Planeta Literatura
Olga
Viver e morrer por nossos ideais
Tive a oportunidade e o prazer de conhecer uma verdadeira lenda viva da história brasileira, Luís Carlos Prestes. Ele já tinha uns 90 anos de idade e foi convidado a dar uma palestra na universidade em que me formei no final dos anos 1980. Como eu compunha o grupo das lideranças estudantis daquela gestão, pude receber o “cavaleiro da esperança” com meus companheiros antes do início de sua apresentação.
Pode-se não gostar do que Prestes representou para a história de nosso país, mas não se pode negar a sua presença marcante nesse cenário ao longo de todo o século XX. Liderando os tenentes na década de 1920, mobilizando os comunistas e a Aliança Nacional Libertadora em 1935, representando a oposição política mais perseguida nos anos posteriores, tendo que partir para o exílio durante a ditadura militar e regressando depois da abertura política. Prestes se tornou, com todo esse envolvimento na política nacional brasileira do século passado, referência obrigatória para qualquer estudioso da história.
Li alguns livros marcantes sobre esse personagem tão singular do Brasil nesses últimos cem anos. “O Cavaleiro da Esperança”, obra de Jorge Amado, por exemplo, nos apresenta Prestes como um herói brasileiro e o projeta como líder de uma futura revolução, necessária e fundamental para reverter o quadro de desigualdades e misérias em que vivemos.
Apesar disso tudo, a obra mais marcante que tive a oportunidade de conhecer a respeito de Prestes não o tinha como o protagonista e sim como um coadjuvante (de primeira linha). Trata-se da biografia de sua esposa, a fascinante e misteriosa Olga Benário Prestes.
Dois momentos da trajetória de Prestes, deputado nos anos 1940
e líder tenentista nos anos 1920.
O livro de Fernando Morais consegue nos colocar em contato com toda a atmosfera de tensão vivida pelos comunistas no Brasil de Getúlio Vargas, em plena década de 1930. Retrocede até antes disso para nos fazer conhecer as origens dessa judia alemã que se juntou aos camaradas russos para tentar propagar a revolução proletária mundo afora. Relata sua vinda para o Brasil onde veio a trabalhar com Prestes na fracassada tentativa de insurreição conhecida historicamente como Intentona Comunista de 1935.
Independentemente dos resultados das ações desencadeadas pelos comunistas no Brasil, o importante é relatar a história dessa jovem mulher que abraçou uma causa com tanto fervor que teve que verdadeiramente se sacrificar em favor de suas crenças e ideais.
Mulher altiva, de beleza inconteste, oriunda de família bem estabelecida na Alemanha, Olga não se acomodou a uma situação de conforto burguês e resolveu aderir aos movimentos internacionais de trabalhadores. Era a ponte para vôos muito mais altos que passavam necessariamente por Moscou. Reuniões de partido, militância entre a juventude comunista, treinamentos militares, além de grande perícia nas ‘artes’ bélicas acabaram colocando essa militante de olhos claros no caminho da América Latina.
Seu destino parecia irremediavelmente traçado pelo fato de um notável e respeitado líder latino-americano também estar em Moscou, se preparando para deflagrar o socialismo no maior país dessa região do mundo, o Brasil. Tratava-se de ninguém menos que Luís Carlos Prestes. Precedido de enorme fama e de grande consideração pelos próprios russos, em virtude de sua liderança expressiva durante a chamada Coluna Prestes, o ex-militar brasileiro conseguia na União Soviética os recursos e aliados necessários para a revolução proletária no Brasil.
A judia comunista Olga Benário Prestes foi condenada a morte
durante a ditadura de Vargas por suas convicções políticas e envolvimento na
Intentona Comunista de 1935 e enviada aos nazistas de Hitler que a executaram.
Convocada a participar dessa campanha do outro lado do Atlântico, no hemisfério sul, em terras tupiniquins, Olga viajou ao lado de Prestes como se fosse sua esposa, num transatlântico onde se destacavam grandes figurões do capitalismo internacional e algumas proeminentes figuras do nazismo alemão. Disfarçados de prósperos investidores, viviam a antítese de tudo aquilo que defendiam...
Sua vida se torna ainda mais interessante a partir do momento em que se envolve emocionalmente com o “cavaleiro da esperança”. De mero disfarce para que não fossem identificados como líderes revolucionários de esquerda, Olga e Prestes acabariam se tornando um casal apaixonado, mesmo que o amor fosse considerado pela alemã como um sentimento burguês que teria que desprezar em sua existência.
Desse relacionamento surgiria uma gravidez e isso tornaria ainda mais dramática e difícil a situação da mulher de Luís Carlos Prestes. Amotinados em 1935, contando com o apoio de uma estrutura que não existia, insuflada pelos sonhos dos milhões de simpatizantes e filiados da sua fachada política conhecida como Aliança Nacional Libertadora (ANL), Olga e Prestes viram ruir o sonho do socialismo no Brasil da década de 1930.
A prisão de seus maiores e mais próximos colaboradores colocou a própria vida dos dois em risco. Aprisioná-los se tornou questão de honra para o virulento Filinto Müller, chefe maior da polícia política de Vargas, encarregado de caçar Prestes a qualquer custo.
A vida de Olga foi transformada em filme de sucesso dirigido por
Luís Fernando Carvalho e recriada a partir do livro de Fernando Morais.
Capturados, Prestes e Olga foram separados para sempre. O grande elo de sua união permanecia ligado umbelicalmente a Olga, sua futura filha Anita Leocádia Prestes. Apesar disso e de todos os protestos desencadeados em terras brasileiras contra o aprisionamento do casal e particularmente as condições desumanas de vida a que estava exposta a jovem e grávida mulher de Prestes, Olga foi sentenciada ao degredo em seu país de origem, a Alemanha.
Mas, não estávamos vivendo um momento de estabilidade e valores democráticos na Alemanha desses anos 1930. O mundo se encontrava às portas de um novo conflito de grandes proporções e os maiores artífices dessa carnificina que ocorreria em curto espaço de tempo eram os alemães comandados por Adolf Hitler e por sua doutrina nazista.
E o mais aterrorizante de tudo isso é lembrar que são princípios elementares do nazismo tanto o anti-semitismo (a perseguição aos judeus) quanto o anti-comunismo (que gerou violenta repressão política e ideológica contra os esquerdistas), portanto, o futuro de Olga e de seu bebê pareciam tenebrosos...
Fernando Morais é um prodígio para escrever. Jornalista destacado que brilhou em publicações de grande prestígio como Veja e o Jornal da Tarde, premiado por suas reportagens, tendo passagens vitoriosas pela política nacional, escreveu outras grandes obras que tive o prazer de ler, “Chatô – O Rei do Brasil” sobre o magnata brasileiro das comunicações Assis Chateaubriand, e “A Ilha” que abordava o regime socialista cubano de Fidel Castro na transição dos anos 1970 para os 1980.
“Olga” é, sem dúvida, uma de suas maiores contribuições para a literatura nacional. Livro de ritmo denso, rico em reconstituições e detalhes, produto de intensa pesquisa em arquivos no Brasil e no exterior, com uma narrativa que faz com que se pareça com uma obra de ficção, encanta o leitor da primeira a última página. Só queremos largar o livro depois de seu final e prendemos o fôlego e as lágrimas várias vezes...
Obs.: Li esse livro assim que foi lançado, na segunda metade da década de 1980 e, apesar de minha juventude então, jamais perdi o encanto por essa obra, por isso a recomendo a todos aqueles que pretendem entender um pouco melhor as lutas e histórias de nosso povo.