidar os conhecimentos dispersos que alguns deles tem a respeito do que seriam esses produtos, suas variedades, usos (medicinal e gastronômico), origens e, também, nomes científicos e populares de algumas das mais comuns e utilizadas especiarias do mundo em que vivemos. Dou aulas de história da gastronomia para esses alunos, ingressantes no curso do Senac (estão ainda no 1° semestre). Em minhas aulas de história, falo com regularidade da importância e presença desses condimentos no cotidiano das pessoas desde a transição da Idade Média até os dias atuais.
Precisava referenciar os conhecimentos por eles aprendidos nas aulas anteriores em atividades para as quais teríamos apenas mais duas horas-aula (100 minutos). Isso veio a acontecer quando em nosso curso transitávamos dos estudos que fazíamos sobre a alimentação medieval para os novos hábitos e práticas incorporados a partir da modernidade, portanto entre os séculos XIII e XVII.
Para que tudo isso ficasse contextualizado utilizamos referências bibliográficas, trechos de filmes, análise de imagens e também aulas expositivas. Para complementar precisávamos fazer os alunos colocar a mão na massa e promover uma pesquisa através da qual pudessem descobrir o que seriam as tais especiarias e quais suas finalidades. Eles estavam cientes de sua importância por saberem que esses condimentos haviam modificado (e muito) as perspectivas gastronômicas e medicinais da história a partir de seu advento.
O nosso objeto de pesquisa eram as especiarias, que transformaram a alimentação mundial
a partir de seu intenso comércio entre a Europa e o Oriente no final da Idade Média e
início da Era Moderna, entre os séculos XIII e XVII.
Para não permitir nenhuma antecipação de movimentos em relação a proposta de trabalho, não deixei que nenhum deles tivesse a mínima noção do que faríamos em nossa seqüência de aulas. A maior parte deles estava esperando que eu entrasse em aula, ligasse meu computador e o data-show, disponibilizasse algum texto e que iniciasse uma exposição cheia de questionamentos e referências culturais para prosseguir com o nosso curso.
Diferentemente do previsto, não estava munido de qualquer tipo de equipamento para nossa aula. Não tinha nem ao menos transparências para utilizar com o retro-projetor. Livros e textos avulsos para promover leituras e atividades em pequenos grupos, também não contava com esses materiais. O único recurso disponível estava no bolso de minha camisa e eles nem desconfiavam disso...
Para iniciar a produção de um catálogo de especiarias eles teriam como ponto de partida apenas uma imagem da planta que dava origem a esses condimentos junto a qual se encontrava o seu nome científico. Antes de lhes dar esse pedaço de papel pedi a eles que se dividissem em grupos com quatro pessoas (como temos quarenta alunos, foram formados dez grupos).
Escrevi as informações no quadro negro, explicando passo a passo como iríamos desenvolver a atividade e o tempo que eles teriam para isso. Tirei todas as dúvidas quanto aos procedimentos que deveríamos adotar e, depois disso, dei-lhes as imagens aleatoriamente (duas para cada grupo).
Ficou estipulado que eles teriam que ser criativos na elaboração da página que lhes cabia no catálogo a ser produzido; outra preocupação era a de fornecer informações fidedignas, provenientes de fontes confiáveis; eles também sabiam que poderiam pesquisar na biblioteca do Centro Universitário e no laboratório de informática da unidade; a configuração final do trabalho deveria ser feita a partir da confrontação das informações coletadas na bibliografia especializada e na Internet...
O livro que inspirou a pesquisa foi a obra de Rosa Nepomuceno, lançado pela
José Olympio Editora, “Viagem ao Fabuloso Mundo das Especiarias”, de onde
foram retiradas as imagens e os nomes científicos que deram origem a todo o
projeto de elaboração do Catálogo.
As produções de cada um dos grupos seriam reunidas para a elaboração de um catálogo como produção final de todos os alunos. Um dos alunos foi selecionado para produzir uma capa e organizar a coleta dos materiais produzidos. Além disso tudo, os textos produzidos deveriam ser colocados em ordem alfabética e teriam que ter imagens acompanhando as informações escritas. Ao final os alunos deveriam espiralar a produção e colocar capas que protegessem o material.
Eles foram informados que a avaliação seria feita de duas formas: primeiramente quanto ao trabalho de cada quarteto; num segundo momento a avaliação seria do produto final desse trabalho, ou seja, o catálogo que seria entregue a mim. Isso fez com que eles ficassem amarrados uns aos outros quanto à necessidade de entregar o melhor material possível, dentro do prazo previsto, cumprindo as metas estabelecidas e os formatos pedidos. Caso alguém não fizesse isso, todos perderiam em suas notas finais...
É claro que isso tudo teria que ser feito num período de tempo pré-estabelecido e que iria exigir de todos organização e agilidade. Eles tinham exatos 80 minutos para realizar esse projeto (descontados os 20 minutos que levei para explicar todos os procedimentos e distribuir as imagens com os nomes científicos).
O que aconteceu a seguir?
Um verdadeiro pandemônio na opinião dos alunos. Os quartetos foram divididos em duplas, uns tinham que ir para o laboratório de informática e os demais para a biblioteca. Nos computadores os alunos pesquisaram informações na Internet e tinham que ao mesmo tempo iniciar a editoração de suas páginas. As informações coletadas das fontes bibliográficas e eletrônicas tinham que ser comparadas. Muitos me perguntaram o que fazer se as informações da Web e dos livros fossem diferentes. Perguntei-lhes então qual das duas fontes lhes parecia mais confiável. A resposta foi unânime em favor dos livros...
Alguns alunos propuseram que eles definissem um padrão final de apresentação dos materiais produzidos. Para isso estipularam tamanho das letras, utilização de negritos, posicionamento das imagens pesquisadas, tipo de fontes (letras) utilizadas na digitação das informações,...
Como toda a produção coletiva, nem todo mundo concordou e, na produção final, alguns textos estão um pouco diferentes. O conteúdo lido e pesquisado está todo lá. As imagens requisitadas também foram colocadas nas páginas produzidas. Nem todo mundo se lembrou de colocar as referências eletrônicas ou bibliográficas. Apesar de alguns desencontros, o catálogo tomou forma e ganhou vida...
E o que aprendemos com tudo isso? Os alunos perceberam que precisam aprender a se organizar melhor. Todos entenderam o que é um catálogo e se informaram a respeito das especiarias. O ritmo frenético de trabalho do mundo em que vivemos pôde ser sentido por cada um deles pela pressão de ter que entregar num prazo limitado. O professor orientou e acompanhou os progressos e dificuldades, o nervosismo e a sensação de satisfação, as discussões e os consensos. E o mais importante de tudo isso, os alunos foram os protagonistas de todo esse intenso movimento de construção do conhecimento, justamente como deve sempre acontecer...