Cinema na Educação
As Cinzas de Ângela
O que é a miséria?
Em conversas recentes que tive com alguns grupos de estudantes com os quais trabalho comentava que não sabemos exatamente o que significa ser pobre ou ser rico. Como integrantes da classe média, estamos diante da miséria e da pobreza tantas vezes durante nossa existência, no entanto, não podemos afirmar com certeza que temos uma compreensão plena, sincera ou mesmo mínima desse fenômeno. A mesma afirmação pode ser feita em relação ao pólo oposto, onde vivem os grandes magnatas, as pessoas muito ricas, para quem tudo pode ser adquirido, independentemente do preço que estiver na etiqueta.
Vários deles diziam conhecer pessoas ricas. Que tinham contas bancárias polpudas e que são capazes de preencher cheques com números que não cabem naqueles que nós, pobres mortais, podemos emitir. Argumentei que essas pessoas se encontravam num patamar privilegiado, eram profissionais liberais, donos de estabelecimentos comerciais ou industriais ou mesmo fazendeiros muito bem sucedidos que, apesar de todo o sucesso obtido, não poderiam ser comparados a pessoas verdadeiramente ricas. Não conhecemos pessoas que ultrapassaram as linhas divisórias entre a classe média alta e o alto poder econômico...
O que me estarreceu, no entanto, foi perceber que nenhum deles afirmou conhecer pessoas pobres ou miseráveis. Mesmo que passem por mendigos, convivam com pessoas muito humildes que lhes prestam serviços domésticos, vejam crianças abandonadas pelas ruas das grandes cidades a vender balas nos semáforos ou tantas outras situações e circunstâncias em que nosso mundo estável e confortável se confronta com a fome, a solidão, o medo, o frio e tantas intempéries próprias de quem vive abaixo do mínimo, sem o básico daquilo que o ser humano necessita.
Assistimos nos noticiários da televisão, lemos artigos em jornais e revistas, vemos filmes que apresentam uma idéia aproximada do que significa viver ou sobreviver com tão pouco e não temos, mesmo assim, idéia do que seja ser pobre, ser miserável.
Busco em dicionários as palavras que ajudem a elucidar e permitir uma melhor compreensão do fenômeno.
miséria . [Do lat. miseria, ´desgraça´, ´infelicidade´.] S. f. 1. Estado lastimoso, deplorável. 2. Pobreza extrema; indigência, penúria. 3. Estado vergonhoso, indigno, infame, torpe. 4. Mesquinharia, sovinice, avareza. 5. Bagatela, ninharia, insignificância. 6. Fraqueza, defeito, imperfeição. 7. Ação ou procedimento indigno, infame, vil. Chorar miséria. 1. Deplorar ao extremo algum fato. Fazer misérias. (Dicionário Aurélio)
pobreza (ê). [De pobre + -eza.] S. f. 1. Estado ou qualidade de pobre. 2. Falta do necessário à vida; penúria, escassez. 3. A classe dos pobres. (Dicionário Aurélio)
Percebo que as palavras carregam conceitos fortes que atrelam o significado de miséria e pobreza a escassez, a lástima, a penúria, a estado indigno e, a imperfeição. Penso em cada uma dessas palavras e sinto que por mais que me digam, ainda assim, não consigo entender o que significa não ter um teto para me abrigar, passar horas e dias sem se alimentar decentemente, ser vítima de violências, ter medo e se sentir inseguro e, por isso, ter que reagir com agressividade ou violência, vendo outros seres humanos com desconfiança, e sendo visto com indiferença...
"As Cinzas de Ângela", filme de Alan Parker (cineasta que produziu grandes filmes como "O Expresso da Meia-Noite", "Pink Floyd - The Wall", "Coração Satânico",...), mexe com nossos brios, com nossos sentimentos por expor a pobreza extrema, realçada pelo alcoolismo e o abandono, pela falta de solidariedade e pela ambição dos agiotas. Nos introduz ao universo miserável e procura, mesmo assim, dar alguma esperança, mostrar a luz no fim do túnel, despertar nossa sensibilidade... Tocante!
O Filme
Quando a família McCourt nos é apresentada, nos deparamos com várias crianças num ambiente sujo, desprovido de comida, com um pai desempregado e sem perspectivas e com uma mãe que procura, na medida do possível, não enlouquecer diante desse quadro aterrador. Para as crianças se alimentarem tem que contar com o auxílio e a boa vontade de uma vizinha, que os acolhe maltrapilhos, alguns seminus e todos, indistintamente, precisando de um bom banho.
Ao receberem a visita de alguns parentes, são orientados a voltar para seu país de origem, a Irlanda, e deixarem o sonho (ou seria pesadelo?) americano para trás. Fracassaram. Olham do barco o porto de Nova Iorque, se despedem melancolicamente da Estátua da Liberdade. Deixam para trás uma terra de oportunidades que para eles representou derrota e morte. Enterraram um de seus filhos na América e, junto com ele, todas as suas esperanças. Quem sabe em casa, próximos de seus parentes, tivessem melhor sorte...
Corria a década de 1930. Anos duros, marcados por uma recessão mundial sem precedentes, surgida como conseqüência da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929. A miséria que deveria afrontar a consciência e o coração dos homens se tornara moeda corrente. Eram tantos os pobres, os desempregados, que as pessoas não pareciam se importar com isso, aparentavam distância, cada qual tentando solucionar seus próprios dramas, suas carências e dificuldades.
