Planeta Educação

Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Ônibus 174
Estarrecedor, chocante e perturbador

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A desgraça transmitida via satélite por vários canais de televisão chocou muitos telespectadores. Revista pouco tempo depois a partir do documentário produzido e realizado pelo cineasta José Padilha, se tornou um retrato ainda mais perturbador da realidade das grandes cidades brasileiras, particularmente do Rio de Janeiro. A edição dos telejornais e a exploração através da imprensa daquele estarrecedor episódio vivido nas proximidades do Jardim Botânico jamais conseguiria apresentar de forma tão eloqüente os fatos que se seguiram.

Ninguém melhor para falar dos acontecimentos senão aqueles que estavam mais diretamente envolvidos com o caso. E são esses depoimentos que tornam esse exemplar e premiado documentário nacional uma pequena obra de arte, digna de ser colocada em qualquer relação de melhores produções desse segmento da indústria fílmica mundial.

Ao mesmo tempo em que acompanhamos as imagens gravadas pelas redes de televisão e vemos o pânico no rosto das reféns dentro do ônibus, escutamos os depoimentos das vítimas e dos policiais que participaram daquela desastrosa ação e acompanhamos uma caprichada reconstituição da vida do seqüestrador.

Descobrimos por essa pesquisa que o vício e as ruas tornaram Sandro do Nacimento invisível aos olhos da sociedade, assim como tem feito com milhares de meninos e meninas abandonados a sua própria sorte e tendo que garantir sua sobrevivência sem qualquer tipo de suporte, seja da família, da comunidade ou do estado.

E as histórias desses milhares de “Sandros” parecem sempre começar da mesma forma, a partir de uma tragédia familiar, do abandono do pai ou da morte da mãe. No caso do protagonista dessa tragédia nacional, não foi diferente. Sem pai, criado pela mãe, o menino Sandro assistiu ao assassinato de sua progenitora, proprietária de um pequeno estabelecimento comercial num bairro da periferia carioca. Não quis ir ao enterro e, na volta de seus parentes, já havia tomado o caminho da rua, de onde não voltaria...

O menino não tinha completado sequer dez anos de idade. Acuado pelo medo de continuar nas redondezas em que vivia, resolveu se arriscar pelas ruas, dormir debaixo de pontes e viadutos, realizar pequenos furtos para sobreviver, cheirar cola e, depois, iniciar-se em outros vícios e drogas ainda mais perniciosos.

Sua invisibilidade, assim como a de todos os outros moradores de rua, só era desafiada quando praticava seus crimes. Nesses momentos aparecia como não devia, mas ganhava espaço, garantia-se um lugar ao sol, mesmo que isso pudesse lhe causar transtornos e problemas, como ir para a cadeia. Não que estivesse em busca dessa notoriedade, pelo contrário, o crime requer discrição e Sandro sabia disso, mas deixava-se capturar e tornava-se então notícia de canto de página ou nome em destaque nos boletins de ocorrência dos distritos policiais fluminenses.

Ao mesmo tempo em que nos coloca diante de um dos mais assustadores acontecimentos policiais dos últimos tempos, o cineasta José Padilha (em seu filme de estréia) desnuda a desgraça social que assola tantos e tantos meninos e meninas dos morros cariocas e nos põem diante de algumas reflexões necessárias e fundamentais: O que realmente podemos fazer para evitar o surgimento de novos “Sandros”? De que modo podemos resgatar esses meninos e meninas marginalizados e lhes conceder um mínimo de dignidade em suas vidas? Quais os caminhos para lhes conceder acesso à cidadania a que tem direito?

A violência e a criminalidade não são também questões a se discutir? Com certeza, mas acredito sinceramente que a aplicação e proliferação de políticas sociais sérias nos permitiriam diminuir os índices de criminalidade muito mais que a construção de novos presídios ou ainda qualquer mudança no Código Penal...

O Filme

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Drogado e em busca de dinheiro para financiar a compra de novas doses, o jovem morador de rua Sandro do Nascimento pega o ônibus 174. Inicialmente anônimo entre os passageiros, revela então seu propósito e faz com que o veículo estacione. Libera todos os passageiros do sexo masculino e mantém sob a mira de seu revólver algumas das mulheres que manteve como reféns. A polícia cerca o coletivo e a imprensa se amontoa ao redor fazendo imagens que são transmitidas ao vivo para todo o Brasil. Está armado o circo e a confusão parecia apenas estar começando...

