A Semana - Opiniões
A Televisão que deseduca
Hábitos e valores invertidos
Todos os dias, em horário nobre, a grande maioria dos lares brasileiros é ”iluminado” pelo colorido fascinante das redes de televisão. Há uma oferta de canais que permite aos cidadãos brasileiros optar entre uma pequena oferta de possibilidades. Mas, se por um lado essas alternativas existem, o problema é que poucas vezes conseguimos alterar alguns vícios antigos adquiridos há poucas décadas. Continuamos a dar nossa preferência a uma programação estruturada em torno de uma grade que oferece novelas, telejornais, filmes de ação (terror, suspense e muita “adrenalina”, conforme a publicidade veiculada ao longo da programação), programas humorísticos ou de auditório.
Não existiria nenhum problema nessa grade se nossos programas fossem revistos, reestruturados e renovados, tanto no que diz respeito à linguagem quanto ao conteúdo, especialmente no que tange ao segundo quesito.
Qual é o grande problema? Afinal de contas, a televisão brasileira não é reconhecida internacionalmente a partir de premiações e da grande vendagem de seus programas?
A primeira grande situação a ser revista não cabe aos programadores, diretores, produtores e demais responsáveis pelas realizações da televisão brasileira atual. O primeiro movimento cabe aos espectadores. É deles a responsabilidade de averiguar a qualidade daquilo que está sendo oferecido e optar ou não pela mudança de canal.
Atualmente operamos dentro de um esquema bem parecido com o de um piloto automático quando o assunto é televisão no horário nobre (entre as 8 e as 11 horas da noite). Muitas são as pessoas que ligam a televisão, circulam rapidamente para verificar os programas que estão passando nas emissoras alternativas e que, no final, “estacionam” na Vênus platinada para assistir suas novelas, jornais e demais programas.
Há programas de grande qualidade sendo veiculados pela Rede Globo de Televisão:-
Informativos e educativos
como o Globo Ciência, o Globo Rural ou o Globo Ecologia podem ser
muito úteis para a formação de nossas crianças e jovens, entretanto o horário e os dias de veiculação
fazem com que esses e outros programas educativos sejam vistos por públicos reduzidos.
O padrão global de qualidade é indiscutível. Quando falamos de redes de televisão que conquistaram destaque no mercado mundial, certamente veremos a TV Globo entre elas. Temos que concordar que entre os programas produzidos e veiculados por essa importante emissora há algumas produções valiosas.
Matérias dos telejornais, quadros do Fantástico, minisséries de produção esmerada (como “Hoje é dia de Maria”, “Um só coração”, “Anos Dourados”, “Anos Rebeldes”, “A Muralha”,...), o informativo Globo Rural, o Globo Ciência, o Globo Ecologia, o Globo Comunidade ou mesmo o Globo Repórter são programas que tem dado uma contribuição significativa para a cultura nacional.
O público reconhece esses trabalhos e, através de índices expressivos de audiência, confirma que essas produções devem continuar e melhorar ainda mais suas qualidades. Porém, para a infelicidade geral dos espectadores, a maior parte dessa programação não é disponibilizada em horários que atinjam públicos mais amplos. Basta lembrar que os programas sobre ciência, vida no campo, ecologia e comunidade são apresentados bem cedinho e/ou somente nos finais de semana. O Globo Repórter e os seriados são veiculados em final de programação noturna, portanto depois das 10 horas da noite, alguns começando apenas depois das 11 horas da noite...
O que prevalece nas telinhas entre as 8 e as 10 da noite, período em que as famílias se reúnem em torno da televisão, são as novelas e os telejornais. Dentre eles, aqueles apresentados pela TV Globo são os de maior audiência. E é justamente nesse ponto que começam a surgir os problemas maiores. Sem o controle dos pais, muitas crianças têm acesso a uma programação que não é destinada a elas...
Será que o que queremos para nossas crianças e jovens é o medo, a agressividade,
a violência e a intolerância? Monitorar a programação da televisão para evitar
que essas imagens se tornem comuns e cotidianas para nossas
crianças
e jovens é responsabilidade e dever de pais e educadores...
Traições, corrupção, lascividade, erotismo acentuado, vocabulário chulo (palavras de baixo calão), ações preconceituosas e violência passam a fazer parte das imagens que nossas crianças tem assistido com grande freqüência. E o que temos feito a esse respeito? Em muitos lares brasileiros não há qualquer restrição ao acesso de menores a esses programas e a sua forte temática.