À volta a Irlanda não proporciona ganhos. Ângela McCourt (Emily Watson) continua a conviver com a desgraça e, para piorar, não pode contar com o auxílio do marido, Malachy McCourt (Robert Carlyle), sujeito de bom coração, que demonstra amor sincero pelos filhos e pela esposa, mas que é fraco e se entrega ao alcoolismo e vive desempregado, conseguindo algum dinheiro a partir de trabalhos temporários. O problema é que uma boa parcela desse dinheiro acaba desviada para seu vício e não permite que seja colocada comida nos pratos de seus filhos...
As dificuldades se avolumam ainda mais quando a família é abandonada pelo pai, que foi em busca de oportunidades na Inglaterra e não retorna e nem manda dinheiro. O filho mais velho, Frank McCourt (protagonizado por três atores diferentes para apresentá-lo na idade adulta, como jovem e como criança), desde cedo encarregado de zelar pelos irmãos e aluno destacado na escola se torna, então, a esperança da família...
Forte e de tema denso, "As Cinzas de Ângela" é daqueles filmes que emocionam e nos fazem pensar, mobilizam nossas emoções e pedem reações. Assistam!
Aos Professores
1- Sempre escuto críticas quanto ao cinema brasileiro por produções que tenham como tema a pobreza, a violência, o abandono de crianças ou tantas outras misérias que assolam nosso país. As pessoas que advogam a tese de que a imagem do Brasil no exterior é das piores possíveis em virtude de filmes como "Central do Brasil" ou "Cidade de Deus" argumentam que através do cinema deveríamos divulgar nossas belezas naturais, nossas riquezas materiais e humanas, nossa diversidade cultural. Será que não estão se escondendo das coisas que acontecem cotidianamente ao nosso redor? "As Cinzas de Ângela" nos mostra como outros povos já passaram por isso ou nos alerta para o fato que outros tantos ainda vivem em situação crítica. Ao apresentarmos nossas feridas e problemas não estamos clamando por soluções, pedindo por remédios, por medidas da sociedade e do governo? Que outros gritos podem ser dados, que outras oportunidades existem para que se fale abertamente de nossas dores?
2- Perceber a pobreza e a miséria são caminhos fundamentais para que nos sensibilizemos em relação à mesma e que façamos alguma coisa que permita revertê-la, superá-la, mesmo que parcialmente, ainda que no âmbito local (em que estamos inseridos). Promova pesquisas e vá com seus estudantes a favelas e áreas carentes de sua cidade. Entrevistem as pessoas e verifiquem suas condições de vida, suas dificuldades. Perguntem sobre os auxílios que são dados por entidades governamentais (prefeituras, governo do estado ou governo federal) e por ONGs (Organizações não-governamentais). Depois de tudo isso, quando em aulas, questione seus alunos sobre medidas práticas que o grupo pode realizar para auxiliar essas comunidades.
3- Um dos projetos mais interessantes desenvolvidos a respeito de dignidade e direitos em relação a comunidades carentes resultou no livro "Cidadão de Papel", do jornalista Gilberto Dimenstein. Peça a leitura do livro a seus alunos, verifiquem se as condições averiguadas quando o livro foi escrito foram superadas ou se tudo continua do mesmo jeito, estimule comparações entre o que foi visto na pesquisa de campo e aquilo que está escrito no livro. (Outra obra de Dimenstein que merece ser vista é "O Aprendiz do Futuro", onde a educação e a atualização são apresentadas como ferramentas eficazes no combate a desigualdade).
4- Procurem descobrir como atuam as ONGs que atuam no combate a miséria, a pobreza e a fome. Verifiquem quais são os projetos governamentais que visam estimular políticas de assistência social e de combate à desigualdade gigantesca que assola nosso país. Faça levantamentos no site do IBGE sobre os indicadores que possam explicar os problemas desse setor. Mobilizem-se e reajam, é essencial para que possamos superar as mazelas de nosso país, para que possamos estabelecer um mínimo de dignidade e decência na vida de nosso povo pobre e sofrido.
Obs.: Uma boa dica para quem quer ajudar e mostrar solidariedade é o recém lançado site Ajuda Brasil, que pode ser acessado no endereço www.ajudabrasil.org; Para quem quer se informar mais sobre o trabalho educacional consciente do jornalista Gilberto Dimenstein, é obrigatória a visita ao site Aprendiz, que pode ser encontrado em www.aprendiz.com.br.
Ficha Técnica
As Cinzas de Ângela
(Angela´s Ashes)
País/Ano de produção:-
EUA/Irlanda, 1999
Duração/Gênero:- 120
min., Drama
Disponível em VHS e DVD
Direção de Alan Parker
Roteiro de Laura Jones e Alan Parker
Elenco:- Emily Watson, Robert Carlyle, Joe
Breens, Ciaran Owens,
Michael Legge, Ronnie Masterson, Pauline McLynn, Liam Carney.
Links
-http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=343
- http://www.adorocinema.com/filmes/cinzas-de-angela/cinzas-de-angela.htm
- http://www.angelasashes.com
(site oficial)