Algumas horas se passam entre o início do seqüestro e seu trágico desfecho. Durante esse tempo, imagens de conhecidos e familiares de Sandro contam a história de sua vida. Do assassinato da mãe a vida nas ruas do Rio de Janeiro, da cola de sapateiro ao consumo de drogas pesadas, das frustradas tentativas de mudar de vida aos tempos no “xilindró”...

Enquanto vemos as imagens do ônibus seqüestrado acompanhamos também o relato dos policiais e as perspectivas de ação para o resgate das reféns. De dentro do ônibus escutamos os depoimentos das jovens que ficaram com o revólver engatilhado apontado contra suas cabeças e o medo de perder a vida a qualquer instante que todas elas chegaram a sentir em algum momento dessa tragédia carioca.

“Ônibus 174” começa com imagens aéreas da “Cidade Maravilhosa” e termina com o reboque do veículo para a garagem da delegacia mais próxima. Nos coloca como passageiros de uma viagem sem volta, da qual desembarcamos como sobreviventes que passam a ter muito medo de, simplesmente, entrar no próximo coletivo...

Aos Professores

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1- A violência existe e está próxima de todos nós. É lógico que não devemos semear o pânico e espalhar aos quatro ventos que os próximos podemos ser nós mesmos. O que podemos e devemos fazer é motivar discussões dentro da sala de aula acerca das origens da violência e das possibilidades reais de superação da mesma. O estabelecimento de uma sociedade mais pacífica depende desse exame minucioso e também da proposição generalizada de planos de ação consensuados que permitam não apenas o combate e a agressão como respostas, mas sim o estabelecimento de projetos de resgate da cidadania e da dignidade humanas. Educação, trabalho, saúde, lazer, reconhecimento social e oportunidades de tratamento condigno podem e devem ser políticas sociais revigoradoras do tecido social brasileiro. E o mais interessante é que essas discussões podem ser alavancadas a partir de sua ação como educador, não acha?

2- Como reagir se você estiver numa situação semelhante àquela vivida pelos reféns do Ônibus 174? É claro que não queremos que isso aconteça com mais ninguém, mas não custa nada ter as orientações dos profissionais para saber como lidar com todo esse stress. Seria muito importante que fosse feito um trabalho em parceria com a polícia para saber o que fazer nesse tipo de situação. Isso seria ainda mais enriquecedor se os policiais pudessem falar de suas experiências e mostrar aos estudantes o lado humano de seu trabalho. Acredito que também poderia ajudar a melhorar a relação entre a polícia e a comunidade...

3- Peça a seus alunos que façam pesquisas na cidade, no bairro ou na região em que moram para saber se existem trabalhos assistenciais que tentam auxiliar os moradores e os meninos de rua. Caso não existam grupos trabalhando com o tema, promova pesquisas pela internet ou em revistas e jornais atrás de mais informações sobre esses moradores “invisíveis” e marginalizados das cidades. O que pode ser feito para ajudar? Quem sabe isso não os mobiliza a criar campanhas e ações de solidariedade...

4- Um outro aspecto interessante que pode ser colocado em discussão e se tornar um projeto a se desenvolver em aula é a questão do crescimento desmedido das grandes metrópoles e a proliferação dos bairros marginalizados. Favelas em morros e encostas onde podem ocorrer deslizamentos e mortes, falta de serviços de saneamento básico, inexistência de postos de saúde, escolas distantes que limitam o acesso das crianças desses bairros, crescimento do tráfico de drogas e outros problemas poderiam se tornar pauta de pesquisas, para saber do que se trata e verificar projetos que busquem solucionar esses dilemas urbanos.

Ficha Técnica

Ônibus 174

País/Ano de produção: Brasil, 2002
Duração/Gênero: 122 min., Documentário
Direção de José Padilha
Produção de José Padilha e Marcos Prado
Edição de Felipe Lacerda

Links

- http://www.adorocinema.com.br/filmes/onibus-174/onibus-174.asp

- http://parceiros.cineclick.com.br/criticas/index_texto.php?id_critica=109

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas