Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A Escola encontra os Esportes Radicais
Lições da Prancha de Surfe

Esportes-na-água

Nunca pratiquei esportes radicais. Confesso, porém, que admiro as pessoas que os praticam pela coragem e ousadia. O mais interessante é notar que nos últimos anos a quantidade de pessoas que tem se envolvido com rafting, bungee-jump, pára-quedismo, surf, alpinismo, skate ou outras modalidades igualmente radicais vem aumentando significativamente. O que mais surpreende as pessoas que como eu não praticam tais atividades é que mesmo diante das maiores adversidades esses esportistas não desistem.

E foi justamente pensando nessas modalidades e em seus praticantes que me dirigi ao trabalho na manhã de hoje. Pensava num ponto de encontro entre a educação e os esportes radicais. Não que venha a propor que a partir dos próximos anos tenhamos skate ou surf como alternativas dentro das aulas de Educação Física. Poderia até ser interessante se isso viesse a acontecer, mas o enfoque pretendido para esse editorial é um pouco diferente...

Estava pensando, por exemplo, que deve ser difícil se equilibrar na prancha de surfe ou no skate nas primeiras vezes que tentamos. Eu já me arrisquei algumas vezes com o skate do meu filho. Já simulei alguns movimentos de forma muito comportada para verificar as reais possibilidades do equipamento. Parei logo, antes que pudesse conhecer os “benefícios” das quedas...

Se esse exercício foi suficiente para me mostrar que o equilíbrio a ser conseguido no skate ou na prancha de surfe depende de muito treinamento, prática, estudo e adaptação, imagino que também os grandes ases dos esportes radicais também tenham passado por dificuldades. Escutei, para exemplificar minha tese, que o brasileiro Bob Burnquist, um dos maiores expoentes do skatismo no mundo inteiro, já sofreu várias fraturas...

Skatista

Apesar dos ossos fraturados, Burnquist se tornou um artista do skate, capaz de manobras fantásticas, que levantam a platéia e tentam ser copiadas pelos outros atletas desse esporte. O jeito um tanto quanto despojado da maioria dos grandes representantes desse esporte esconde uma tremenda obstinação. A vontade de se superar é tão grande que as dores e os medos tem que ser deixados para trás. Para isso são necessárias muitas horas de exercícios, garantidos por uma disciplina que chega muitas vezes a ser espartana.

Esse é um dos pontos de encontro entre os esportes radicais e a educação. Para verter um arco e atirar a flecha na direção correta, com a força calculada (nem mais, nem menos) e acertar o alvo, os arqueiros têm que gastar tempo em treinamentos, pensar e repensar seus movimentos, memorizar em seus corpos o esforço a ser despendido pela musculatura ou mesmo alternar o disparo para obter resultados ainda melhores.

Os educadores carecem de maior capacidade de concentrar seus esforços em benefício do alvo que desejam atingir. O primeiro passo a ser dado é definir com clareza qual é esse alvo. Para muitos ainda é o cumprimento dos cronogramas e do programa de ensino. Tantos outros já deslocaram seu disparo na direção da formação plena e integral dos alunos. Conteúdos não devem ser considerados fins, mas caminhos para a realização desse objetivo maior da educação que é a concessão de recursos (conhecimentos) para os educandos.

Definido isso, passamos a uma nova situação, em que temos que rever nossas práticas (voltadas para a consolidação e ensino de conteúdos), repensando-as para uma nova perspectiva, muito mais ambiciosa e difícil de realizar, em que queremos atingir a plena formação e preparação de nossos estudantes. É nesse momento que podemos traçar mais um paralelo entre os surfistas com os educadores.

Paraquedista

Pensem, por exemplo, que inicialmente os surfistas tenham aprendido a pegar ondas pequenas, utilizando apenas uma determinada técnica. Todas as vezes que vão as praias, esses esportistas repetem as mesmas ações. Onde está a adrenalina? Não há novidades nos movimentos? Que graça passaria a ter esse esporte se não se realizassem modificações em arriscadas tentativas (que tantas vezes resultaram em tombos, caldos ou mesmo fraturas)?

O professor que não se arrisca, não quebra a cara. Se preserva de situações difíceis. Prefere a manutenção de suas velhas fórmulas que garantiram bons resultados ao longo de toda a sua carreira. Desse modo, evita as quedas da prancha e os arranhões na areia. Muito bem, mas nem sempre as ondas que iremos pegar terão as mesmas características. Se não houver ousadia, também não existirão chances de chegar ao pódio, de obter vitórias espetaculares. Se o educador não buscar novas alternativas para o seu trabalho em sala de aula, seu estilo “careta” pode condená-lo a rejeição por parte dos alunos e das próprias instituições escolares.

Ninguém procura por apertadores de botões para preencher os melhores cargos de sua empresa. A criatividade, o estudo, a espontaneidade, a vontade de vencer, a obstinação e a capacidade de aprender com os próprios erros são parte essencial do “currículo” de todo e qualquer profissional que queira ter sucesso no 3° milênio.

Nenhum grande campeão de esportes radicais continua praticando os mesmos movimentos do início de suas carreiras. Todos eles incorporaram novas técnicas, algumas criadas por eles mesmos, outras aprendidas a partir de competidores de alto nível. Essa capacidade de humildemente perceber nos outros esportistas uma série de conhecimentos que ainda não possui também são diferenciais para a formação de um vencedor. Isso também se aplica a educação.

Ler, estudar, atualizar-se por novos cursos, navegar pela internet, visitar museus, ir a exposições, freqüentar cinemas e teatros, ouvir música, viajar ou simplesmente andar pela cidade para conhecer novos espaços ou pessoas constituem os variados caminhos pelos quais os profissionais da educação poderiam incorporar novos conhecimentos.

escalando-montanhas

Dá trabalho? Sem dúvida! É como no caso dos esportes radicais, não há ganhos se não cairmos, levantarmos, tentarmos novamente. Consome tempo, exige dedicação, demanda disciplina. É nesse momento que deve sobressair nosso profissionalismo e também a paixão que sentimos pelo trabalho que desenvolvemos.

Esse é, também, um importante ponto de convergência entre os esportes radicais e a educação. Quando o pára-quedista ou o alpinista reconhece na atividade que está desenvolvendo os desafios e as satisfações decorrentes das vitórias obtidas ao final dos treinamentos e competições, se apaixona por aquele esporte e passa a se dedicar com maior esforço e dedicação, querendo sempre superar novos desafios, se prontificando a escalar montanhas mais altas ou saltar de altitudes mais elevadas.

O desafio e a paixão também estão na educação. Encontramos na necessidade de superar uma forma ultrapassada de dar aulas um desses pontos de superação. Temos que perceber que a apatia ou insatisfação dos alunos deve nos motivar a buscar novas alternativas de trabalho. Não podemos deixar para trás nenhum de nossos “alpinistas” (alunos) ao escalarmos uma nova cadeia de montanhas. Vibrar com as aulas bem-sucedidas como os skatistas quando fazem uma manobra radical e empolgam a platéia é também essencial. Não são só os artilheiros que comemoram seus gols, nós também podemos e devemos fazer isso...

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