E não são só as novelas globais que colaboram para essa situação. Jornalísticos sensacionalistas ou programas destinados a falar sobre a vida das celebridades, invadindo suas privacidades, também colaboram para o sucateamento da qualidade da televisão brasileira. Apresentadores despreparados, agindo de forma grosseira e rude, gritando diante das câmeras em prol de um marketing pessoal que os promova cada vez mais, aliados a imagens de pessoas acidentadas (ou mortas) e de helicópteros e carros da polícia em frenética perseguição a suspeitos também são parte do imaginário das crianças...
A violência dessas imagens e atitudes passa, então, a fazer parte dos relacionamentos firmados por essas crianças e jovens com seus pais, amigos, irmãos, professores, tios, desconhecidos,... O medo e a desconfiança, a insegurança e a insensatez se tornam características de nossos filhos, alunos, sobrinhos, afilhados e de todas as crianças e jovens sem que consigamos perceber que uma de suas origens pode ser a televisão e essa programação agressiva.
Recentemente, na última edição do Big Brother Brasil, alguns dos participantes tem sido eliminados com altos índices de rejeição por parte do público. Os espectadores não concordam com as atitudes que essas pessoas tem tomado para vencer a competição na qual estão envolvidos. Trapaça, preconceito, “armações”, palavrões e desonestidade estão sendo francamente rejeitados através dessas expressivas votações pelo telefone ou pela internet. Sobrevivem aqueles que procuram se manter de forma digna dentro da casa onde ocorre o evento. Honestidade, princípios, respeito e autenticidade parecem ser, de acordo com o público, as virtudes que irão determinar os vencedores dessa “gincana” televisiva...
A teledramaturgia brasileira tem oferecido, a partir de algumas produções da Rede Globo
(com destaque especial para as minisséries), algumas das melhores produções dramáticas
ou cômicas do mundo. Exibidas em horário nobre, muitas dessas realizações colaboraram
para a elevação da televisão brasileira aos mais altos patamares da produção
internacional.
Cabe aos pais e educadores orientar as crianças e adolescentes para o uso adequado e inteligente
desses trabalhos.
Mas, será que nossas crianças sabem diferenciar esses atributos e que elas também serão capazes de separar o joio do trigo? Ou será que um programa desse formato não seria indicado para adultos somente. Sabemos que a televisão tem colocado no início de seus programas alguns avisos especificando a que faixa etária se destina tal programação, e que, nesse caso, caberia aos pais pedir a seus filhos que respeitassem essas recomendações, entretanto, continuamos passivos, paralisados e inertes diante daquilo que nos é apresentado. Não somos capazes de definir limites para nossas crianças. Ficamos tão apavorados diante da palavra censura que nos recusamos a fazer esse papel mesmo quando deveríamos estar agindo dessa forma...
Sabemos também que muitas telenovelas têm se prestado a importantes papéis na conscientização e luta por causas justas, desenvolvendo um importante marketing social em favor de questões sérias. Temas como a doação de sangue, a gravidez na adolescência, o respeito pelos idosos, a moralização política ou a luta pela preservação do ambiente já foram e são exploradas pelos autores de telenovelas no Brasil. Mesmo assim, cabe lembrar que o papel principal na educação de nossos jovens, no que se refere a esses e outros assuntos, deve ser feito pela escola e pela família.
Torna-se então necessária uma atuação mais firme e destacada por parte da família e da escola em favor de uma televisão que eduque e que ajude a formar dignamente nossas crianças e jovens. Cobrar uma programação mais adequada, trocar de canal quando considerar ofensiva e agressiva a programação, assistir aos programas junto com os filhos para dar orientações, filtrar ou censurar (por mais que isso pareça contrariar nossas orientações democráticas) são atitudes importantes. Por que não gravar os programas educativos que passam nos finais de semana pela manhã e apresentá-los em outros horários para as crianças?
Não podemos deixar que as babás eletrônicas semeiem entre nossas crianças e jovens a violência, a intolerância, o desamor, a agressividade e tantos outros valores e atitudes condenáveis. Mude de canal. Mude de atitude. Seus filhos e alunos agradecerão...